Sônia Bridi mora em uma casa com energia solar, tem “pavor de plástico” e é apaixonada pela natureza. Para ela, que faz parte da segunda geração da família que não se dedicou à agricultura, ter consciência ambiental não é só salvar um bicho, mas se preocupar com qualidade de vida e preservar nossa própria espécie. Apaixonada pela escrita desde criança, Sônia se tornou jornalista e uniu o útil ao agradável, ajudando a retirar as mudanças climáticas de um gueto jornalístico para torná-las “caldo de cultura, conhecimento geral”.
Sônia Bridi foi contratada pela RBS, afiliada da Globo, em janeiro de 1985. Lá ficou até 1991. Trabalhava como editora do telejornal local 'RBS Notícias'. Em 1989, fez sua primeira matéria para o 'Jornal Nacional' e foi sobre a exploração de crianças carvoeiras no interior de Santa Catarina.
Da RBS, veio para o Rio, em 1991. Contratada pela Globo, participou da cobertura da conferência Rio-92 onde, pela primeira vez, ouviu falar em efeito estufa. A partir dali, foram anos de estudo e dedicação, acompanhando o debate político e científico internacional. Sua experiência no exterior ajudou: foi correspondente da Globo em Londres, Nova York, Pequim e Paris. Esteve em todos os continentes da Terra. Ao lado do repórter cinematográfico Paulo Zero, vivenciou extremos em séries especiais para o 'Fantástico', como: 'Terra, que Tempo é Esse?' (2010), 'Planeta Terra: Lotação Esgotada' (2012) e 'A Jornada da Vida' (2014, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2023).
Início da carreira
Nascida na cidade catarinense de Caçador, em 13 de novembro de 1963, em uma família de oito filhos, Sônia Matilde Bridi foi uma criança apaixonada pela escrita. Talento reconhecido pela professora de português do primário que viu potencial na redação da menina sobre o funcionamento de uma indústria de papel: “Nossa, Sônia! Você podia ser jornalista.” Assim, precocemente, a garota viu no jornalismo uma profissão que lhe proporcionaria contato com atividades de que mais gostava: conversar, estar no local dos acontecimentos e, principalmente, escrever.
Quando tinha 14 anos, a filha do industrial Edmundo Bridi e da comerciária Elvira Abati Bridi foi ao jornal de sua cidade pedir emprego. A recusa do editor de A Imprensa Catarinense, em vez de fazê-la desistir, estimulou-a. A adolescente passava no jornal uma vez por semana para saber de vagas para repórteres. Finalmente, seu professor de português decidiu pedir ao editor: “Dá uma chance para a menina. Ela é minha melhor aluna. Inventa uma coluna.”
Com 17 anos, Sônia mudou-se para Florianópolis para estudar. Ela se matriculou em Filosofia, na Universidade Federal do Estado de Santa Catarina (UFSC). Paralelamente, trabalhava como redatora na Rádio Barriga Verde, que, pouco depois, se tornaria uma emissora de televisão. Após ocupar as funções de produtora e editora na Barriga Verde, foi para outra emissora de televisão, ligada ao Grupo Bandeirantes. Aos 21 anos, ela engravidou de Mariana, sua primeira filha.
Entrada na Globo
Sônia Bridi foi contratada pela RBS, afiliada da Globo, em janeiro de 1985. Começou a trabalhar como editora do telejornal local 'RBS Notícias'.
Apesar de muito nova, editava sozinha o telejornal. "Foi uma experiência intensa, muito legal", conta ela. Rapidamente chegou ao cargo de coordenadora do interior, o que a fazia apurar com as sucursais da RBS e as emissoras do interior de Santa Catarina as notícias de todo o estado.
Nessa época, Sônia percebeu que precisava do diploma de jornalismo para exercer a profissão. Para poder conciliar o trabalho com a faculdade, optou por deixar o cargo de coordenação para assumir a reportagem. Os repórteres tinham carga horária fixa, porque, diante da escassez de equipamentos para levar para a rua, era preciso fazer um revezamento. Acabou pegando gosto pelo vídeo. Antes mesmo de se formar, já fazia matérias para os jornais de rede da Globo, como o 'Jornal Hoje' e 'Jornal da Globo'; depois para o 'Bom Dia Brasil' e o 'Fantástico'. Em 1989, fez sua primeira matéria para o 'Jornal Nacional', sobre a exploração de crianças carvoeiras no interior de Santa Catarina.
