Saia Justa: Bela Gil e Rita Batista refletem sobre amor romântico e confluente
Você é desses que, quando começa a sair com uma pessoa, já começa a pensar no futuro casamento, nos filhos e no cenário de um comercial de margarina? Ou você prefere ir com calma enquanto observa se estão na mesma sintonia? Para o sociólogo britânico Anthony Giddens, esses dois grupos representam os conceitos de amor romântico e confluente, respectivamente.
O tema foi parar no “Saia Justa” desta semana e, na presença do psicanalista Christian Dunker, as apresentadoras defenderam seus pontos de vista sobre como o amor é uma construção social que varia conforme as vivências de cada um. Para esclarecer o assunto, o gshow conversou com a psicanalista Nadja Moraes, que também analisa como estas dinâmicas refletem nas experiências amorosas atualmente.
As dinâmicas do amor
Segundo ela, a ideia de amor romântico “começou a ganhar força na Europa medieval, com os [artistas] trovadores, as poesias, aquela coisa do amor cortês, cheio de suspiros e muito drama”. Por isso mesmo ele é visto como algo idealizado: apenas a possibilidade da existência deste romance já traz devaneios que rementem ao clássico roteiro das fábulas e filmes de comédia romântica.
“Para que o amor ou qualquer coisa genuína exista, ela deve ser despretensiosa, deve ter espaço para ser como é, e cada encontro é único. Não dá para já existir um roteiro com príncipe, princesa, o castelo, o sofrimento e, então, o final feliz. Isso não corresponde às nuances que existem em uma relação e a busca por esse roteiro tornam as relações nada saudáveis. Isso vira um ideal que a gente nunca alcança, uma utopia que, na verdade, só nos traz sofrimento.”
Com o capitalismo, esse amor visceral deixou de ser o objetivo final de muitos e entraram outros interesses. Então, basicamente, o que Giddens fez foi dar um nome a este sentimento mais leve, negociável, igualitário e real.
“Giddens pensou: ‘Vamos trocar esse disco arranhado do amor romântico? Porque precisamos, sim, viver o amor, ter trocas lindas e maravilhosas, mas não tem uma relação que vai dar garantia’. Ele tentou tirar um pouco o drama e o desespero”, explicou Nadja.
Engana-se, no entanto, quem acredita que o confluente é aquela pessoa fria e desapegada em qualquer tipo de relação. Acontece que para ele o que importa não é o “felizes para sempre”, mas o “vamos ser felizes agora”.
Também é errado associar romântico e confluente como o vilão e o mocinho da narrativa. Na verdade, o segundo é uma transição do primeiro em um processo que se desenvolve à medida que nos conectamos com outras pessoas e que amadurecemos essas relações.
No “Saia Justa”, a discussão ficou dividida entre Rita Batista e Bela Gil: a primeira se identificou como uma “mezzo romântica”, ou uma romântica intermediária. Ela defendeu que todos nós precisamos de um pouco de amor romântico e que a “fantasia” e os “devaneios” fazem parte da entrega em um relacionamento. Para ela, não importa quanto tempo durou a magia do encontro, o que importa é que foi recíproco.
Nadja concorda que a “fantasia é como um tempero na comida”, mas “o problema é quando você enche a panela de sal e fica com hipertensão emocional”.
"Se aquilo me movimenta para algo que possa se tornar real, é legal, mas eu preciso de uma construção que só existe não na ausência da fantasia, mas na escuta do aqui e agora. A verdade é, seja qual for o tipo de amor do qual a gente fala, o amor ideal não existe”.
Já Bela abordou o amor romântico como uma construção ocidental e muito focada no “felizes para sempre”: “Consegui desconstruir e realocar o amor romântico para um lugar que não fosse o grande objetivo da minha vida, da minha existência e que nós, mulheres, também podemos ser felizes com outros relacionamentos”.
