Por Memória Globo

Acervo/Globo

O ‘Jornal Nacional’ estreou em 1º de setembro de 1969, ao vivo, do estúdio da Globo na rua Von Martius, no Rio de Janeiro, com as matérias captadas e exibidas em película (filme). Era o primeiro telejornal do país a ser transmitido em rede nacional.

Editor-chefe e apresentador: William Bonner | Editora-chefe adjunta: Cristiana Sousa Cruz | Editora-executiva e apresentadora: Renata Vasconcellos | Período de exibição: 01/09/1969 – NO AR | Horário: 20h30 às 21h15 | Periodicidade: de segunda a sábado

Os apresentadores Cid Moreira e Hilton Gomes na bancada do 'Jornal Nacional', 1971 — Foto: Ronald Fonseca/Agência O Globo

Primeiro jornal realmente nacional da TV brasileira.
— Cid Moreira ao fechar a edição de estreia do ‘JN’, em 1° de setembro de 1969

“O Jornal Nacional da Rede Globo, um serviço de notícias integrando o Brasil novo, inaugura-se neste momento: imagem e som de todo o Brasil.” Foi assim que o apresentador Hilton Gomes abriu, às 19h45, a primeira edição do 'Jornal Nacional', no dia 1º de setembro de 1969. Em seguida, a voz de Cid Moreira anunciou: “Dentro de instantes, para vocês, a grande escalada nacional de notícias”.

Script da primeira edição do 'Jornal Nacional' com a observação: "... E o Boeing decolou!", 01/09/1969 — Foto: Acervo Pessoal Alice-Maria

O 'Jornal Nacional' estreou para competir com o 'Repórter Esso', da TV Tupi. O telejornal era parte estratégica de um ambicioso projeto de Walter Clark, então diretor-geral da Globo, e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, diretor-geral da Central Globo de Produções à época, que pretendiam transformar a Globo na primeira televisão em rede do Brasil. Os pioneiros que apoiaram a implantação do 'JN’ foram o coronel Wilson Brito, então diretor de Tecnologia da Globo, e os engenheiros Herbert Fiuza e Adilson Pontes Malta.

Boni destaca, em entrevista ao Memória Globo, a importância da rede para a democratização da informação, o que justifica a escolha de um telejornal para ser “o primeiro programa a entrar em rede de verdade, simultaneamente”. E complementa: “A gente achava que a notícia era o fator mais importante de unificação de um país. Mais que o entretenimento, mais do que o comercial, mais do que a novela, mais do que qualquer coisa. Era a informação ao vivo e na hora. (...) A informação é a principal atividade da televisão. O entretenimento é importante, mas o jornalismo, a informação, é mais importante”.

Meses antes da estreia do ‘JN’, a Embratel havia inaugurado o Tronco Sul, que possibilitava a integração de Rio, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba. A formação dessa espécie de rede era possível com a ajuda de um sistema de micro-ondas. O equipamento ligava, por sinais, o estúdio à torre de transmissão da emissora. A partir dessa tecnologia, a Globo pretendia gerar uma programação uniforme para vários estados e diminuir os custos de produção.

“Eu diria que o início do ‘Jornal Nacional’, jornal realmente nacional, é logo depois da possibilidade técnica de você interligar o país com a rede de micro-ondas da Embratel”, explica, em entrevista do Memória Globo, o engenheiro Herbert Fiuza, um dos profissionais pioneiros da Globo e que ajudou a implantar as transmissões via satélite.

Armando Nogueira e Cid Moreira na bancada do 'Jornal Nacional', 1979 — Foto: Adir Mera/Agência O Globo

Primeiras notícias

Na edição de estreia, uma reviravolta na política era o principal assunto. O país seria entregue a uma junta militar por causa de um problema de saúde do presidente Costa e Silva. O anúncio foi feito pelo ministro Delfim Neto.

Outros fatos se destacaram na primeira edição do ‘JN’, como as obras de alargamento da Praia de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro; o início das comemorações do 7 de setembro; e o gol de Pelé, que garantiu a classificação do Brasil para a Copa de 1970, no México. “Pelé põe o visto de saída no passaporte do Brasil para o México. Dos 23 gols que a Seleção marcou nas eliminatórias para a Copa do Mundo, este de Pelé no jogo de ontem foi o mais importante: decidiu o jogo com o Paraguai por um a zero e confirmou a ida do Brasil ao México, em 1970”, noticiaram Cid Moreira e Hilton Gomes.