Como prêmio pela dedicação, em 1991, foi convidada pela Globo a cobrir o carnaval do Rio de Janeiro. O trabalho lhe rendeu o convite para integrar a equipe da editoria Rio, na emissora do Jardim Botânico. À primeira impressão da cidade, embalada pela alegria do carnaval, se somaria outro lado da realidade carioca, a violência: “Ao sair de Santa Catarina e vir para o Rio de Janeiro, você acrescenta na sua rotina a morte, a violência, o tiro, de uma maneira que é completamente alienígena para a gente”. Não por acaso, as coberturas desse período que mais a marcaram foram as das chacinas da Candelária e de Vigário Geral.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Entrevista exclusiva da jornalista Sônia Bridi ao Memória Globo, em 26/10/2009, sobre a Chacina na Candelária.
Mas Sônia Bridi também recorda momentos privilegiados, como a oportunidade de fazer a sua primeira cobertura internacional: a Copa de 1994, nos Estados Unidos. Não apenas pela experiência profissional inédita no exterior, mas pelo desfecho, já de volta ao Brasil. "No dia da final eu assisti na Favela do Jacarezinho com a família do Romário. Foi um grande momento."
Vida de correspondente
Sônia Bridi ficou no Rio de Janeiro até 1995, quando foi convidada a ser correspondente em Londres. Mal se fixou na cidade, recebeu um convite irrecusável: trabalhar no escritório de Nova York. E uma nova surpresa lhe aguardava. Logo na primeira semana nos Estados Unidos, o chefe de redação Jorge Pontual lhe incumbiu de cobrir a descoberta de uma escultura, atribuída a Michelangelo, na Casa da Cultura da França, em frente ao Central Park. Tratava-se da representação de Cupido, o deus do amor da mitologia romana: “Fui encontrar o cinegrafista Paulo Zero nessa minha primeira matéria em Nova York. Como tinha um cupido na história, estamos juntos até hoje”. Os dois se casaram e tiveram um filho, Pedro.
Baseados em Nova York, Sônia Bridi e Paulo Zero fizeram juntos inúmeras reportagens, como a cobertura da invasão da embaixada japonesa pelos guerrilheiros tupamaros no Peru, em 1997. Nessa reportagem, Paulo Zero fez imagens exclusivas da retirada de corpos de guerrilheiros de dentro do edifício, e Sônia conseguiu um contato que a levaria a entrevistar o então presidente peruano Alberto Fujimori, meses depois. Na ocasião, passaram o dia acompanhando o ditador. “Ele fazia o tipo populista, mas eu perguntei sobre todas aquelas operações, gente desaparecida, denúncias de corrupção, enfim, todas as coisas que vieram a estourar depois”, conta.
Ainda naquele ano, com o cinegrafista Sherman Costa, Sônia entrevistou o ex-presidente Fernando Collor de Mello, então residindo em Miami, nos Estados Unidos. Exibida com destaque no 'Jornal Nacional', a entrevista teve grande repercussão no Brasil. Nela, o político tentou diminuir a entrevistadora por sua pouca idade e pelo fato de ser mulher: “Houve uma postura desrespeitosa, a maneira como ele me chamou de ‘filhotinha’.” Sônia Bridi se aborreceu, mas conseguiu manter a calma: "Se eu me irrito e digo: 'O senhor me respeite', aí eu não poderia apresentar as perguntas. Ele tinha que se levantar da mesa, não porque eu o ofendi, mas porque não quer mais responder. E foi o que acabou acontecendo." No final, quem perdeu o controle foi o ex-presidente, após perguntas sobre a sua ligação com conhecidos mafiosos.
Em 1998, Sônia Bridi integrou a equipe enviada pela Globo para a Copa do Mundo, na França. No ano seguinte, já de volta ao Brasil, fixou-se em São Paulo, de onde realizava reportagens do dia a dia para os telejornais. Em 2002, acompanhou a rotina de campanha dos candidatos à presidência.
Do outro lado do mundo
Dois anos depois, ela e Paulo Zero apresentaram à direção de jornalismo da Globo um projeto para uma série na China para o 'Jornal Nacional'. Acabaram surpreendidos com um convite para inaugurar o posto de correspondentes em Pequim: "Sempre acompanhei os grandes jornais internacionais e notava uma cobertura cada vez mais intensa sobre o que estava acontecendo na China: mudanças na estrutura de comércio e crescimento na produção de bens industrializados. Centenas de milhares de chineses saíam da miséria todos os anos. Então, decidi sugerir para o Carlos Henrique Schroder, diretor de Jornalismo na época, uma viagem à China para fazer uma série para o 'Jornal Nacional' sobre esse cenário. Em vez disso, ele nos mandou para acompanhar uma visita do então presidente Lula ao país e aproveitar para gravar um 'Globo Repórter.' (...) Fizemos esse 'Globo Repórter', que teve uma repercussão muito grande. Quando estávamos editando, encontrei o Schroder e comentei que, na China, a gente tropeçava em matéria a cada esquina, era fascinante, um desafio maravilhoso. Passados alguns dias, abro o meu e-mail, e ele me diz que o projeto de ter correspondente na China havia sido aprovado e que nos convidava para o posto."
