Os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) vão decidir nesta quarta-feira (07) se apoiam o voto do relator Augusto Nardes, que vai recomendar ao Congresso Nacional a rejeição ou aprovação das contas públicas de 2014.
O grupo também vai analisar, antes da sessão, um pedido feito pelo governo para afastar Nardes da relatoria do caso, alegando que ele cometeu irregularidade ao antecipar, na semana passada, a informação de que vai recomendar a rejeição das contas.
Os ministros do TCU vão dedidir, entre outras questões, se o governo usou as chamadas "pedaladas fiscais" como manobra para aliviar momentaneamente as contas de 2014 – que mesmo assim fecharam o ano passado com o pior resultado da história.
O parecer do TCU é apenas técnico. Não tem efeito prático sobre as contas públicas, mas funciona como uma recomendação ao Congresso, sugerindo ou não a rejeição.
Esse parecer é então encaminhado ao Poder Legislativo que, aí sim, faz o julgamento político da atuação do governo. Em votação, os parlamentares decidem se o governo descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige o uso correto do dinheiro público.
Há três possíveis consequências para a rejeição das contas no Congresso: a primeira é política e pode implicar a responsabilização da presidente da República e de membros do Executivo.
A segunda é administrativa, podendo gerar restrições na transferência de recursos públicos. E a terceira é penal, com possíveis punições que podem resultar até na perda de direitos políticos de membros do Executivo, segundo analistas ouvidos pelo G1.
Na votação, o Plenário do TCU – formado em sessão extraordinária pelos nove ministros e por um representante do Ministério Público –, avalia o parecer prévio do relator, ministro Augusto Nardes.
A votação do Plenário pode ser suspensa se algum ministro pedir vista, alegando algum conflito de interesse ou necessidade de mais tempo para analisar o caso. O Plenário precisa decidir, em conjunto, se aceita ou rejeita a recomendação feita pelo relator sobre as contas do governo.
Como manda a Constituição, o tribunal é responsável por julgar as contas públicas todos os anos. Em um parecer, os ministros dizem se recomendam ou não ao Congresso a aprovação do balanço financeiro do ano anterior.
O TCU nunca votou pela rejeição das contas. Mas em 2014, os ministros questionaram pelo menos 13 pontos no balanço – entre eles, as chamadas "pedaladas fiscais" – e pediram explicações do governo.
Há dois processos em andamento no TCU. Um deles é para saber se houve irregularidades na gestão dos recursos públicos, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal. Outro corre paralelamente só para questionar a existência das "pedaladas fiscais". Os processos são independentes e serão analisados de forma separada.
Foi o nome dado a práticas do governo para supostamente cumprir suas metas fiscais. O Tesouro Nacional atrasou repasses para bancos públicos e privados, entre eles benefícios sociais e previdenciários como o Bolsa Família, o abono salarial e seguro-desemprego. Os beneficiários receberam tudo em dia, porque os bancos fizeram o pagamento com recursos próprios.
Na prática, é como se estes bancos tivessem emprestado dinheiro para bancar os gastos do governo, segundo o processo no TCU. Com isso, o governo registrou, por algum tempo, um alívio no seu orçamento. Mas a sua dívida com os bancos cresceu. De acordo com o TCU, cerca de R$ 40 bilhões estiveram envolvidos nessas manobras entre 2012 e 2014.
O TCU diz que as "pedaladas" serviram para aumentar o superávit primário (a economia feita para pagar parte dos juros da dívida pública) ou impedir um déficit primário maior – quando as despesas do governo são maiores que as receitas, sem contar os juros.
Em 2014, as contas públicas tiveram resultado ruim devido ao aumento de gastos do governo, o socorro ao setor energético e à queda real da arrecadação – resultado da economia mais fraca e das desonerações de tributos feitas nos últimos anos. Mesmo com as manobras, o governo não conseguiu cumprir as metas fiscais do ano passado.
O TCU avaliou, de forma preliminar, que os atrasos de recursos para os bancos apresentam “nítidas características de operação de crédito” entre a União e instituições financeiras oficiais.
É como se o governo tivesse tomado empréstimos de bancos como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para o TCU, trata-se de uma operação de crédito porque os bancos pagaram os benefícios aos destinatários, mas o governo não pagou tudo ou fez os repasses com atraso. Em abril, o relator do processo no TCU, ministro José Múcio, comparou a prática da equipe econômica ao uso irregular do cheque especial. Ele disse que “não há dúvida” de que houve descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas apontou que não há indícios de corrupção.
Em setembro, o relator recebeu as últimas explicações do governo sobre as contas de 2014. Para ele, as primeiras informações prestadas pelo governo não estavam "em condições de serem apreciadas” devido a “indícios de irregularidades” e de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Alegando “respeito ao princípio constitucional da ampla defesa”, Nardes propôs conceder os um prazo maior para que a presidente enviasse explicações adicionais sobre os problemas apontados.
O governo, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério do Planejamento e do Banco Central, reconheceu que os atrasos nos repasses aconteceram nos últimos anos, mas acrescentou que trata-se de uma “prática antiga”, registrada também no governo Fernando Henrique Cardoso, e defendeu que as “pedaladas fiscais” não são operações de crédito.
O governo argumenta que as operações (que seriam irregulares se fossem empréstimos de bancos públicos para a União) têm origem em contratos de prestação de serviços, como se houvesse atraso de um aluguel, por exemplo. Em maio, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, admitiu que as "pedaladas” atingiram "valores muito excessivos, o que não é prática usual e recomendada". Mas acrescentou que o procedimento não é ilegal, pois, em sua visão, não caracteriza empréstimo.
