16/04/2015 13h40 - Atualizado em 16/04/2015 15h25

Para AGU, não houve irregularidade em 'pedaladas' fiscais

TCU avalia que houve crime de responsabilidade em atraso de pagamentos.
Houve 'pagamento a descoberto' em 2001 e 2002, pelo PSDB, afirma AGU.

Alexandro MartelloDo G1, em Brasília

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, admitiu nesta quinta-feira (16) que houve saldo "a descoberto" do Tesouro Nacional com bancos públicos, mas afirmou que isso não constitui operação de crédito e que, portanto, não houve irregularidade nos procedimentos que ficaram conhecidos como "pedaladas" fiscais – os atrasos nos repasses do governo para bancos públicos.

Adams informou que espera "reversão" do entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU). Ele declarou ainda que, em sua visão, este tema deve ser apreciado da "maneira mais abrangente possível", ou seja, desde o início da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000, englobando, deste modo, também a administração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que terminou em 2002.

"Houve pagamentos a descoberto em 2001 e 2002. Existem ainda processos de contas das instituições financeiras de 2001 e 2002 que não foram pagos. Em todos os casos, defendemos que não houve empréstimo (...) Todos as situações têm de ser olhadas para que possa ter uma situação objetiva uniforme", declarou Adams ao G1.

Decisão do TCU
O Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou nesta quarta-feira (15) que o governo da presidente Dilma Rousseff incorreu em crime de responsabilidade fiscal pelas chamadas "pedaladas" fiscais, ao usar recursos de bancos públicos para melhorar o resultado das contas públicas, inflando o chamado "superávit primário" – a economia para pagar juros da dívida pública e tentar manter a trajetória de queda.

De acordo com relatório de auditores do TCU, entre 2013 e 2014 o governo Dilma Rousseff atrasou “sistematicamente” o repasse de recursos à Caixa, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), destinados ao financiamento de programas como o Bolsa Família, o Abono Salarial, o Seguro Desemprego, a equalização da Safra Agrícola e o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), o que configuraria empréstimo de bancos públicos ao Tesouro Nacional – prática irregular.

Na conclusão dos auditores da corte, os atrasos nos repasses, e a não contabilização das dívidas com os bancos públicos, contribuíram para “maquiar as contas públicas.” Pelos cálculos do TCU, cerca de R$ 40 bilhões foram manipulados no período analisado.

O TCU também aprovou a audiência dos envolvidos no caso. Os 17 gestores citados, entre eles presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e do Trabalho, Manoel Dias, o ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, e o ex-presidente do Banco do Brasil e presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, terão 30 dias, improrrogáveis, para justificar as práticas identificadas pela fiscalização do tribunal, consideradas ilegais.

AGU diz que não houve operação de crédito
Segundo o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, os atrasos nos pagamentos do Tesouro Nacional aos bancos públicos não podem ser considerados operações de crédito, conforme entendimento prévio do TCU.

"Não é operação de crédito, o banco paga [o benefício] e é remunerado pelo pagamento. O Tesouro cobre a diferença de fluxo de capital. Não é operação de crédito, é uma operação que o Tesouro tem de pagar a diferença que o banco cobra do tomador principal, no caso a área agrícola, por exemplo", declarou ele.

Ele informou que a arrecadação federal não correspondeu à expectativa nos últimos anos, e que continuou a haver demanda por despesas públicas, o que gerou um "maior estresse" no fluxo de caixa do governo. "O maior problema foi o seguro-desemprego. Tem rotatividade e não consegue estimar com precisão qual o número de beneficiários", disse Adams.

O advogado-geral da União argumentou que os atrasos nos pagamentos ocorreram porque eles não são feitos em um dia só. "Antecipa em um ou dois momentos do mês. Antecipa em um mês e depois paga no outro. Gera uma conta corrente no banco na medida em que vai pagando os benefícios [à população]", afirmou.

Adams acrescentou que o estoque de R$ 40 bilhões apontado pelo TCU já foi "integralizado", ou seja, pago para os bancos públicos. "No ano passado, já houve o repasse", disse o advogado-geral da União.

Segundo ele, no caso específico da Caixa Econômica Federal, responsável pelo pagamento de vários benefícios do governo, houve dois meses no qual o saldo "virou" no negativo, em dezembro de 2013 e julho de 2014. "Nos meses seguintes, regularizou. Em julho de 2014, o saldo negativo foi de R$ 300 milhões. Nada de bilhão aqui. Em todos os outros meses, o fluxo é positivo", afirmou Adams.

'Processo começa agora'
Na visão de Luís Inácio Adams, o "processo começa agora" com a audiência das autoridades citadas no caso e que, espera, no fim do processo, "reversão" do entendimento do TCU.

"Vamos embargar até amanhã [a decisão do TCU]. Vamos esperar o contraditório para tomar qualquer tipo de decisão. O Banco Central e a própria AGU vai entrar com embargo de declaração no TCU. Entendemos a necessidade de oitiva, mas achamos que é o caso de fazer determinação para que ouça primeiro, submeta-se as análises técnicas ao contraditório, para que as conclusões possam vir depois", declarou Adams.

Ele informou ainda que a AGU deverá "orientar" cada um dos citados pelo TCU em suas manifestações à corte. Segundo Adams, o descumprimento "alegado" da Lei de Responsabiildade Fiscal "não gera responsabilidade criminal". "Não existe isso. Esse processo todo tem de ser olhado com maior objetividade e amplitude possível", afirmou.

Cheque especial
Nesta quarta-feira, o relator do processo no TCU, ministro José Múcio, comparou a prática adotada pela equipe econômica do governo ao uso, irregular, de um cheque especial. Ele disse que “não há dúvida” de que houve descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas apontou que não há indícios de corrupção. “Não acredito que houve má-fé [do governo]. Na verdade, faltou dinheiro e precisou-se pagar a conta”, disse.

De acordo com Múcio, o objetivo da investigação do TCU é descobrir quem determinou a prática ilegal. “Mexeu-se no balanço fiscal brasileiro e agora vamos ouvir todos os atores para saber de onde partiu [a ordem]”, disse. Ele negou, porém, que a presidente Dilma Rousseff possa vir a ser citada para se manifestar no processo.

Ainda segundo o relator, ao final do processo o tribunal pode determinar que o governo reveja o valor do superávit primário de 2014, a economia feita naquele ano para pagamento da dívida pública. Como as contas do governo foram maquiadas, o superávit pode ter sido menor que informado.

Múcio esclareceu ainda que os citados, se vierem a ser investigados no processo, podem ser condenados a multa por má gestão. Além disso, o Ministério Público Federal, que já recebeu cópia do processo, pode pedir à Justiça a condenação dos envolvidos por crime de responsabilidade fiscal.

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