A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal votou pelo encaminhamento da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer para a Câmara dos Deputados. Essa denúncia foi apresentada na semana passada, pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A defesa de Temer queria que o Supremo esperasse a conclusão das investigações sobre a delação da J&F.
Foi a primeira sessão do Supremo com a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, presença que a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, destacou:
“Que vossa excelência tenha espaço para ser extremamente feliz e que, principalmente, com o seu trabalho contribua, como tem sido o papel do Ministério Público, para que as instituições jurídicas e as nossas instituições na República brasileira contribuam cada vez mais em benefício dos cidadãos brasileiros”.
A procuradora agradeceu:
“Agradeço a calorosa acolhida dessa suprema corte expressa nas palavras de sua presidente e apresento os cumprimentos de todo o Ministério Público brasileiro que reconhece o elevado espírito público que preside a atuação deste tribunal como guardião da Constituição e garantidor de direitos humanos. Muito obrigada”.
A procuradora acompanhou a retomada da análise de uma questão de ordem a partir de um pedido do presidente Michel Temer para suspender o andamento de eventuais denúncias e novos inquéritos contra ele até uma definição sobre a delação dos executivos da J&F e se permanecem válidas as provas entregues pelos delatores.
Em documento enviado a todos os ministros do Supremo antes da sessão, Raquel Dodge manteve o entendimento de seu antecessor Rodrigo Janot. Defendeu que a Constituição exige que uma denúncia apresentada contra o presidente da República seja enviada para Câmara para que os deputados decidam sobre a autorização do prosseguimento do processo.
Raquel Dodge afirmou que “a Constituição é rigorosa” e “não há lugar, portanto, para impugnar a validade da denúncia fora desse rito constitucional, antes da decisão da Câmara dos Deputados”. A procuradora destacou que, caso a Câmara autorize o processo, a defesa terá “ampla margem de atuação para suscitar todas questões que entender necessárias”.
O ministro Luiz Edson Fachin concordou. Votou para que a denúncia contra Temer seja enviada para a Câmara para deliberação dos deputados sobre o prosseguimento ou não da acusação.
“Em modo de ver antecipa a discussão de mérito judicial somente nesta corte se e após juízo positivo acerca da condição de possibilidade da Câmara dos Deputados, se esse eventual juízo for proferido. Câmara a quem compete por primeiro apreciar mediante um juízo político a denúncia oferecida, sem exclusões ou recortes prévios de temas por essa suprema corte”.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto do relator Fachin. Ele destacou que há suspeitas envolvendo a validade das afirmações dos delatores da J&F, mas considerou que não é o momento de o Supremo avaliar o teor da denúncia apresentada contra o presidente.
“A Constituição exige que o Supremo Tribunal Federal, para que possa realizar o primeiro ato decisório, e esse ato decisório seria receber ou rejeitar a denúncia, exige que haja autorização de dois terços da Câmara dos Deputados”.
O ministro Luiz Roberto Barroso também votou com o relator e ressaltou que a denúncia se baseia em muitas provas e colaborações, além da delação dos executivos da J&F.
“Mensagens de celular, anotações, agenda, dinheiros apreendidos, contratos administrativos e privados, notas fiscais, relatórios de CVM, Coaf, TCU, tudo isso consta da denúncia. Informações prestadas pela Câmara dos Deputados e pela Caixa Econômica Federal, fotos tiradas em trabalho investigativo da Polícia Federal, carta publicada pelo próprio presidente da República, conversas obtidas através de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, planilhas, registros de abertura de contas no exterior, extratos bancários e comprovantes de movimentações financeiras, auditorias internas da Petrobras, dados de doações para campanhas eleitorais, e-mails, registros de voos, comprovantes de pagamento de serviços de hangaragem, reservas de hotel, faturas de cartão de crédito, registros de ligações telefônicas e dados extraído do programa Drousys de pagamento de propina da Odebrecht entre outros”.
A ministra Rosa Weber também acompanhou Fachin - esperar a análise da Câmara para depois avaliar a validade das provas.
“Em relação às provas colhidas e sua validade a partir do acordo celebrado, eu também entendo, tal como posto pelo relator, que considerados os limites da questão de ordem colocada esta invocada possibilidade de rescisão não enseja neste momento pré-processual, inclusive, o exame no caso concreto da questão que se buscou apresentar a esta corte, no sentido dos efeitos quanto à própria validade da prova. Acompanho na íntegra o voto do relator”.
O ministro Luiz Fux destacou que é preciso aguardar uma manifestação da Câmara sob pena de violar a separação dos poderes.
“O ministro Fachin traz um voto que gravita em torno de uma denúncia muito grave quando se refere ao chefe Supremo da nossa nação, mas nem por isso é possível a nós, que temos como compromisso fiel a guarda da Constituição, deixarmos de obedecer ao devido processo legal. Mas o momento é exatamente de aguardar esse juízo político que antecede ao juízo jurídico. Quer dizer, qualquer iniciativa do Supremo Tribunal Federal nesta fase violaria de forma evidente a cláusula pétrea da separação dos poderes”.
Ao acompanhar o relator, o ministro Dias Toffoli formou maioria de votos para que a denúncia contra Temer seja enviada para a Câmara. Ele fez uma ressalva e considerou que o relator teria o poder de levar antes para o plenário do Supremo decidir sobre o arquivamento caso não visse elementos mínimos.
“Qualquer um de nós aqui sendo um relator de uma denúncia, qualquer um de nós tem poderes para seu juízo discricionário. Primeiro: determinar monocraticamente o encaminhamento da denúncia por intermédio da presidência do Supremo Tribunal Federal à presidência da Câmara dos Deputados. O relator pode também, e aqui há divergência teórica, ele pode também propor a este plenário a rejeição liminar da denúncia oferecida contra o presidente da República se for inepta, faltar pressuposto processual ou condição para a ação penal ou no caso de não haver justa causa presente”.
O ministro Ricardo Lewandowski deu o sétimo voto pela remessa da denúncia contra o presidente Temer à Câmara e destacou que delatados não podem questionar acordos de delação citando entendimentos anteriores.
“A jurisprudência desta suprema corte está cristalizada no sentido de que terceiros não podem questionar a validade de acordos de colaboração nem mesmo por via transversa como ocorre na hipótese dos autos”.
O voto de Gilmar Mendes durou quase uma hora e foi o primeiro divergente. Ele defendeu a suspensão do envio à Câmara da denúncia contra Temer até que seja definida a validade das delações de executivos da J&F.
“Eu entendo que os dois pedidos devem ser acolhidos. Acolho a questão de ordem para determinar a devolução dos autos à procuradoria-geral para que limite a imputação aos atos em ofício e para suspender o envio da acusação à Câmara dos Deputados até a conclusão das investigações sobre a participação de membros do Ministério Público na gravação dos investigados, o que como pretendo ter demonstrado, está longe, está muito longe de ser implausível”.
Quando Gilmar Mendes começou a falar, ele já era voto vencido. O plenário do Supremo já tinha firmado maioria para remeter de imediato a denúncia contra Temer à Câmara dos Deputados, que vão deliberar sobre o prosseguimento ou não da acusação. Temer foi denunciado por organização criminosa e obstrução à justiça e, pela Constituição, é preciso que dois terços da Câmara autorizem o prosseguimento do caso. A sessão foi suspensa. Na quinta-feira (21) votam três ministros: Marco Aurélio Melo, Celso de Mello, e Cármen Lúcia.