Agro: A indústria-riqueza do Brasil

Por Paula Salati, g1


Preço é maior limitador (62%) do consumo de orgânicos, segundo a Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis). — Foto: Sri Lanka

O mercado de alimentos orgânicos é um ramo em crescimento no Brasil e, só em 2020, avançou 30% em relação ao ano anterior, movimentando R$ 5,8 bilhões, segundo a Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis).

A busca por uma alimentação mais saudável e o aumento do consumo em casa por causa da pandemia de Covid-19 puxaram a alta do setor que, neste ano, deve avançar mais 10%.

As frutas, as verduras e os legumes são ainda os tipos de alimentos orgânicos mais consumidos no Brasil. E, no mundo, o país se destaca como o maior produtor de açúcar e acerola nesse modelo, diz a Organis.

São 25 mil produtores cadastrados no Ministério da Agricultura que estão, em sua maioria, na região Sul (40%). Em seguida, estão Nordeste (24%), Sudeste (22%), Norte (9%) e Centro-Oeste (5%).

Nos últimos anos, feiras, vendas on-line e assinatura de cestas reduziram a distância entre esses produtores e as pessoas, aumentando as chances de encontrar orgânicos por um valor mais em conta do que nos supermercados.

No entanto, o preço continua sendo o maior limitador (62%) do acesso a esses produtos, ressalta a Organis.

Nessa reportagem, vamos explicar:

  1. Por que os alimentos orgânicos são mais caros;
  2. Como os supermercados repassam preços;
  3. Como tornar os orgânicos mais acessíveis.

Produção de orgânicos — Foto: Arte/g1

Por que os alimentos orgânicos são mais caros

Existe um consenso internacional de que se paga 30% a mais por um produto orgânico em relação ao convencional, diz o diretor da Organis, Cobi Cruz.

E uma das razões para isso é que a produção orgânica tem uma responsabilidade socioambiental maior, que é prevista em lei e é fiscalizada, o que exige mais investimentos por parte do produtor rural.

Além de não usar agrotóxicos e nem cultivar transgênicos, uma propriedade de orgânicos é obrigada a manter práticas que preservem o meio ambiente e que respeitem os direitos dos trabalhadores.

Os agricultores que vão trabalhar na produção orgânica, por exemplo, precisam ter, todos, carteira assinada. E quem quer adotar o modelo tem como uma de suas obrigações fazer a conversão do solo: ou seja eliminar, por exemplo, todo o resíduo de agrotóxico presente ali, o que pode levar até três anos.

Além disso, o modo de produzir não pode contaminar o ar, o solo, a água e precisa respeitar as características sociais, culturais e econômicas da comunidade ao redor.

Essas e outras exigências estão previstas na lei 10.831 de 2003 e são fiscalizadas por empresas privadas certificadoras, autorizadas e acompanhadas pelo Ministério da Agricultura.

"A tecnologia de produção orgânica está em construção e por isso ela ainda é mais cara. Se você for comparar com produtores que não precisam assinar carteira de todo mundo, que não cuidam de Reserva Legal, de Área de Preservação Permanente, tem uma grande diferença de custo", diz o sócio-diretor da consultoria Agrosuisse, Fábio Ramos.

Produção menor

A agricultura orgânica nasceu e ainda é feita, em sua grande maioria, em pequenas propriedades. — Foto: Elaine Casap/Unplash

A agricultura orgânica nasceu e ainda é feita, em sua grande maioria, em pequenas propriedades, administradas, em muitos casos, por agricultores familiares.

Por isso, a produção é pequena, muito diferente das grandes lavouras de soja e milho, que geram uma enorme quantidade de alimentos, com o estímulo, por exemplo, de grãos geneticamente modificados, que são mais produtivos e resistentes a pragas e doenças.

E, neste caso, a conta é simples: quanto menor a quantidade produzida, maior é o seu custo.

"Uma das exceções, atualmente, é o açúcar orgânico. Seu preço é similar ao de um açúcar convencional porque tem escala. São grandes empresas que atuam no ramo, o que torna mais em conta também a logística e a distribuição do produto", diz Cobi, da Organis.

