Sentado em um banco de reservas em um campo utilizado para treinamentos em Maricá, um senhor de 73 anos de idade é celebrado repetidamente por quem passa ao seu lado. Conta histórias de sua vida no futebol e até brinca com o fato de não conseguir largar esse vício. Com o uniforme do clube, que inicia neste sábado a final da Série A2 do Rio de Janeiro, Búfalo Gil é coordenador técnico do time desde o ano passado e observa orgulhoso o resultado do trabalho.
Gil já havia adotado Maricá na época da pandemia. Ele e sua esposa Rose, que também é chef, são donos de um restaurante na cidade, que, inclusive, tem uma área decorada com camisas do ex-jogador de Fluminense, Botafogo e Seleção.
- Quando ele perguntou se eu não queria trabalhar nesse projeto do Maricá, respondi: “De técnico, nem pensar” – brincou Gil.
Depois de nove anos longe do futebol, Gil aceitou o convite para voltar a trabalhar justamente em uma conversa em seu restaurante com Douglas Oliveira, gestor do Maricá. Feliz em poder colaborar com o clube e a cidade, o ex-jogador confia no técnico Reinaldo, que defendeu Flamengo, São Paulo e Botafogo, como líder na busca pelo acesso.
- Ele é muito bom treinador. Atualizado em tudo – afirmou Gil.
- Se montou um time muito forte e focado no campeonato. Ano passado, a gente começou bem, mas teve um queda grande e não funcionou. E esse ano funcionou. Nós estamos chegando em uma final com grande possibilidade de subir, que é o nosso objetivo desde novembro do ano passado.
Gil se sente renovado. Ele virou porto seguro para os jovens do grupo em busca de histórias e conselhos. Destaque da Máquina do Fluminense de 1975 e 1976, o ex-jogador também teve grande experiência como treinador e procura ajudar da melhor forma possível em seu atual cargo.
- A maioria, por ter pouca idade, não sabe quem foi o Gil. É normal, porque a geração deles é outra. Tem um que trabalha aqui que fala sempre “são poucos que fizeram gol em Wembley, o Gil fez” aí todo mundo olha meio assim. Agora todo dia tem um que encosta, alguma coisa especial com os atacantes. E eu tenho orientado alguns, porque a minha função de coordenador técnico, mas não vou interferir nunca no trabalho do Reinaldo. Se perguntar, a gente responde. Então, a relação com essa garotada é muito boa. Há um respeito. Da minha parte e dele por mim muito grande. Depois de muitos anos, voltei até a concentrar com eles, para conversar e explicar como funciona. Porque eu não tive essa oportunidade quando eu jogava – disse Gil.
Elogiado por Gil, Reinaldo, de 45 anos, ainda está no começo de sua carreira como treinador. Depois de iniciar no Inter de Lages, onde também foi jogador, ele teve outras experiências até chegar ao Maricá no ano passado.
- Eu sempre tive esse sonho de ser treinador de futebol. Porque na minha carreira eu trabalhei com excelentes treinadores, como Vanderlei Luxemburgo, Oswaldo de Oliveira, Carlinhos, Carpegiani, Zico então assim, todos me ensinaram muito. Agora, estou vivendo um bom momento junto com Maricá e só tenho a agradecer. Claro que o trabalho, no caso a ideia de jogo, tem que saber passar bem o conhecimento, deixar bem claro as ideias para os atletas, mas quem executa são eles. É uma final muito importante para o clube e para a gente também – contou Reinaldo, que já tinha uma relação com o Maricá, pois seu irmão José Felipe atou pelo clube em 2019.
Mais um treinador preto na luta por espaço no futebol, Reinaldo entende a responsabilidade de quem segue esse caminho. Ele já tem a licença A da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e espera em breve completar o processo para conseguir a licença Pro.