Além do desafio de montar uma base no país asiático, o casal precisou aprender a lidar com a cultura e a política locais: para isso, tiveram ajuda de uma tradutora, cujo nome ocidental era Sheryl.
O casal foi responsável pela primeira transmissão ao vivo no 'Jornal Nacional' diretamente do Templo do Céu, realizada no aniversário de 40 anos da Globo, em 2005. Em seguida, estiveram na Índia, onde entrevistaram o Dalai Lama, e participaram ainda da primeira viagem do trem que liga Pequim a Lhasa, no Tibete.
Correspondente em Paris
Em janeiro de 2007, os dois foram transferidos para o escritório de Paris, onde permaneceram até 2009. Foram anos de trabalho intenso, com muita demanda de material para todos os telejornais. Nessa época, realizou uma entrevista com o filho de Ingrid Betancourt, franco-colombiana sequestrada pelas Farc, que estava prestes a ser libertada, em julho de 2008.
Mas sua cobertura mais marcante dessa fase ocorreu quando já estava se despedindo da capital francesa. Em meio a um almoço de família na Bélgica, em maio de 2009, Sônia Bridi e Paulo Zero descobriram que um Airbus da Air France, que decolara no Rio de Janeiro, desaparecera no Oceano Atlântico. Foi um dos trabalhos mais exaustivos da carreira. “Como eu estava de folga, não tinha nem maquiagem nem roupa apropriada para aparecer nas passagens. Passei numa loja do aeroporto e comprei alguns produtos. Para o meu azar, o lápis de olho me deu uma alergia tão grande que meu olho ficou inchado, vermelho, lacrimejando. Nos três primeiros dias dessa cobertura, eu apareci para o mundo daquele jeito. Eu quase não enxergava, estava um horror”, conta.
Reportagem de Sônia Bridi sobre o acidente com o avião da Air France e a recepção dos familiares das vítimas no aeroporto Charles de Gaulle, com a presença do presidente francês Nicolas Sarkozy. 'Jornal Nacional', 01/06/2009.
Parte do cansaço também se devia à responsabilidade com a informação: direto do aeroporto Charles de Gaulle para os telejornais, ela não podia errar. Um engano prejudicaria muitas famílias.
Volta ao mundo
De volta ao Brasil, Sônia Bridi e Paulo Zero iniciaram sua verdadeira volta ao mundo. Como repórter especial do 'Fantástico', ela emplacou séries sobre a vida na terra e mudanças climáticas. A primeira foi 'Terra, que Tempo é Esse?', de 2010. Em nove reportagens, o casal percorreu 12 países: Bolívia, Peru, Estados Unidos, Dinamarca, Inglaterra, Itália, Tanzânia, China, Butão, Austrália, Vanuatu e Brasil, para mostrar os efeitos visíveis do aquecimento global.
Para a gravação da série, Sônia foi ao seu limite físico e mental: subiu o monte Kilimanjaro, na Tanzânia. Ela e Paulo Zero decidiram encarar 5895 metros de altitude em uma caminhada de 70 quilômetros, que durou seis dias. A preparação física começou seis meses antes, assim como a concentração para encarar o desafio. O objetivo era filmar as geleiras do ponto mais alto da África. "O que te leva para o alto de uma montanha não é só preparo físico, porque você não vai só com as pernas, você vai com a cabeça. É a sua capacidade de manter o foco, ficar tranquilo, saber o que você está fazendo e fazer direito.”
Em junho de 2012, a Rio+20 reuniu representantes de quase 200 países para renovar o compromisso político mundial com o desenvolvimento sustentável. Na esteira dessa discussão, a repórter lançou a série 'Planeta Terra: Lotação Esgotada', quando visitou regiões com alta pressão demográfica para responder à pergunta: quantas pessoas o planeta pode sustentar? “A miséria da África e da Índia tem um nível muito profundo. Foi muito impactante no momento em que a gente fazia o cruzamento das reportagens, mostrando com quanta comida vive o indiano e quanta comida é jogada fora nos Estados Unidos. A exposição dos contrastes do mundo rico de consumo irresponsável e a vida dos despossuídos foi o grande mérito da série”, esclarece.
Entrevista com Snowden
Sônia Bridi nunca havia pisado em Moscou. Nem pode dizer que chegou a conhecer a capital russa, quando esteve lá em 2014. Apenas ficou à espera do que os Estados Unidos consideravam um espião: Edward Snowden, o homem que revelou a espionagem internacional realizada pelo governo dos EUA.