Notícias internacionais também ganharam espaço na primeira edição. Pilotos das linhas áreas internacionais ameaçavam deflagrar uma greve geral de 24 horas caso a ONU não adotasse providências em relação ao sequestro de um avião norte-americano a caminho de Israel, mas obrigado a descer em Damasco. Além disso, o ‘JN’ noticiou o golpe militar na Líbia e as mortes do comentarista internacional Drew Pearson e do campeão mundial dos pesos pesados Rocky Marciano, dentre outros fatos internacionais. A previsão do tempo foi lida por Hilton Gomes, tendo duração de 16 segundos.

“E o Boeing decolou...”

Um nervosismo geral. (...) No dia seguinte, eu vi [a estreia do ‘JN’] na capa de O Globo. Eu não sabia a dimensão.
— Cid Moreira | apresentador

O 'Jornal Nacional' foi idealizado por Armando Nogueira, então diretor de Jornalismo da Globo, que contou ao Memória Globo o que sentiu ao lançar o telejornal: “Como eu sempre tive uma obsessão por aviação, eu disse: ‘A sensação que eu tenho é de que estou decolando com um Boeing’. Naquela época, o [avião] Boeing era o máximo”.

Na capa de O Globo do dia 02 de setembro, informou-se que 54 milhões de pessoas assistiram a “um feito histórico da TV brasileira: o ‘Jornal Nacional’ da Rede Globo de Televisão, usando o sistema de lineagem, transmitiu imagens diretas do Rio, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, num diálogo que foi acompanhado, ainda, pelo público de Brasília, Belo Horizonte e de todas as cidades incluídas na área. O jornal constitui uma inovação que revoluciona as transmissões do gênero do país, devendo tornar-se mais completo, ainda, quando a Embratel inaugurar o circuito de Brasília, o que permitirá a inclusão da Capital Federal e de Belo Horizonte nas transmissões ao vivo da Rede Globo”.

E Armando Nogueira complementa, ainda em entrevista ao Memória Globo: “A Rede Globo começou a pensar que, usando aquela infraestrutura da Embratel, poderia fazer chegar a sua imagem, simultaneamente e instantaneamente, a vários pontos do Brasil. Estava criado, por conseguinte, o conceito de rede. E não havia laboratório melhor para você fazer uma experiência de rede do que um telejornal em rede. (...) Era a comutação de praças: você tinha o Rio de Janeiro chamando São Paulo; entrava São Paulo, você cortava e chamava Porto Alegre. Mais tarde se incorporariam as outras afiliadas, que ligadas também pelo mesmo sistema de micro-ondas acabariam criando núcleos regionais para mandar a informação para o ‘Jornal Nacional’. (...) Então essa experiência feita com o ‘Jornal Nacional’ consolidou na empresa a consciência de que era possível fazer uma rede não só para telejornalismo, mas também para entretenimento”.

No fechamento da primeira edição do ‘JN’, Cid Moreira resumiu a importância daquela estreia para a história da comunicação do país: “(...) serviço de notícias do primeiro jornal realmente nacional da tevê brasileira. É o Brasil ao vivo aí, na sua casa”, disse Cid. Pouco tempo após a estreia, o ‘JN’ conquistou a preferência do público.

Matéria de O Globo sobre a estreia do 'Jornal Nacional' — Foto: O Globo, 02/09/1969

A Criação do Boa Noite

No início, o ‘Jornal Nacional’ tinha 15 minutos de duração, sendo transmitido de segunda a sábado. As edições eram divididas em três partes: local, nacional e internacional.

Era comum nessa época que os programas jornalísticos fossem patrocinados por empresas privadas. O ‘Tele Globo’, por exemplo, o primeiro telejornal da emissora, era patrocinado pelas empresas Ultragaz e Ultralar, sendo produzido pela agência de publicidade McCann Erickson. O ‘Repórter Esso’, da TV Tupi, também era realizado pela McCann Erickson, responsável pela publicidade dos postos Esso. Na época, era comum as agências interferirem na elaboração e até na orientação dos programas jornalísticos. Com o ‘Jornal Nacional’ foi diferente.