Ritmo de produção

Outro fator é que um alimento orgânico, no geral, demora mais tempo para ficar pronto. Todo o controle de pragas e doenças e a fertilização do solo são feitos de forma natural, por bioinsumos, que são microorganismos, como bactérias, fungos e plantas.

Esse tipo de manejo, chamado de controle biológico, tem um efeito mais lento do que os agrotóxicos e adubos químicos.

Outra característica da produção orgânica é que ela respeita a sazonalidade de cada alimento, ou seja, a estação e o clima mais adequados para o cultivo e a colheita.

Preço nos supermercados

Em geral, as grandes redes de varejo cobram 30% a 100% mais do valor pago aos produtores, a depender do alimento — Foto: Raul Gonzalez Escobar/Unplash

Por outro lado, nem sempre o que encarece o produto orgânico vem exclusivamente do campo. Além dos custos de transporte, tem também o preço que é cobrado pelos supermercados.

Em geral, as grandes redes de varejo costumam cobrar um preço 30% a 100% mais alto do que o valor pago aos produtores, a depender do alimento, diz Cobi.

Mas isso já foi bem pior no passado e motivo de muitos produtores do setor terem quebrado nos anos 2000, relembra Ramos, que também é diretor-geral do Sítio do Moinho, que produz orgânicos em Itaipava, no Rio de Janeiro.

No final dos anos 90, não existia uma cadeia bem estruturada para levar o produto orgânico para o mercado e isso fazia com que não houvesse um parâmetro de valor.

"O agricultor vendia o seu produto orgânico por um preço normal, mas as grandes redes de supermercados praticavam um overprice [sobrepreço] de até 250%", conta Ramos.

"Com isso, os produtores da primeira onda de orgânicos quebraram...não aguentaram o custo que era construir essa cadeia. Isso ajudou a construir uma imagem equivocada de que o produto orgânico tem que ser muito caro. Ele é mais caro que o convencional, mas ele não precisa ser muito mais caro", relembra.

O barateamento dos orgânicos começou a acontecer, por sua vez, quando eles entraram nas feiras livres, nos mercadinhos de bairro, a partir de 2005. "Em 2010, essa mudança já estava mais consolidada", diz Ramos.

As alternativas foram aumentando e, hoje, o consumidor tem muito mais chance de encontrar um produto mais em conta.

Além das feiras, a compra direta dos produtores passou a ser possível com as vendas on-line e deliveries de cestas de orgânicos, por exemplo, que cresceram muito durante a pandemia de Covid-19, lembra o Coordenador substituto de Produção Orgânica do Ministério da Agricultura, Claudimir Sanches.

"Os supermercados acabam colocando uma margem maior porque o orgânico tem um selo e sabem que o público que compra e que entra em uma grande rede tem convicção de que deve consumir este produto", diz Sanches.

"Mas isso varia muito, de região para região, da proximidade com o produtor. Quando você tira qualquer intermediação, o preço desse produto cai", acrescenta.

Como tornar mais acessível

Ganho de escala e mais acesso a insumos podem baratear orgânicos. — Foto: Markus Spiske / Unplash

Para Ramos, os orgânicos tendem a se tornar cada vez mais acessíveis com o ganho de escala, o que, na visão dele, passa pela entrada de grandes empresas agroindustriais no mercado.

"Isso aumenta a competição e a oferta de alimentos, não só de frutas, verduras e legumes. Temos hoje, por exemplo, a Nestlé produzindo leite em pó orgânico, a Sadia produzindo frango orgânico", diz Ramos.

Uma outra alternativa para aumentar a oferta de alimentos é a união de pequenos produtores e agricultores familiares em cooperativas, por exemplo (saiba o que são essas organizações aqui).

Além disso, a quantidade de bioinsumos no mercado é muito menor quando comparada à oferta de agrotóxicos e fertilizantes químicos , diz Sanches, do Ministério da Agricultura.

"Tem produto que o agricultor consegue fabricar na sua própria unidade, mas tem outros que não. Portanto, não conseguir acessar os insumos necessários, não só para controlar pragas, como também para fertilizar o solo, pode resultar em uma produtividade menor", explica Sanches.

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