As 32 mortes no incêndio em uma boate na Romênia, no Leste Europeu, após um show de fogos de artifícios, lembrou a tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, que também aconteceu após uma apresentação de pirotecnia. O presidente da Associação dos Familiares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Sérgio da Silva, lamentou a repetição dos fatores que matou 242 pessoas no dia 27 de janeiro de 2013.
"A cena se repetiu. Foi tudo igual, com omissão, corrupção e uma série de coisas", avalia Silva. Para ele, a lição do que ocorreu na Boate Kiss não foi aprendida, apesar da repercussão internacional após o incêndio. "Nós, os pais da associação, a gente luta, esperneia e estávamos gritando para que não acontecesse o que ocorreu na Kiss em nenhum outro lugar do mundo."
Mesmo com a cena se repetindo, o presidente da entidade se surpreendeu com a reação da população da Romênia. Após o incêndio, mais de 20 mil pessoas foram para as ruas da cidade de Bucareste e pediram a renúncia do primeiro-ministro do país, Victor Ponta, que está sendo julgado por corrupção.
"Ponta, demissão", "Assassinos!", gritaram os manifestantes na praça da Vitória, sede do governo no centro da capital na noite da última terça-feira. Ele deixou o cargo um dia depois.
"Lá o ministro teve dignidade e pediu as contas, aqui a gente não consegue pedir que o prefeito (Cezar Augusto Schirmer) tenha vergonha na cara", diz Silva.
Além da demora no processo, o presidente da entidade reclama da maneira como os moradores de Santa Maria lidam com a tragédia. "A culpa é da própria cidade, eles dizem para gente esquecer o que ocorreu. Mas quando cai no esquecimento, dá brecha para acontecer de novo."
O sistema tem culpa. As pessoas, não."
Presidente da AVTSM
Ele também não percebeu uma mudança significativa na fiscalização das casas noturnas. "Você chega às boates de Santa Maria e continua a mesma coisa: um galpão velho onde se coloca 400 pessoas. Uma boate confina gente. O sistema tem culpa. As pessoas, não."
Para o presidente da entidade, é preciso mais pressão da sociedade para "cobrar e monitorar". "Aqui em Santa Maria, falam que a cidade não cresce por causa da boate Kiss. Mas a cidade não cresce há 110 anos. Há uma pressão do empresariado para terminarmos com nosso movimento."
Semelhanças entre boate romena e de Santa Maria
Em Santa Maria, as chamas atingiram o teto e se propagaram pelo isolamento acústico. Muitas pessoas morreram quando tentavam sair da casa noturna, que estava superlotada. Na Romênia, o fogo também se espalhou rapidamente, o que provocou pânico e correria das pessoas tentando sair.
Além dos 32 mortos da boate romena, mais de 100 jovens seguem internados com queimaduras. Os médicos temem que o número de vítimas fatais possa subir ainda mais. Os três donos da boate são acusados de permitir a superlotação da boate e de não garantir um número suficiente de saídas de emergência.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos. O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.
O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, foram: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.
Ainda estão em andamento os processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros também estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.
Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso, na modalidade de "dolo eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória a eles em maio de 2013.
Atualmente, o processo criminal ainda está em fase de instrução. Após ouvir mais de 100 pessoas arroladas como vítimas, a Justiça está em fase de recolher depoimentos das testemunhas. As testemunhas de acusação já foram ouvidas e agora são ouvidas as testemunhas de defesa. Os réus serão os últimos a falar. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.
No dia 5 de dezembro de 2014, o Ministério Público (MP) denunciou 43 pessoas por crimes como falsidade ideológica, fraude processual e falso testemunho. Essas denúncias tiveram como base o inquérito policial que investigou a falsificação de assinaturas e outros documentos para permitir a abertura da boate junto à prefeitura.