25/11/2015 05h00 - Atualizado em 27/11/2015 11h56

Só combates no terreno venceriam Estado Islâmico, dizem especialistas

Grupo controla áreas de três países e assumiu atentados pelo mundo.
EUA e Rússia negociam coalizão, mas curdos e árabes são fundamentais.

Tahiane StocheroDo G1, em São Paulo

“Acabar com o EI é impossível, não se acaba com uma ideologia destruindo um país. O que se pode fazer é enfraquecer e reduzir a capacidade de atuação. A Al-Qaeda, por exemplo, perdeu poder, mas continua existindo"
Gunther Rudzit,
coordenador do curso de relações internacionais das Faculdades Rio Branco

Como em um jogo de xadrez, enfrentar o Estado Islâmico (EI), o grupo terrorista que domina territórios no Iraque, na Síria e na Líbia, é uma tarefa complicada devido aos interesses políticos de vários atores envolvidos no terreno e as nações que fazem fronteira com estes países.

Especialistas ouvidos pelo G1 apontam que, em pleno século XXI, apenas a presença de tropas no terreno (conhecida no jargão militar como “boots on the ground”) poderia retomar o território perdido e enfraquecer o grupo, desde que envolvesse quem já conhece o terreno, como os curdos, que estão barrando o avanço de posições do EI, ou exércitos de países árabes.

Tropas turcas patrulham fronteira com a Síria (Foto: Reprodução Globo News)Tropas turcas patrulham fronteira com a Síria
(Foto: Reprodução Globo News)

Ações pontuais com drones e tropas de elite contra alvos importantes na teia de comando e informações de inteligência que ataquem diretamente líderes, a cadeia de suprimento de combustíveis, armas e munições são também aliadas nesta batalha.

 

Isso porque, salientam os estudiosos de relações internacionais, os bombardeios que vem sendo realizados nas áreas dominadas pelos terroristas e rebeldes desde que a guerra na Síria começou, há quatro anos, não fazem efeito sozinhos, e estão mais prejudicando a população civil.

Uma série de atentados assumidos pelo grupo provocou atenção internacional para o perigo que ele representa: no dia 13 de novembro, atentados com homens armados em Paris deixaram 130 mortos e 350 feridos. O grupo reivindicou também a derrubada de um avião russo no Egito com uma bomba caseira, que deixou 224 mortos.

O fato do Estado Islâmico ter assumido a autoria de atentados recentes na Europa, na Turquia e no Líbano nos últimos meses mostra que ele está querendo “arrastar todo mundo para uma guerra terrestre. E, em um quadro de guerra terrestre, o dano que eles conseguem infringir é muito grande”, afirma o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Guilherme Casarões.

“Acabar com o EI é impossível, não se acaba com uma ideologia destruindo um país. O que se pode fazer é enfraquecer e reduzir a capacidade de atuação. A Al-Qaeda, por exemplo, perdeu poder, mas continua existindo”, pontua Gunther Rudzit, coordenador do curso de relações internacionais das Faculdades Rio Branco, em São Paulo.

“É praticamente impossível fazer o governo da Síria e do Iraque retomar o controle de território sem tropas no terreno”, entende ele.

Envolver atores locais
“A estratégia mais plausível, embora difícil, é articular com as tropas e atores locais, como os curdos, que vem desempenhando um papel importante em impedir o avanço do EI nas posições e que podem ter o apoio intensificado com armas e recursos. Mas há um obstáculo político, porque a Turquia, que é aliada norte-americana, luta contra oposicionistas curdos”, explica Guilherme Casarões, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).

Os presidentes dos Estados Unidos, Barack Obama, e da Rússia, Vladimir Putin, durante a cúpula do G20 neste domingo (15) (Foto: RIA-Novosti, Kremlin Pool Photo via AP)Barack Obama e Vladimir Putin conversam sobre a Síria em encontro do G20 
(Foto: RIA-Novosti, Kremlin Pool Photo via AP)

Atualmente, Estados Unidos, Rússia, França e países europeus discutem a formação de alianças e especula-se a criação de uma possível coalizão para tentar lutar de forma conjunta contra o Estado Islâmico.

Rússia e França, inclusive, passaram a trabalhar juntos e, durante a Cúpula do G20, que reuniu os países mais ricos do mundo na Turquia em novembro, os líderes russos e americanos, Vladimir Putin e Barack Obama, concordaram com a necessidade de iniciar negociações e de um cessar-fogo sobre o conflito.

