Jorge Gerdau, 88 anos, lançou sua autobiografia “A Busca”, em Belo Horizonte (MG).
Bisneto do fundador da Gerdau, o empresário liderou a expansão da produtora de aço brasileira que nasceu como uma fábrica de pregos em Porto Alegre (RS), em 1901, e hoje é uma das maiores fabricantes de aço do mundo.
Um dos fundadores do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Jorge Gerdau não para de buscar.
Jorge Gerdau conta que o propósito do livro é "transferir um pouco da sua vivência, de um exemplo de educação e desenvolvimento econômico, e de outro lado essa amplitude de responsabilidade social, consciência de participar de um processo econômico com o desenvolvimento da comunidade".
Além disso, o executivo lista 23 palavras essenciais na publicação.
"No livro aparecem debates e análises sobre as principais frentes, seja na cultura, seja no esporte, seja na educação, na saúde e principalmente em tecnologias de gestão, são as várias frentes em que eu tenho trabalhado intensamente e sempre nelas com a busca".
Pioneiro, tendo sido responsável pela introdução do surf no Brasil, Jorge Gerdau avalia que o surfista nada mais faz do que dialogar com o mar.
No hipismo, o empresário, que também esteve na vanguarda ao trazer o cavalo de salto da raça alemã holsteiner para o Brasil, ensina que os melhores cavaleiros são os que conseguem melhor dialogar com o cavalo.
Defensor das tecnologias, o empresário avalia ainda que se não tiver uma educação básica boa não dá para construir pois uma casa precisa de boas fundações.
Outro ponto que ele destaca durante a entrevista é o índice de investimento e poupança.
Sobre a presença da Gerdau em Minas Gerais, Jorge Gerdau afirma que "Minas Gerais hoje é o ponto chave no nosso crescimento siderúrgico no Brasil. Então, nós estamos aqui de corpo e alma".
A seguir, a entrevista na íntegra com o empresário Jorge Gerdau:
HL: Esse livro chama muita atenção por vários ensinamentos. A gente estava conversando aqui antes e você disse que levou 3 anos para fazer um apanhado geral do que você queria colocar no livro, e chamou muita atenção 23 palavras aqui no livro, dentre elas amor, diálogo, respeito e várias outras. O que você quer mostrar para as pessoas com esse livro?
JG: O propósito do livro é transferir um pouco da minha vivência, de um exemplo de educação e desenvolvimento econômico, e de outro lado essa amplitude de responsabilidade social, consciência de participar de um processo econômico com o desenvolvimento da comunidade. Então, no livro aparecem debates e análises sobre as principais frentes, seja na cultura, seja no esporte, seja na educação, na saúde e principalmente em tecnologias de gestão, são as várias frentes em que eu tenho trabalhado intensamente e sempre nelas com a busca. É buscando conhecimento, buscando o benchmark, experiência mundial, e tentando absorver esse conhecimento para incorporar nas atividades em que eu tenho estado envolvido na vida. Então, praticamente o conceito é isso, e quando for falar e analisar essas frentes de trabalho que aparecem no livro, vem no final as 23 palavras. Eu não estava satisfeito com aquilo que tinha escrito, eu tinha um pouco de preocupação se realmente expressava toda a dimensão das minhas inquietações ou da minha vivência, e aí surgiu essa ideia de colocar 23 palavras, e nessas 23 palavras, com 4, 5, 10 linhas eu tento explicar um pouco mais a minha visão da vida e das coisas. Eu vou mencionar, vamos dizer as duas palavras principais, a primeira e a última, que são Respeito e Amor. Então, através da palavra Respeito eu acho que se caracteriza muito um conceito de como a sociedade, a comunidade tem que trabalhar, sem respeito nada anda, então culturalmente eu recebi, pela experiência meu pai, ele respeitava o menor colaborador dentro da empresa, da limpeza, o porteiro, da mesma forma como o principal engenheiro.
HL: Cumprimentava a todos, não tinha discriminação.
JG: É isso aí. Da parte, vamos dizer da palavra Amor, eu tenho convicção de que se não houver dedicação, não houver envolvimento emocional naquilo que a gente faz, a gente não dá o máximo. Então, a palavra Amor é uma dimensionadora, no meu entender, do com que intensidade ou com que emoção você está se envolvendo para viver ou construir as coisas. Então, essas duas palavras são um pouco, assim, os extremos das 23 palavras. Dentro disso tem outro tema importante que é o diálogo.
HL: Agora, quando eu vi a capa, Jorge, eu falei assim “gente, mas por que ele está com uma prancha de surf na mão?”, e eu fui ver a sua história, você praticava o surf, inclusive dá um destaque numa das frases, “quem surfa aprende o que significa dialogar e assim a entender o mar. Cair faz parte, saber levantar também”. Não é fácil, né? Às vezes a gente vê o pessoal caindo e não sabendo levantar.