O nome do 'JN' surgiu porque seria um telejornal para alcançar todo o país, escolha justificada pela implantação da rede. Durante anos, no entanto, acreditou-se que o nome foi definido em função do patrocínio do Banco Nacional. Mas o depoimento de Boni ao Memória Globo explica: “[O ‘Jornal Nacional’] nasce patrocinado pelo Banco Nacional de Minas Gerais. Mas o ‘Jornal Nacional’ já se chamava 'Jornal Nacional', eles é que identificaram uma oportunidade de se associar. Houve até uma discussão ética. O Armando [Nogueira] não gostava muito dessa ideia, mas o Walter [Clark] achava que não tinha importância, que seria 'O Jornal Nacional, oferecido pelo Banco Nacional'. Não era o 'Jornal do Banco Nacional'. Então, havia uma sutileza. E, depois, nós conseguimos, com o tempo e com o sucesso do ‘Jornal Nacional’, nos desvincular do banco totalmente. (...) E depois houve vários anunciantes. O jornal era tão forte, o conteúdo era tão forte e tão inovador, porque era o primeiro jornal de rede, que o banco não conseguiu se apropriar do jornal”.

Integravam a primeira equipe do ‘Jornal Nacional’ Humberto Vieira (editor-chefe e editor internacional), Alice-Maria Tavares Reiniger e Sílvio Júlio Nassar (editores nacionais), Amaury Monteiro e Aníbal Ribeiro (chefes de reportagem), Alfredo Marsillac (diretor de imagens), Chucho Narvaez, José Andrade, Sebastião Azambuja, Evilásio Carneiro, Orlando Moreira, Gabriel Kondorf e Humberto Borges (repórteres cinematográficos), Auderi Alencar, Paulo Zaca e Milton Ferreira (montadores), Jotair Assad e Guaraci José Vieira (coordenadores).

Inicialmente, o ‘Jornal Nacional’ teria apresentadores nas sucursais, mas, seguindo o modelo americano, foi adotado o formato de apresentadores em um único local, como explica Boni: “O ‘Jornal Nacional’ foi concebido, inicialmente, pelo comercial de uma maneira muito primária, porque eles imaginavam que o ‘Jornal Nacional’ era: cada locutor da sua cidade dando a notícia. Mas nós já tínhamos a experiência americana. Eu, Armando Nogueira e Alice-Maria formatamos o ‘Jornal Nacional’ copiando as emissoras ABC, NBC, CBS e recebendo matérias dos estados, avaliando essas matérias, editando e colocando no ar com apresentadores centralizados e repórteres nas cidades. Essa formatação é um trabalho que eu fiz junto com o Armando; Alice tornou esse trabalho operacional”.

Logo na estreia, uma inovação despertou o interesse do telespectador. Enquanto o 'Repórter Esso' deixava a notícia mais impactante para o fim, o ‘JN’ abria com informações “quentes”, o factual. Os editores criaram também o “boa noite”, uma espécie de despedida dos apresentadores com textos e reportagens leves, poéticas ou pitorescas. Na voz de Cid Moreira, a suavidade do “boa noite” do ‘JN’ transmitia esperança e foi um estilo de mensagem ouvida pelos brasileiros quase oito mil vezes durante 26 anos.

A produção nacional

Como o ‘Jornal Nacional’ foi o primeiro telejornal a ser exibido em rede para todo o país, a equipe de jornalismo da TV Globo teve que desenvolver o conceito de noticiário nacional, ainda inexistente na televisão brasileira. Uma série de critérios foi então formulada para servir de guia na seleção e na hierarquização das notícias.

As matérias deveriam ser de interesse geral e não regionais ou particularistas. Os assuntos tinham que chamar a atenção tanto do telespectador de Manaus quanto de Porto Alegre. Era necessário não superdimensionar uma região em detrimento de outra, pensar sempre em como determinada nota poderia repercutir em estados diferentes. Em um país continental, com tantas diferenças regionais, era uma tarefa difícil, e a equipe teve que ir aprendendo aos poucos. Como havia editores oriundos de várias regiões, a troca de ideias era sempre enriquecedora para todos.

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