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que representa o Ministério Público junto ao TCU, sugeriu aos ministros que rejeitem as contas do governo. Oliveira listou uma série de irregularidades fiscais e orçamentárias (veja a lista abaixo) que, segundo ele, foram cometidas pelo governo. O procurador disse que as “pedaladas” e outras irregularidades foram usadas para beneficiar a presidente durante as eleições de 2014.
No caso das contas públicas, a presidente Dilma Rousseff precisou dar explicações. Sobre as “pedaladas fiscais”, o tribunal cobrou explicação de 17 gestores do governo federal, entre eles o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e do Trabalho, Manoel Dias, o ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, e o ex-presidente do Banco do Brasil e presidente da Petrobras, Aldemir Bendine. A Advocacia Geral da União (AGU) entregou as últimas explicações da defesa do governo em setembro.
As consequências são exclusivamente técnicas e não têm efeito prático sobre as contas públicas. O TCU não tem poder para julgar as contas do governo. Ele só elabora e vota um parecer técnico que sugere ou não a aprovação, que pode ter ressalvas. Esse parecer, então, é encaminhado ao Congresso que, aí sim, fará o julgamento político da atuação do governo.
Pelo entendimento do Congresso, se o governo tiver mesmo descumprido a Lei de Responsabilidade Fiscal – que o obriga a usar o dinheiro público com equilíbrio, pode haver três consequências, explica o advogado especializado em contas públicas, Maxwell Ladir Vieira.
A primeira é política e implica na responsabilização da presidente da República e de membros do Executivo. A segunda é administrativa, podendo gerar restrições na transferência de recursos públicos. E a terceira é penal, com punições que podem resultar até na perda de direitos políticos de membros do Executivo.
“Provavelmente o governo ficaria impedido de contratar algumas linhas de crédito de bancos de fomento como o BNDES e teria que se virar apenas com sua própria arrecadação para gerar receita", diz o especialista em contas públicas. No primeiro semestre, a arrecadação federal caiu 2,87%, mesmo com o aumento de tributos no período.
CONFIRA OS 13 PONTOS QUESTIONADOS PELO TCU
1 - Omissão de dívidas da União com o Banco do Brasil, BNDES e FGTS nas estatísticas da dívida pública de 2014;
2 - Adiantamentos concedidos pela Caixa Econômica Federal à União para despesas dos programas Bolsa Família, Seguro-Desemprego e Abono Salarial nos exercícios de 2013 e 2014. São as "pedaladas fiscais": a Caixa fez pagamentos de programas sociais e não recebeu, no prazo certo, o repasse do governo, o que configura um empréstimo. Tal operação é proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
3 - Adiantamentos concedidos pelo FGTS à União para despesas do Programa Minha Casa, Minha Vida nos exercícios de 2010 a 2014. Também são "pedaladas".
4 - Adiantamentos concedidos pelo BNDES à União para despesas do Programa de
Sustentação do Investimento (PSI) nos exercícios de 2010 a 2014. Este é outro exemplo de "pedalada fiscal". O BNDES, que é um banco público, fez pagamentos para o PSI, que é um programa para estimular a produção, aquisição e exportação de bens de capital e a inovação. E não recebeu repasses do governo no tempo certo.
5 - O governo não especificou, no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014, quais são as prioridades de gastos da administração pública federal, com as suas respectivas metas.
6 - A União faz o pagamento de dívida contratual junto ao FGTS sem a devida autorização orçamentária no exercício de 2014. Antes de serem feitos, todos os gastos do governo precisam ser aprovados no Congresso.
7 - Estatais gastaram mais do estava previsto no Orçamento de Investimento. Entre elas, estão empresas de energia, a Telebrás; a empresa Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE) e a Furnas – Centrais Elétricas S.A. Elas executaram recursos acima do limite autorizado para a fonte de financiamento, seja ela recursos próprios, recursos para aumento do patrimônio líquido e operações de crédito.
da União (Foto: Reprodução)
8 - Três estatais ultrapassaram o limite global de dotação, ou seja, gastaram demais considerando a soma de todas as fontes de financiamento. São elas: Araucária Nitrogenados S.A., Energética Camaçari Muricy I S.A. (ECM I) e Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE);
9 - A União deixou de cortar despesas, conforme previsto no Decreto 8.367/2014. A economia deveria ter sido de pelo menos R$ 28,54 bilhões.
10 - O governo liberou recursos (na execução orçamentária de 2014) para influir na votação do Projeto de Lei PLN 36/2014, que mudou a meta fiscal prevista para o ano passado. Com as contas no vermelho, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei para não descumprir uma meta de superávit primário (a economia feita para pagar parte dos juros da dívida pública) – ela passou de R$ 116 bilhões para R$ 10,1 bilhões.
11 - Foi feita uma inscrição irregular em restos a pagar (os valores já empenhados de anos anteriores e que não foram executados) de R$ 1,367 bilhão. O montante é referente a despesas do Programa Minha, Casa Minha Vida no exercício de 2014.
12 - Omissão de pagamentos da União para o Banco do Brasil, o BNDES e o FGTS nas estatísticas dos resultados fiscais de 2014, o que significa que as maquiagens contábeis citadas nos primeiros itens, as "pedaladas fiscais", foram feitas para melhorar os resultados do superávit primário naquele ano.
13 - Existência de distorções em parte significativa das informações sobre indicadores e metas previstos no Plano Plurianual 2012-2015.