JG: É interessante o surf, esses dois pontos, cair e levantar, isso faz parte. Na prancha até mais, a gente começa nadando e tem que se levantar, mas o tema mais interessante é a palavra diálogo. Eu vou te dizer, quando eu tive que escrever sobre o tema, de repente me veio essa lucidez de que o surfista nada mais faz do que dialogar com o mar, porque ele já acorda de manhã, de madrugada e se levanta e pensa “bom, que lugar hoje eu vou surfar”, é de onde vem o vento, como é que está o vento, como é que está o mar, então há esse diálogo com a natureza. E quando ele está no mar, ainda vai e nada da esquerda para a direita, mais fundo, mais raso etc. para achar o ponto. Então, no fundo ele faz um diálogo com a natureza, isso é uma coisa interessantíssima, e aí quando a gente começa a pensar sobre o diálogo, eu posso estender, vamos dizer, ao hipismo, os melhores cavaleiros são os que conseguem melhor dialogar com cavalo, com a embocadura ou senão dentro do movimento, e quanto mais você pensa na dimensão da palavra diálogo, eu digo que é a palavra mais importante que a humanidade precisa, nos conflitos que temos, só com o diálogo que se resolve. Então, é muito interessante que eu fiquei estimulado nessa tentativa de explicar o que é o surf e me veio essa análise, e aí depois, de repente, você analisando a dimensão que essas palavras têm. Então, a mesma coisa com a sociedade, sem respeito não vai, né, o respeito em tudo, nas leis, mas na relação humana é muito interessante. Então, de certo modo isso aqui resume ou explica um pouco do que eu procurei com o livro.
HL: Você surfava só nas praias brasileiras ou ia também naquelas ondas gigantes lá em Nazaré, Portugal? (risos)
JG: Eu surfei só no Brasil, mas tem lugares que tem ondas boas. Eu saí do Rio Grande do Sul, que praticamente não tem acidentes que ajudam as ondas, o único lugar é Torres, mas depois subimos a Santa Catarina e daí nos envolvemos muito nesse processo. E ainda a primeira prancha é de madeirite.
HL: Não tinha prancha dessas coisas que tem hoje, carbono, né, tudo leve.
JG: É isso aí. É uma evolução, como tudo na humanidade é, mas a primeira prancha eu comprei lá no Rio de Janeiro, cuidando do crescimento e desenvolvimento da Cosigua, usina lá no Rio de Janeiro, e aí conheci os surfistas da praia e conversando com eles aprendi sobre essa primeira prancha e fui adiante com esse processo, mas assim como o surf o resto das atividades tem sempre o mesmo procurar, aprender.
HL: Jorge, no livro também tem outra questão que eu acho que é importantíssima, dos professores que você teve, que eles foram importantes no desenvolvimento e crescimento da Gerdau. Você fala muito de educação e até aquela palavra que você usou no início, o benchmark, que o Brasil tinha que usar mais o exemplo de onde tem uma boa educação, do vamos aplicar aqui também, não é, que mal há nisso? Fez toda a diferença, não é, para você o privilégio da educação?
JG: Eu diria que essa palavra, benchmark, você tem que usar em tudo, mas onde nós mais precisamos, eu diria que é na educação. Tem duas coisas chave aqui no Brasil, onde nós estamos mais carentes: o avanço e o aprimoramento da educação, principalmente hoje com a evolução das tecnologias, se não tiver uma educação básica boa não dá para construir uma casa precisa de boas fundações. Então, nós estamos extremamente carentes ainda na melhoria da gestão, e aí tem que se usar tecnologias de gestão e que nem sempre são muito aceitas, mas nós já temos exemplos muito interessantes hoje que foram desenvolvidos no Brasil no campo da educação e que tem que ser replicados, pegar os melhores exemplos. E eu diria que o maior defeito, o maior problema, é que as tecnologias de gestão que se utilizam em tudo, na área de educação, normalmente, por diversos fatores não se utilizam as tecnologias de gestão, de remuneração variada, reconhecimento etc. E a prosperidade do Brasil vai passar pela melhoria da Educação Básica, principalmente nos Cursos Superiores, o mercado ajuda o desenvolvimento. E o segundo ponto, que é o índice de poupança e investimento. O país, vamos dizer, mais difícil e com maior sucesso hoje no mundo é a Índia, que tem uma poupança ao redor de 26%, 28% ao ano sobre o seu PIB e consegue crescer 6%, 7% ao ano, enquanto no Brasil nós estamos com 17%, em vez de 27%, nós temos 17%, consequentemente o país tem uma taxa de crescimento relativamente pequena e que é insuficiente, porque ela cresce mais ou menos em relação à população, pelo menos nos dias de hoje, e crescimento econômico é decisivo no aspecto de atender as demandas sociais.
HL: Você vê que a Índia, que começou no bloco dos BRICS junto com o Brasil, com a China, tem um avanço muito maior que o Brasil. Quer dizer, você diria qual seria o exemplo para a educação, para a gente sair desse estágio em que estamos?
