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Por Arcílio Neto — Sorocaba, SP


O ano que reuniu mais surpresas na história do futebol, 2004 também ficou marcado pela última grande zebra da Champions League. O Porto levantou a taça numa final improvável contra o Monaco e marcou gerações que se recordam de craques daquele elenco comandando por José Mourinho: Carlos Alberto, Deco, Derlei, Maniche, Ricardo Carvalho e – por que não? – Maciel.

O atacante brasileiro nascido em Caxias (MA), próximo a Teresina (PI), brilhou em pequenos times do país até chamar a atenção do jovem José Mourinho, que começava a escrever sua história de sucesso.

"Special One" para o mundo, Mourinho é chamado de "pai" por Maciel. Foi justamente o treinador português que o levou para o União de Leiria em 2001 e para o Porto dois anos depois.

A carreira de 18 anos de Maciel teve como pontos altos a artilharia da Copa SP de Futebol Júnior em 1999 e a passagem vitoriosa pelo histórico Porto de 2004. Com o fim da sua trajetória no futebol profissional, ele mergulhou no futevôlei, ganhou títulos na modalidade e até abriu uma escolinha em Cabo Frio (RJ).

Os novos capítulos da caminhada de Maciel estão sendo escritos em Sorocaba, no interior de São Paulo. Aos 44 anos, ele foi jogar o tradicional campeonato de várzea da cidade, que é considerado um dos principais do país.

Maciel durante jogo do Vila Carvalho, time de várzea de Sorocaba — Foto: Willy Augusto - PhotoSport

Mas se engana quem pensa que este será o destino final de Maciel. O sonho do ex-jogador é se tornar técnico de futebol, seguindo a inspiração de Jorge Jesus, José Mourinho e outros que o treinaram em sua carreira de jogador.

Mas este não é apenas um sonho distante. O maranhense está concluindo o curso teórico da CBF Academy e vai conseguir a Licença B, autorização que o permitirá ser treinador. Essa e outras tantas histórias de Maciel Lima Barbosa da Cunha, você confere logo abaixo.

Os primeiros passos no futebol

Os primeiros passos de Maciel no futebol foram nas bases de Ituano, Guarani, Cruzeiro, até chegar ao Capivariano, time pelo qual foi artilheiro da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 1999 com oito gols marcados.

Maciel defendeu o Ituano no final dos anos 1990 — Foto: Arquivo pessoal

Depois, jogou no União São João e no Bangu, antes de se transferir para o Volta Redonda. Foi no clube carioca, em um jogo contra o Flamengo, no Maracanã, que Maciel chamou a atenção do União de Leiria, que era treinado por José Mourinho.

Começava aí uma relação que mudaria a vida do atacante no auge dos seus 23 anos.

O "pai" José Mourinho"

O novato José Mourinho fez um trabalho de destaque no União de Leiria e logo foi contratado pelo Porto, em 2003. O treinador decidiu então levar Maciel, um de seus pupilos, para o novo clube.

Porém, Maciel já tinha jogado uma fase preliminar da Champions League pelo Leiria e, por este motivo, não pode ser inscrito pelo Porto para o restante da competição em 2003/04.

Maciel e Mourinho — Foto: Reprodução Facebook

Nesta temporada de sucesso, que terminou com o título do Campeonato Português, da Champions League e do Mundial de Clubes, além do vice da Copa de Portugal, Maciel disputou 21 jogos pelo Porto, com três gols marcados.

Com a impossibilidade de disputar a Liga dos Campeões, ele entrou em campo nas partidas nacionais. Apesar de não ter jogado esta competição pelos Dragões, ele ganhou a medalha da Champions League e se considera um campeão do principal campeonato de clubes do mundo.

Maciel ficou no Porto até o ano seguinte e perdeu espaço após a saída do técnico José Mourinho, que foi contratado pelo Chelsea. Inclusive, o jogador lembra que quase foi levado pelo treinador para o time inglês. Sobre a relação dos dois, Maciel não poupou palavras de afeto.

– Foi uma pessoa fantástica na minha carreira. Aprendi muito em todos sentidos com seu conhecimento fora da curva. Tudo hoje que falam de intensidade, pressão, treino reduzido, ele (Mourinho) já fazia conosco. Nos dava relatórios em véspera do jogo, de cada atleta da outra equipe que iríamos jogar contra. Eu que jogava pela ponta, já recebia o scout todo do lateral adversário. No campo, deixava os jogadores soltos em campo, mas com obrigação de cumprir a estratégia definida no jogo. Mas com a bola no pé era você e os companheiros.

– Um treinador que sempre deu abertura aos atletas perguntarem sobre treinos e jogos. Para mim sempre foi como um pai. Me ajudou em várias situações dentro e fora do campo e tinha o poder de fazer um jogador mediano virar um craque. Conseguia tirar tudo de um atleta nos treinos da capacidade. Era amigo e aberto a qualquer tipo de conversa, mas sempre com disciplina e regras a serem cumpridas. Nada fugia aos olhos. Deixava os atletas à vontade: poderia fazer seu churrasco em casa ou tomar sua cerveja, mas sem se embriagar – completou Maciel.