A história começou em setembro de 2013, quando o jornalista Glenn Greenwald procurou Sônia Bridi com documentação inédita vazada por Snowden. Ela teria o furo, e eles, o alcance da notícia veiculada na TV Globo: “A gente desenvolveu uma boa relação de trabalho, de troca de informação. Ele conhecia os códigos, a linguagem da espionagem. Eu conhecia os meandros da política e das relações no Brasil”.
Juntos, revelaram que a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras eram alvo da espionagem americana. O material foi exibido no 'Fantástico', naquele ano. Em 1 de junho de 2014, foi a vez de falar com o próprio Snowden no país que havia lhe concedido exílio político, a Rússia. Horas de espera em um hotel e finalmente a jornalista ficou frente a frente com o rapaz. E, assim como veio, se foi: “À porta, nos despedimos. O Snowden tirou a gravata e óculos, botou a mochila nas costas e saiu pela escada de incêndio. Nunca mais o vi”.
Também em 2014, Sônia Bridi inaugurou a primeira de cinco temporadas da série 'A Jornada da Vida', que buscou mostrar a evolução das espécies mais diversas no planeta. Nessa viagem, ela visitou a ilha de Socotra, no Iêmen, para filmar árvores com milhares de anos. Também foi à Etiópia “falar sobre evolução humana, que se deu basicamente naquela região: a maioria dos fósseis de ancestrais humanos foi encontrada ali, inclusive a Lucy”. Em 2023, por ocasião dos 50 anos do 'Fantástico', o programa exibiu uma edição especial da série, com dois episódios.
Pelo Brasil
Entre as longas viagens pelo mundo, Sônia Bridi realiza reportagens para o 'Fantástico' também no Brasil. A série 'Brasil, Quem Paga é Você' foi um dos trabalhos de que mais se orgulha. No ar em 2013, o quadro reuniu reportagens que evidenciavam o gargalo em obras públicas de infraestrutura. “Havia uma seca terrível e a transposição do São Francisco, que deveria ter ficado pronta, ainda não estava resolvida. Eu propus que a gente fizesse uma série sobre obras que nunca se acabam e coincidiu que a Sílvia Faria, que assumia a direção de Jornalismo, também tinha um projeto sobre infraestrutura. Juntamos as ideias e fiz cinco matérias, que tentavam mostrar como a corrupção, falta de planejamento, administração irresponsável criam uma conta terrível, que é impedir o Brasil de se desenvolver”, conta.
Entre as coberturas mais marcantes no Brasil, nessa fase, estão o incêndio florestal na Ilha de Bananal (2010), no Tocantins; a cobertura da tragédia socioambiental em Mariana (2015); e a entrevista marcante com Camila Pitanga após o acidente no Rio São Francisco que tirou a vida do ator Domingos Montagner (2016).
Mais recentemente, duas coberturas marcaram a trajetória da jornalista. No dia 5 de junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips foram mortos na região amazônica do Vale do Javari, segunda maior terra indígena do país. Um ano após o crime, foi lançado o documentário 'Vale dos Isolados', no Globoplay, com direção de Sônia Bridi e roteiro de Cristine Kist. A equipe passou mais de 100 dias filmando na região para falar sobre os conflitos na região onde Dom e Bruno foram executados, vítimas de uma emboscada. O documentário conquistou o Prêmio Vladimir Herzog, em 2023.
Em janeiro de 2023, Sônia Bridi e Paulo Zero acompanharam as equipes responsáveis pelo resgate do povo indígena Yanomami, em Roraima. A saúde deles se deteriorou por conta do impacto do garimpo ilegal. Para demonstrar por que definiria o que viu como "a maior crise humanitária do Brasil neste século", a repórter passou por algumas aldeias sem postos médicos, alimentos, e nem possibilidade de pesca ou caça. Sem condições razoáveis para transportar tanta gente nos helicópteros disponíveis para áreas onde havia postos de saúde, a própria Sônia carregou um bebê no colo.
Matéria de Sônia Bridi e Paulo Zero sobre a tragédia Yanomami em Roraima. 'Fantástico', 29/01/2023
Sônia Bridi também é autora dos livros 'Laowai, Histórias de uma Repórter Brasileira na China' (2008) e 'Diário do Clima' (2012). Além do Vladimir Herzog de 2023, ela foi vencedora de duas edições do Prêmio Comunique-se de melhor correspondente no exterior (2007 e 2009) e do Prêmio Embratel de Responsabilidade Social em 2002.
Abaixo, a homenagem que Sônia Bridi e Paulo Zero receberam no 'Domingão do Huck', em fevereiro de 2023.
Sônia Bridi e Paulo Zero são homenageados no palco do ‘Domingão’, em 12/02/2023
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