Imagine a seguinte situação: você é adolescente, está assistindo a um filme com seus pais, quando surge uma cena mais picante. Existe o grupo de pessoas que não se importaria com o climão, e outro que inventaria qualquer desculpa para sair da sala. Em que momento da vida isso deixa de ser embaraçoso?
Claudia Raia sempre fez questão de que o assunto nunca fosse tratado como tabu em sua casa, pelo contrário. Em entrevista ao programa “Surubaum”, a atriz contou que incentivava os filhos Enzo Celulari e Sophia Raia a conhecerem o próprio corpo, falava abertamente sobre masturbação e chegou a presentear a filha com um vibrador.
“Relação pai, mãe e filho é construída pedrinha por pedrinha e a coisa sexual tem que ser normalizada”, defendeu ela.
Mas, afinal, existe um momento certo para tratar de sexo com os filhos?
“Momento certo” é um termo muito subjetivo nesse caso. As crianças se desenvolvem de maneiras diferentes por inúmeros fatores internos e externos. Portanto, não há um manual de instrução, mas há formas de deixar a abordagem mais leve e acolhedora, como explica a psiquiatra Nina Ferreira.
“Na infância e pré-adolescência, é muito importante que os pais respondam às perguntas conforme elas chegam, mas não antecipar o assunto. Em algum momento, eles podem querer saber como nascem os bebês, o que é namorar ou até trazer algo que elas viram na escola ou internet. Dê uma resposta direta e objetiva e observe se a criança ainda tem dúvida, caso contrário, aquela informação foi suficiente. Tem que sentir o ritmo da demanda de cada criança”.
Porém, é na fase da adolescência que os dados começam a ficar alarmantes: segundo um levantamento de 2019 da PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar), “35,4% dos estudantes de 13 a 17 anos já tiveram relação sexual alguma vez na vida”.
Mas eles estão preparados para isso? E onde buscam respostas para suas dúvidas? De acordo com a pesquisa da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, 86% dos adolescentes afirmam conversar com os pais ou familiares sobre sexo – sendo as mães as mais procuradas.
No Brasil, no entanto, o cenário é diferente. Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Piauí com um grupo de pais e mães identificou que “a maioria revelou nunca conversar sobre o tema, por não estar preparada e/ou não sentir necessidade, ou, ainda, que a falta de um parceiro sexual naquele momento significava que não era necessária essa abordagem”.
“Muitas vezes, eles não vão falar espontaneamente sobre isso por medo de julgamento. Então, na adolescência, é importante que os pais abram esse espaço de maneira gentil. Explicar que 'olha, sei que é um assunto difícil, mas quero deixar claro que estou aqui para conversar e te ajudar’”, sugere a psiquiatra Nina Ferreira.
Somado à vergonha e receio em abordar o assunto em casa, a internet se torna o “conselheiro” dos jovens. O problema é que informações sobre sexualidade estão a um clique de distância dos conteúdos pornográficos.
‘Flagrei meu filho se masturbando, e agora?’
Em primeiro lugar, é importante nunca reprimir o adolescente ou fazer qualquer tipo de piada. A psiquiatra destaca a importância de os pais se colocarem disponíveis para ter um diálogo saudável, deixar claro que isso é algo natural e que sua privacidade será respeitada.
“Peça desculpas e dê um tempo para ele ou ela porque as emoções do jovem vão estar muito intensas nesse momento. Aborde o ocorrido no dia seguinte e tente combinar algum sistema para que os pais não ultrapassem o espaço do filho e que eles tenham uma rotina dentro de casa”.
A educadora sexual Isabela Cerqueira dá coro às palavras de Ferreira e acrescenta que é essencial não demonstrar desagrado ou outra reação negativa.
“Aborde a situação com calma e empatia. Explique que a masturbação é uma parte normal do desenvolvimento sexual de todos e que é importante fazê-la em privado. Encoraje um diálogo honesto para que a criança se sinta segura para expressar suas dúvidas e sentimentos sem medo de julgamento”.
Então qual é a melhor forma de abordar o tema em casa?
Para Nina Ferreira, postergar demais o assunto e esperar que os filhos apareçam com um parceiro ou demonstrem interesse por sexo pode ser ainda mais “desafiador” para ambas as partes. Aqui, ela lista algumas dicas de como quebrar o gelo:
- Faça a abordagem aos poucos e perceba como os filhos reagem;
- Ofereça levá-lo a um profissional, como psicólogo, psiquiatra ou ginecologista;
- Não force a conversa: pergunte ao jovem até que ponto ele se sente confortável em falar com você sobre sexo;
- A hierarquia de pai e mãe com os filhos devem ser respeitadas, mas a situação também pede que os adultos sejam grandes parceiros;
- Lembre-se de que educação sexual inclui o início da puberdade, as mudanças no corpo, as relações entre os jovens. Em meio ao turbilhão de acontecimentos, não ter abertura ou ser reprimido ao tratar destas questões pode trazer consequências graves no comportamento e desenvolvimento do adolescente;
- A especialista ainda desmistifica a ideia de que falar sobre sexo com os filhos os incentiva à prática:
“Isso não vai incitar a uma vida sexual precoce, é apenas dar suporte para que essa menina ou menino inicie a vida sexual de forma segura. Os pais precisam entender que é necessário e protetor que eles, como as pessoas que mais amam aquelas crianças no mundo, falem de um assunto que vai ser real na vida deles”.
O que dizem os pais
Nem todos os pais e filhos gostam de desenrolar o tal assunto em família, como foi na casa de Claudia Raia. Alguns estão mais para Otis Milburn e sua mãe, a sexóloga Jean Milburn, da série “Sex Education”. Enquanto ela tentava a todo custo puxar o adolescente para a “constrangedora” conversa, mais envergonhado e distante ele ficava. Mas Isabela Cerqueira acredita que exista uma forma saudável de incentivar o diálogo e cita os benefícios:
“Estudos mostram que crianças que têm acesso a uma educação sexual adequada tendem a ter atitudes mais positivas em relação à sexualidade, menos comportamentos de risco e maior autoestima. A abertura para conversas sobre sexualidade pode também fortalecer o vínculo entre pais e filhos, permitindo que os jovens se sintam mais seguros e apoiados”.
A gestora de educação Angelina Colombo, de 49 anos, acredita nesse equilíbrio na hora do diálogo. Ela tem duas filhas, de 17 e 22 anos, e afirma que sexualidade sempre foi um assunto tratado com "respeito e direcionamento" para não ser invasivo, mas também não deixa de explicar sobre prevenções e questões de saúde.
Mari Ribeiro, de 49 anos, também não impôs barreiras na relação com os filhos, de 23 e 19 anos, mesmo quando o assunto era sexo. A primeira troca de conversas nesse sentido, na verdade, foi quando eles começaram a frequentar a escola:
A palestrante e gestora de projetos conta que os filhos sempre foram mais reservados quanto a temas como masturbação ou relações sexuais, mas sempre está disponível para dialogar e defende a importância de abordar o assunto em casa, de maneira segura e responsável:
Por outro lado, a primeira conversa sobre sexo que Natália*, de 46 anos, teve com o filho não foi "tão aberta e tranquila como vejo em algumas relações atuais". Ela explica que era muito jovem e não se sentia preparada para falar sobre o tema com o jovem, hoje com 24 anos: “Confesso que fui em busca de ajuda através de livros, matérias e até mesmo de pediatras para me auxiliar na missão”.
A administradora de empresas conta que o filho sempre foi muito questionador e, já com 9 ou 10 anos, fazia perguntas sobre o corpo humano e gravidez.
*Alguns nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.