dificuldades financeiras (Foto: Tatiana Lopes/G1)
A Justiça Federal do Rio Grande do Sul concedeu à mãe de duas das 242 vítimas do incêndio da Boate Kiss em Santa Maria o direito de receber pensão pela morte dos filhos. A ação foi ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) depois que Elaine Marques Gonçalves, de 61 anos, teve seu pedido negado administrativamente.
O INSS alegava que ela já recebia outro benefício devido à morte do marido. O juiz da 1ª Vara Federal de Santa Maria Ézio Teixeira, no entanto, avaliou que autora da ação dependia economicamente dos dois filhos.
“Para caracterizar a dependência econômica entre pais e filhos, não é necessário que a renda do filho falecido seja a única forma de manutenção familiar. Principalmente em famílias economicamente mais humildes, a dependência é mútua: os pais dependem dos filhos e os filhos dependem dos pais, para que possam assegurar, reciprocamente, suas condições mínimas de vida”, diz um trecho da decisão.
A decisão foi publicada na sexta-feira (11). Teixeira julgou procedente a ação e condenou a autarquia a implantar, no prazo de doze dias, os benefícios. Ele também determinou o pagamento das parcelas vencidas corrigidas monetariamente e acrescidas de juros.
“A tragédia da Boate Kiss continuará sempre lembrada pelo número significativo de vítimas e a morte indefesa de centenas de jovens, o que ficará sempre vivo na memória da parte autora, interferindo decisivamente no afastamento de quaisquer atividades laborativas”, avaliou o magistrado.
Mãe relatou problemas financeiros em 2013
(Foto: Tatiana Lopes/G1)
O filho mais velho de Elaine, Deives Marques Gonçalves, de 33 anos, perdeu a vida no mesmo dia da tragédia, em 27 de janeiro de 2013. Já o irmão, Gustavo Marques Gonçalves, de 25 anos, morreu dois dias depois. Ele havia sido transferido para Porto Alegre, mas não resistiu.
Em fevereiro do ano passado, Elaine recebeu o G1 em sua casa e contou o drama da família. Na ocasião, ela detalhou que o mais velho passou por dificuldades financeiras em 2007, quando teve diagnosticada uma trombose, que curou após cinco dias de internação no hospital. Para pagar o tratamento, a mãe recebeu ajuda de uma família de amigos para quem já havia trabalhado.
Elaine destacou, na época, que a renda dela era composta pela pensão do marido, que morreu em 2011 por complicações de Parkinson, e do que arrecadava com as encomendas de salgados e doces.
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Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos.
O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.
O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, são: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.
Ainda estão em andamento dois processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros também estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.
Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso (com intenção), na modalidade de "dolo eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em maio do ano passado. Entre os bombeiros investigados, está Moisés da Silva Fuchs, que exerceu a função de comandante do 4° Comando Regional de Bombeiros (CRB) de Santa Maria.
Atualmente, a Justiça está em fase de recolher depoimentos dos sobreviventes da tragédia. O próximo passo será ouvir testemunhas. Os réus serão os últimos a falar sobre o incêndio ao juiz. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.
Se o magistrado "pronunciar" o réu, ele vai a júri (a pronúncia é a ordem para ir a júri). Outra possibilidade é a chamada desclassificação, quando o juiz não manda o réu para júri, mas reconhece que houve algum tipo de crime. Nesse caso, a causa será julgada sem júri. Também existe a chance de absolvição sumária dos réus. Em todas as hipóteses, cabe recurso.
No âmbito das investigações, três delas estão sendo conduzidas pela Polícia Civil. Além dos documentos sobre as licenças concedidas à boate Kiss, um inquérito apura as atividades da empresa Hidramix, responsável pela instalação de barras antipânico na boate, e outro analisa uma suposta fraude no documento de estudo de impacto na vizinhança do prédio onde ficava a casa noturna. O Ministério Público, por sua vez, investiga as responsabilidades de servidores municipais na tragédia.