Maciel, Porto 2004 — Foto: AP

Com a saída de José Mourinho, Maciel não se deu muito bem com Víctor Fernández, treinador que chegou para substituir o "Special One". Com pouco espaço no Porto, o atacante foi emprestado ao Athletico-PR. Nos anos seguintes, também foi emprestado a União de Leiria e Braga.

Depois disso, passou por mais nove clubes, sendo o grego Xanthi e os brasileiros Angra dos Reis, Guarany de Sobral, Macaé, Volta Redonda, Grêmio Osasco, Madureira, Sobradinho e Cabofriense.

Maciel se aposentou, mas chegou a ser contratado pelo Tupi em 2021. Porém, deixou o time mineiro sem ter sequer entrado em campo.

Maciel ao lado de Deco pelo Porto, em 2004 — Foto: Arquivo pessoal

Do futevôlei à várzea de Sorocaba

Após pendurar as chuteiras, Maciel trocou a grama pela areia. Ele passou a jogar futevôlei e teve sucesso na modalidade. Depois de ser campeão do Torneio das Estrelas, que reuniu ex-jogadores de futebol, decidiu transformar o esporte em negócio.

Maciel abriu uma escolinha de futevôlei na cidade carioca de Cabo Frio. Foi neste município que ele morou até julho de 2023, três meses atrás. Ele mudou de estado, mas continua na administração da escolinha, que é compartilhada com seu sócio que está em Cabo Frio.

Maciel durante partida de futevôlei — Foto: Arquivo pessoal

O motivo da mudança foi o futebol chamando novamente. Maciel não conseguiu dizer não ao convite do Vila Carvalho, time que disputa o Varzeano de Sorocaba, no interior de São Paulo.

O campeonato de várzea da cidade é um dos mais renomados do país e é conhecido por já ter atraído grandes figurões do passado, como Viola, Rubens Cardoso, Alberto, entre outros.

E continua atraindo. Atualmente, entre os 200 times de várzea de Sorocaba, são vários ex-craques desfilando nos gramados, como Jailson (ex-goleiro do Palmeiras), Corrêa (ex-Palmeiras e Atlético-MG), Maurício Ramos (ex-Palmeiras) e muitos outros.

Vila Carvalho, tradicional time de várzea de Sorocaba — Foto: Willy Augusto - PhotoSport

Um dos times mais tradicionais de Sorocaba é o Vila Carvalho, que trouxe Maciel do Rio de Janeiro. O Vila, como é conhecido, foi fundado em 1987 e é o maior campeão da história da várzea de Sorocaba com seis títulos, ao lado do Paulistano.

Para se ter uma ideia da estrutura do Vila, todos os jogos do time são transmitidos ao vivo, com narração e replays. Também há fotógrafos contratados para as partidas.

Além de Maciel, outro jogador de peso na equipe é o zagueiro Felipe Trevizan, de 36 anos, que teve carreira de mais de uma década na Europa, com destaque para as oito temporadas no Hannover 96, time que disputava a Bundesliga. No Brasil, jogou por Coritiba e Cianorte.

Dividindo o campo com Maciel e Felipe Trevizan, estão alguns jogadores que marcaram recentemente a história do São Bento. São eles: Celsinho, Marcelo Cordeiro, João Paulo, Nunes e Almir Dias.

Nunes, ex-atacante de diversos times do interior paulista, em ação pelo Vila Carvalho — Foto: Willy Augusto - PhotoSport

As raízes fincadas em Sorocaba, aliás, são tão fortes que o presidente do Vila, Fabrício Mena, será candidato a presidência do Bentão na próxima eleição, ainda este ano. Se Mena for eleito, terá que deixar outra pessoa de confiança em seu lugar na várzea.

Enquanto isso não acontece, Fabrício revela ter a inspiração no Água Santa, um time de várzea que se profissionalizou e é o atual vice-campeão paulista, ao perder para o Palmeiras. Ele quer reeditar a história que aconteceu em Diadema, mas agora em Sorocaba.

– Estamos em uma fase de adequação do estatuto. Já somos declarados de utilidade pública, mas vamos iniciar projetos para aumentar a captação de recursos de verbas federais, estaduais e municipais. Vai ter a convocação de uma assembleia extraordinária para contemplar essas verbas. Com essas verbas, vamos partir para categorias menores, num primeiro momento, podendo disputar campeonatos da Federação Paulista de Futebol. Para daí sim, em um planejamento de médio a longo prazo, poder acontecer a profissionalização – detalhou Mena.

Fabrício Mena, presidente do Vila Carvalho, dá entrevista antes de jogo do Varzeano de Sorocaba — Foto: Willy Augusto - PhotoSport

O presidente do Vila Carvalho revelou a fonte do dinheiro para sustentar o tradicional time de várzea de Sorocaba. A receita vem de patrocinadores, aportes de diretores, da mensalidade de sócios torcedores, além de grandes eventos organizados, como feijoadas com atrações musicais.

Com o dinheiro em mãos, o time vai atrás de jogadores de qualidade. Fabrício Mena contou como é feito o acerto financeiro com os atletas.

