Ana Maria Primavesi — Foto: Arquivo / Virgínia Knabben
“Tudo nasce do solo”, afirmava Ana Maria Primavesi. A engenheira agrônoma foi pioneira da agroecologia no Brasil e também inovou ao mostrar que o solo tropical não poderia ser tratado do mesmo modo que o de clima temperado.
A agroecologia é uma prática na qual são retomadas concepções anteriores à chamada revolução verde, ou seja, à inclusão de uso de maquinários e químicos no plantio. Ana Maria acreditava que tudo o que o solo precisa para produzir é a matéria orgânica.
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A cientista morreu aos 99 anos, em janeiro de 2020, em decorrência de um infarto.
Apesar de sua importância à agricultura brasileira, Ana Maria era austríaca, tendo chegado ao país em 1948. Antes disso, ela teve que enfrentar os desafios de ser uma das poucas mulheres a ingressar na faculdade em meio à Segunda Guerra Mundial, tendo irmãos e o pai obrigados a ir ao front de batalha.
Forçada a participar
Antes de se "abrasileirar", Ana Maria se chamava, na verdade, Annemarie Baronesa Conrad. O Baronesa não é por acaso, ela, de fato, possuía o título, herdado de seu pai, que era barão.
Nascida em um castelo em 1920, a engenheira agrônoma sempre teve contato com o campo. A propriedade da família se localiza em uma área rural, na qual o pai cultivava a terra, chegando a receber prêmios, explica a sua biógrafa Virgínia Knabben, de São Paulo.
Castelo em que Ana Maria Primavesi nasceu — Foto: Arquivo / Virgínia Knabben
“Ela passou por um período bem grande fora da universidade fazendo esse tipo de trabalho”, completa.
Enquanto isso, mesmo sem acreditarem no nazismo, seus dois irmãos, também compulsoriamente, tiveram que se apresentar ao exército e ir para a Guerra, onde ambos morreram.
Mais tarde, quando a leva de jovens já havia morrido, homens mais velhos e com deficiências foram convocados, o próprio pai da engenheira agrônoma teve de se alistar.
Virgínia conta que Ana e seu pai possuíam uma ligação muito forte e que, após o fim da Guerra, ele chegou a ser preso pelos ingleses por ser considerado uma ameaça e ela foi junto a ele.
"(Os ingleses) precisavam tirar de circulação quem pudesse criar problemas com a ocupação e ela ficou presa por bastante tempo, inclusive, lá. São professores de universidade, advogados, médicos, todos na prisão”, narra Virgínia.
A escritora afirma que esse período foi extremamente doloroso para Ana Maria, que não conseguia falar sobre. Essas informações, contidas em seu livro, só foram adquiridas graças a um diário da engenheira agrônoma que foi encontrado por ela.
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Paixão pelo solo
Uma das únicas 3 mulheres da sua turma da universidade, Ana percebeu que a saúde da planta está diretamente ligada à forma com a qual o solo é tratado.
Quando chegou ao Brasil, em 1948, ela já tinha o seu doutorado.
No país, ela e seu marido, Arthur Primavesi, passaram a dar aulas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul.
Ana Maria Primavesi analisando rochas em laboratório da UFSM — Foto: Arquivo/ Virgínia Knabben
Foi nessa época que ela começou a escrever o livro “Manejo Ecológico do Solo”, considerado um clássico da literatura agronômica.
Com o sucesso de seu projeto, ela começou a ser convidada para eventos, congressos, palestras e viagens para ensinar a sua prática agrícola.
Fazenda de Itaí foi transformada em um paraíso ecológico — Foto: Arquivo / Virgínia Knabben
Entre suas principais características, Ana prezava por se fazer entender, principalmente, pelos agricultores, que são quem poderia colocar toda a teoria na prática.
Para isso, ela ia desde o uso da linguagem simples a escrever contos que mostravam como que o trato do solo, na prática, afetaria o plantio. Um exemplo disso é o livro “A Convenção dos Ventos”, que já explicava a nuvem de poeira causada pela erosão do solo, como a que ocorreu este ano em Pereira Barreto.
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Inovando o trato do solo
Quando Ana chegou ao Brasil, o país vivia a revolução verde, em que o uso de máquinas e adubo era propagado como investimento no campo. Segundo a engenheira agrônoma, esses itens não são necessários para o desenvolvimento das plantas, pois o solo seguiria o seu ciclo a partir da matéria orgânica.
Um de seus pontos era que o manejo do solo tropical não pode ser o mesmo do de clima temperado.
Isso porque, em países de ambiente mais frio, a terra não se decompõe como aqui. Deste modo, as rochas estão mais próximas ao nível superficial do solo, sendo rico em minerais. Devido ao frio também, há menos vida no solo, porque ela acaba ficando adormecida no inverno.
Contudo, em países quentes, como o Brasil, o cenário é oposto. As rochas estão a mais de 15 metros de profundidade, há menos minerais, mas há mais vida.
Por causa disso, quando se passa uma máquina, por exemplo, a terra é compactada, impedindo que o ar entre, que haja as trocas gasosas e que a dinâmica desses organismos continue adequadamente, explica Virgínia.
“A ideia fundamental é que nós temos que tratar a nossa terra tropical com as necessidades do nosso clima e solo, e não conforme a tecnologia importada”, disse Ana Maria em entrevista ao Globo Rural em 1983.
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Agrônoma Ana Maria Primavesi é referência para cientistas e agricultores
Muito respeitada na área, Ana foi convidada para ser a 1° sócia da Associação da Agricultura Orgânica (AAO). Contudo, vale frisar que agroecologia não é a mesma coisa que agricultura orgânica.
“A agricultura orgânica, a doutora Ana sempre falava que é uma agricultura que, de certa forma, não é ainda a ideal, porque ela troca o adubo químico pelo orgânico. A agroecologia já é uma agricultura que visa o solo vivo e que ele vai prover às plantas tudo o que elas precisam”, compara Virgínia.
A agroecologia consiste no manejo ecológico do solo, sem o uso de agrotóxicos, apenas sendo necessário repor a própria matéria orgânica, como folhas secas. “Tudo o que é morto você devolve ao solo”, exemplifica.
“Ela dizia que você tem que deixar o solo coberto", diz. A partir disso, os microsseres "fornecem para a planta o que ela precisa, não é o adubo”, completa.
A biógrafa recorda que, quando Ana deu início a este tipo de prática no Brasil, a agroecologia foi chamada de agricultura alternativa. No período, o conceito foi muito questionado. “Ainda teve que enfrentar a adversidade e as críticas de pessoas que falavam que ela não era cientista e não sabia o que estava falando”, conta.
Para Ana Maria Primavesi, “o segredo da vida era o solo”.
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