- É um assunto muito importante. A gente se vê na final da Série A2, são dois negros (Reinaldo, do Maricá, e Edson Souza, do Olaria). Hoje, a gente tem poucos. Na Série A do Brasileiro, acho que o Roger Machado, o Jair Ventura. Independentemente da cor e da religião, você tem que ser um cara honesto, correto, respeitando sempre o próximo, mas eu sei da minha responsabilidade, então estou procurando cada vez mais estudar. Não adianta só ter jogado, a forma empírica, tem que se qualificar, buscar informações com outros treinadores. Então, graças a Deus, estou tendo resultado e, assim, vai conseguir abrir mais portas para pessoas negras. Ano passado, o campeão foi um negro, o Silvestre, com Sampaio Corrêa. Então, tem que valorizar, não só no futebol, como em outros esportes – disse Reinaldo, que se divide entre mora em Maricá, mas se desloca frequentemente para o Recreio dos Bandeirantes, onde mora a sua família.
- Desde que eu comecei aqui, é esse vai e vem. São 24 horas vivendo o clube, minha família sabe, me apoia. Vida de treinador é totalmente diferente da vida de atleta. Tem que estar respirando o clube, preocupando com tudo, até com o corte da grama. Saber se o atleta dormiu bem ou não, como está a família do atleta. Então, eu acho que esse é o papel do treinador, do comandante.
O elenco principal do Maricá é formado em sua maioria por jogadores contratados para esta temporada. Boa parte mora em um hotel utilizado pelo clube. A prefeitura apoia financeiramente e também com o uso do Estádio João Saldanha e de outras instalações para treinamentos.
O nascimento do clube, inclusive, coincide com o da escola de samba da cidade, que chegou até mesmo a desfilar na Marquês de Sapucaí. Com relação ao futebol, o objetivo é chegar à elite do Rio de Janeiro. O time já teve a chance de disputar a Copa do Brasil (por ter sido vice-campeão da Copa Rio de 2021) quando foi eliminado pelo Guarani em 2022. Agora, tem a chance de subir para a primeira divisão do estado no confronto com o Olaria. O primeiro jogo é neste sábado, às 10h45 (de Brasília), na Rua Bariri. A decisão será dia 24, no Estádio João Saldanha, em Maricá.
Um dos veteranos do time é o zagueiro Sandro, de 36 anos. Capitão do time, o jogador foi revelado nas categorias de base do Fluminense, teve a chance de jogar fora do Brasil e estava no Marcílio Dias, de Santa Catarina, antes de chegar ao Maricá. Já de olho no futuro, ele vem fazendo os cursos de treinador da CBF e vê em Gil e Reinaldo exemplos a serem seguidos.
- Tem que bater continência. A presença dos caras aqui para a gente é um privilégio, extrai tudo dos caras, trocar essas informações com ele. É ser humilde para reconhecer e que vai ter a hora da cobrança – comentou Sandro, que lembra o início de carreira no Fluminense ao lado de jogadores como Thiago Silva.
- Em 2009, cheguei ao profissional do Fluminense, onde fiquei três anos. Tinha o Thiago Silva, Roger Machado, Luís Alberto. São mais de 20 anos jogando bola, desde a base. Era um sonho de criança. A gente tem toda a responsabilidade. As finais, a torcida. Hoje, futebol é o mercado e está gigantesco, mas é um prazer de criança. Esse ambiente do futebol é prazeroso demais. A gente sente muita falta quando está de férias. A gente fica aqui, cansa, esgota a mente, mas sente uma falta danada.
Sempre com um sorriso aberto, Sandro se diz satisfeito com o que fez no futebol. Ajudou sua mãe a ter uma casa em São João de Meriti, onde mora a maior parte de sua família, e encontrou no Maricá um ambiente propício para a reta final de sua carreira, mas com a gana ainda de ser campeão e colocar o clube na primeira divisão do Rio de Janeiro.
- O objetivo maior é ser campeão. E ultrapassamos diversas situações. Não tem favoritismo na final. São as duas melhores equipes do campeonato. Cada uma tem suas peculiaridades, suas qualidades, seus defeitos, mas é o outro campeonato. A questão da superação vai lá em cima. A gente tem a oportunidade de botar o Maricá em uma primeira divisão de campeonato. Tem meninos que nem jogou contra um Flamengo, um Vasco da Gama, não teve essa oportunidade. É uma chance de a gente ajudar a vislumbrar isso também.
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