Contudo, tanto a Casa Branca quanto o Kremlin possuem interesses divergentes na disputa: enquanto o presidente russo Wladimir Putin é aliado do governo sírio, que tem como alvo especial os rebeldes que lutam contra o regime de Bashar al-Assad, Washington integra uma aliança contra o Estado Islâmico no Oriente Médio (França, Alemanha, Catar, Arábia Saudita, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos) e defende que a Rússia não ataque a oposição síria.

Em setembro, o general David Petraeus, o ex-chefe da CIA (a agência de inteligência norte-americana) que atuou nas guerras do Iraque e Afeganistão, defendeu que o governo de Barack Obama enviasse militares para treinar jihadistas moderados para lutarem contra o Estado Islâmico e Assad.

Estrangular em todas as frentes
Para o professor Gunther Rudzit, uma estratégia válida seria tentar estrangular o EI atacando sistematicamente nas três frentes de avanço do grupo, com ações do Exército sírio, dos curdos e forças do Irã ou iraquianas. “Os combatentes do EI estão muito bem preparados e treinados, eles se colocam bem e não desistem fácil. Mas também está sofrendo uma degradação, com recrutas voluntários inexperientes. Está difícil ”, salienta.

Mas, diz Guilherme Casarões, que também é especialista em história e culturas políticas da Universidade Federal de Minas Gerais, apesar de integrar a aliança ocidental e fornecer apoio estratégico para os EUA, a Turquia acirrou recentemente sua atuação contra os rebeldes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que luta por um território independente, mas que, nos bastidores, consome petróleo do EI. “Há relações ambíguas de interesses dos atores envolvidos, de jugo duplo, que prejudicam a formação de uma coalizão única”, afirma.

O fotógrafo Gabriel Chaim, que registra frentes de batalha do EI e da oposição a Assad e está atualmente no norte da Síria, concorda que apenas uma guerra terrestre pode vencer os terroristas.

“Os ataques aéreos sozinhos não funcionam. A nova aliança formada com a união de curdos e árabes, chamada de Forças Democráticas Sírias (FDS), está efetuando este papel de destruí-los em solo. Sem força em solo, é impossível derrotá-los. Qualquer tropa de outro país que vier, sem apoio de locais, é dinheiro jogado fora. Os estrangeiros não conhecem o terreno e também há muitas bombas escondidas”, afirma o fotógrafo.
 

Ruínas de um prédio após bombardeio na Síria (Foto: Khalil Ashawi / Reuters)Ruínas de um prédio após bombardeio na Síria (Foto: Khalil Ashawi / Reuters)

Interesse comum
Os EUA sofreram a perda de centenas de soldados nas ocupações ao Iraque e Afeganistão e relutam em iniciar uma invasão, atuando somente com ataques aéreos e com forças especializadas e logísticas de apoio.

Segundo Guilherme Casarões, diferente do 11 de setembro de 2001, quando os ataques da Al-Qaeda às Torres Gêmeas, em Nova York, levaram os americanos à guerra no Iraque, os ataques do EI, feitos de forma de simples execução, mas com grande efeito psicológico sobre a população, fazem com que os países alvos cheguem à conclusão de que apenas o bombardeio aéreo não faz mais efeito: “ou se invade, ou não se faz nada”, diz.

Especialista em armamento militar, o professor de relações internacionais Marco Tulio Freitas vê que, antes dos atores envolvidos entrarem no confronto direto, é necessário definir “objetivos comuns”: “e isso é complicado ali. Ninguém sabe qual é o cenário pós-guerra que se espera. É o inimigo de todos eles? Qual o interesse comum?”, pondera.

“Uma campanha militar custa dinheiro e a continuidade dos bombardeios seria apenas para enxugar gelo [expressão que significa 'insistir em algo inútil'] com mais do mesmo. Aliados árabes poderiam ser atores a serem considerados. Até então, Jordânia, Egito e Arábia Saudita, que possuem bons exércitos, não entraram no conflito. Qualquer questão na região também envolveria Israel. São vários atores a se balançar. Mas uma campanha semelhante à Guerra do Golfo (1990-1991), com aliados ocidentais e a Rússia apoiando com inteligência, reconhecimento aéreos e estratégias o avanço dos árabes no terreno seria uma saída eficaz política e diplomaticamente”, entende Freitas.

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