A psicanalista também entende a leitura feita pela apresentadora e afirma que nossas referências familiares e culturais sempre terão alguma ligação com a maneira como nos relacionamos com qualquer situação, mas que ele será um meio e não um objetivo final:
“O amor romântico não é só um reflexo, talvez, de uma imaturidade emocional por estar preso a idealizações, mas ele também é sedutor porque é algo idealizado, não só pelo indivíduo, mas pela cultura e pela sociedade”.
Ainda assim, ela acredita que o amor romântico não deve ser “demonizado” e que as duas dinâmicas podem andar juntas, uma calibrando a outra:
A teoria dos 3 amores
Para Nadja, o tema acima está diretamente relacionado à teoria criada pela antropóloga norte-americana Helen Fisher, que morreu em agosto, aos 79 anos. Especialista em análises de comportamento humano e na ciência por trás das relações românticas, ela defendia que as pessoas se apaixonam, verdadeiramente, três vezes ao longo da vida e que cada uma delas nos ensinam para aprendermos o que, de fato, é amar e ser amado. Nadja descreve estes três momentos como:
- Primeiro amor: “É super idealizado, ingênuo, cheio de expectativa. É só lembrarmos do nosso primeiro namoro, as ideias que a gente tinha, o quão difícil que era lidar com as próprias emoções e o ciúme. Seria, talvez, a essência do amor romântico, que vai construir castelo de areia e achar que sempre vai estar lá, mas ele é frágil e está muito associado à fantasia e ao devaneio”.
- Segundo amor: “É mais intenso, dramático, mais transformador, visceral. É quando a paixão realmente arrebata e desafia o nosso equilíbrio, mas pode, na minha opinião, ser tanto romântico quanto confluente, dependendo de como você navega por ele. Nesse tipo de amor, começamos a perceber que a idealização não basta, que sempre vamos tropeçar no excesso e, às vezes, nem consegue se levantar”.
- Terceiro amor: “O amor incondicional seria o mais próximo que nós poderíamos associar ao amor confluente, porque já temos mais repertório de vida. Então ele se torna mais consciente e colaborativo, porque não vai depender das expectativas do outro, mas da aceitação dessas diferenças e da complexidade do outro. É quando paramos de considerar o ‘eu contra o outro’ para falar sobre o ‘nós’, para virar um time”.
Afinal, as pessoas estão sabendo se relacionar?
Quando Liniker compôs “Caju”, ela não escreveu: “quero saber se você me ama”. Ao invés disso, ela cantou: “quero saber se você vai correr atrás de mim no aeroporto”. Não sabemos em qual das dinâmicas a cantora se vê, mas fica claro que a ideia de amor romântico também está ligada aos esforços de cada indivíduo em uma relação.
Dito isso, fica o questionamento: os aplicativos de relacionamento estão ajudando a trazer mais a solidez do confluente ou o caos do romântico? Dados da plataforma Sensor Tower mostraram uma queda de 154 milhões para 137 milhões no número de usuários dessas redes entre 2021 e 2023.
Além do desgaste quantitativo desta pesquisa, Nadja analisa que a proposta do “cardápio humano” enfrenta um declínio devido aos padrões já esperados dentro das plataformas, mas também responsabiliza os usuários por não terem paciência em construir algo que possa ser verdadeiro e bom:
“Os aplicativos deram um match perfeito com a pressa da nossa geração, a sensação de uma recompensa gigante. Mas eles também trouxeram padrões curiosos, que é muito match e pouca profundidade. As conversas podem até começar com um meme, mas elas terminam no vazio do ghosting, e normalizamos isso".
"Vejo que as pessoas estão desaprendendo a conviver, a sustentar o desconforto do silêncio de uma conversa, o constrangimento que às vezes surge em conhecer alguém de verdade, mas que também é gostoso. E a qualquer sinal de imperfeição, pensa ‘cansei, deixa para o próximo’. Então o problema não é usar o aplicativo, mas achar que se relacionar é sobre ter muitas opções. E, na verdade, é sobre aprender a construir a intimidade”.