– Todos os jogadores, nós fechamos um valor por jogo, e tira os custos de combustível e pedágio da onde eles vêm. Cada um negocia um valor, como se fosse um bicho para o jogo. Não tem um pagamento mensal, mas tem um valor por jogo que eles recebem – finalizou o presidente do Vila.

Maciel em meio a uma chuva torrencial durante jogo do Vila Carvalho, na várzea — Foto: Willy Augusto - PhotoSport

Sobre o novo desafio de sua vida na várzea, Maciel exalta a organização do Vila Carvalho e fala do amor de jogar futebol.

– Jogadores e diretoria (do Vila) me receberam muito bem. Até me assustei com a organização. Não vou falar muito em questão financeira, porque onde ganhamos dinheiro foi no profissional. De graça ou ganhando para mim seria igual. Não iria mudar o meu jeito de jogar, porque nunca joguei por dinheiro. Continuo com o mesmo pensamento: respeitar os ex-jogadores e também aqueles que tentaram, não conseguiram e jogam a várzea a vida inteira. Estes são mais que guerreiros e vencedores, pois jogam e depois vão trabalhar no dia seguinte – contou Maciel.

Nesse último sábado, o Vila Carvalho do Maciel jogou o primeiro jogo da semifinal do Varzeano e ficou no empate por 1 a 1.

Maciel ao lado de companheiros do Vila Carvalho na várzea de Sorocaba — Foto: Willy Augusto - PhotoSport

Tal pai, tal filhos

O legado de Maciel já é realidade. O filho mais velho, Mateus Cunha, é jogador do Portomosense. A exemplo do pai, foi jogar em Portugal e atua como ponta. Tem 20 anos de idade e começou a carreira justamente no país português, no Marinhense.

Mateus Cunha, filho mais velho de Maciel, no futebol português — Foto: Arquivo pessoal

E a safra não acaba aí. O caçula, Lucas Lima, está vestindo as cores do São Bento, em Sorocaba, cidade que o pai foi morar nos últimos três meses.

Com 14 anos de idade, o pequeno atua como volante e está no time sub-15 do São Bento, em parceria com o Real Soccer, uma espécie de terceirização das categorias inferiores da base do Bentão. O jovem tem até nacionalidade grega, já que nasceu no país, quando o pai defendia o Xanthi, em 2009.

Lucas Lima, filho de Maciel — Foto: Arquivo pessoal

E quem é o auxiliar-técnico desse time sub-15 do São Bento? O próprio Maciel. O pai, aliás, fala orgulhoso sobre as qualidades do filho.

– Meu filho (Lucas Lima), na minha visão, será um dos melhores primeiros volantes na idade que está aqui. Ele jogou futsal até os 12 anos e está fazendo a transição para o campo. Nesse time estamos há 15 jogos sem perder – disse Maciel.

Próximo passo: técnico de futebol

Maciel está nos passos finais de concluir o curso da CBF Academy, para conseguir a Licença B, que o permitirá comandar times de categorias de base, atuando principalmente na formação de atletas.

O desejo surgiu após absorver o aprendizado com tantos técnicos renomados em sua carreira de jogador.

Maciel comemora a finalização do curso da CBF Academy para ser técnico — Foto: Arquivo pessoal

Entre os portugueses, destaque para José Mourinho, Jorge Jesus, Manuel Cajuda e Carlos Carvalhal. No Brasil, Maciel foi comandado por diversos treinadores, entre os principais estão Muricy Ramalho (na base do Ituano), além de Geninho e Antônio Lopes.

Sobre estes nomes, o atacante falou sobre a ´faculdade` com os comandantes que teve convívio na carreira.

– Tenho algum conhecimento com eles. É uma faculdade muito grande na vida. Não ter o estudo teórico, mas o prático, convivendo com eles no dia a dia. Pro futuro pretendo buscar conhecimentos e experiência, fazer um alicerce firme e não começar logo para o telhado, para não cair. Entender alguns aspectos fora das quatro linhas e buscar evolução e aprendizado sempre. Depois usar todos os conhecimentos que me passaram como atleta – falou Maciel.

O empurrão para se tornar técnico veio por apoio de Marcelo Cordeiro, lateral-esquerdo vitorioso que teve passagens por São Bento, Portuguesa, Internacional e Botafogo (veja foto abaixo). O ex-jogador mora em Sorocaba e facilitou o contato para Maciel ser auxiliar-técnico do time sub-15 do São Bento, na escolinha Real Soccer.

Marcelo Cordeiro, ex-Botafogo e Internacional, joga no Vila Carvalho, na várzea de Sorocaba — Foto: Willy Augusto - PhotoSport

Depois de finalizar as aulas do curso da CBF Academy, agora Maciel fica na expectativa pela documentação e o certificado, que devem sair nos próximos dias.

– Não irei pular etapas, pois muitos ex-jogadores pulam e acabam voltando ao zero como treinador. Então aprender é fundamental. A CBF Academy nos fala muito sobre isso: não pensar porque foi jogador que será o mesmo como treinador. Tem que ter pés no chão – finalizou Maciel.

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