JG: Eu, pessoalmente, assim como em todas as atividades, as tecnologias de gestão é que fazem as coisas melhor. Isso é dentro de uma empresa, dentro da sala de aula, num hospital, então realmente nós, pela estrutura política e burocrática que nós temos na educação, nós não potencializamos a capacidade humana para maximizar o efeito e a necessidade da educação.
HL: Quer dizer, não é só a questão da remuneração do professor, mas também olhar o aluno e o que ele precisa.
JG: Eu diria que estabelecer remuneração variável. Um professor que se dedica mais e consegue mais tem que ser premiado.
HL: É a meritocracia que é tão difícil de se colocar, a gente vê os governos tentando colocar isso no setor público…
JG: Isso no fim é uma lei natural, você vê essa lei funcionando no reino animal e na vida. Quem trabalha mais vence, e a remuneração variada e as tecnologias de promoção e estímulos humanos são decisivas para o processo de educação, isso funciona em qualquer atividade, então na educação é mais importante do que qualquer outra atividade.
HL: Jorge, tem uma questão também, a área cultural, que você sempre deu muito destaque. O Museu Iberê Camargo no Sul do país, o Museu das Minas e do Metal Gerdau (MM Gerdau) aqui em Belo Horizonte, na Praça da Liberdade, quer dizer, você sempre foi um apoiador da cultura. É pela cultura, também, que o ser humano vai tendo esse valor agregado?
JG: Para mim é um raciocínio relativamente simples, mas a verdade é a seguinte: a cultura é o patamar mais elevado da educação, certo? Então, aí os patamares elevados de cultura puxam o processo de evolução e educação, então vamos dizer, através de polos culturais é que você consegue fazer uma mobilização na busca da evolução em qualquer campo, e consequentemente vamos ver que ao você enxergar isso é preciso apoiar a cultura, que a cultura é um fator que puxa o restante.
HL: A gente vê que você sempre teve um histórico na área social muito grande e uma cultura que se estende da própria Gerdau, do seu bisavô, do seu avô, do seu pai de sempre incentivar, Você citou casos como a reforma do telhado, e a gente vê até hoje a Gerdau, por exemplo, no Rock in Rio, o palco feito de aço à base de sucata. Quer dizer, é a própria base da Gerdau, com o trabalho da sucata, dos catadores de sucata, 70% do aço produzido a partir da sucata, a limpeza da cidade, a economia circular, qual é esse seu papel de incutir isso na cabeça de outros empresários também para que tenham essa cultura?
JG: Eu vou relatar uma pequena história: nós começamos na década de 1980 com o professor Fargoni, que era professor de Metalurgia e Siderurgia aqui em Minas Gerais e dá consultoria para nós na siderurgia, e aí ele começou a fazer contato com o Japão, com o sistema de tecnologia de gestão TQC - Tóquio Quality Control. Dentro desse processo, nós absorvemos isso e engenheiros nossos acompanharam o Fargoni nas suas primeiras viagens. Quando retornaram, um de nossos principais engenheiros disse “Jorge, como é que tu queres que um operário nosso que mal e porcamente tem um 3° ano primário, e o operário japonês tem uma educação de 10, 15 anos e concursos de especialização…” quando numa reunião de final de ano, naquela dos anos 80, quando ele disse assim “bom, nós vamos ter que educar e capacitar nossa gente, porque se eu quiser atingir patamares de produtividade igual aos melhores do mundo, é educando o pessoal”. Então, nós começamos a nos preparar e preparar cada vez mais, educar nossas equipes humanas na tentativa de atingir patamares de produtividade semelhantes ao mundo. Então, na realidade, e isso é o interessante, a minha convicção educacional vem absolutamente da análise da realidade da vida. Quer dizer, eu via os melhores do mundo, o exemplo, então esse choque que recebemos nesse momento me fez ver que sem educação o processo não anda, né. E aqui na nossa usina em Minas.
HL: Em Ouro Branco, que é uma das maiores.
JG: A nossa maior usina ali 97% dos nossos operários tem o 2° grau, isso foi trabalhado também, o educar.
HL: É estimulado, né?
JG: Estimulado e é um pedaço do processo. Por isso quando eu menciono os dois temas, educação e investimento e poupança são os dois fatores mais importantes que nós todos do Brasil temos que nos dedicar.
HL: E por que você acha que ainda falta esse índice de investimento e poupança no Brasil tão satisfatório quanto em outros países?
JG: O problema é um pouco cultural, um pouco próprio do processo de governança de 4 anos que faz com que os políticos trabalhem a curto prazo, e essa evolução de atraso tecnológico da gestão em que nós fizemos esse levantamento do MBC (Movimento Brasil Competitivo) e chegamos a esse número de R$ 1,7 trilhão desdobra, assim, vamos dizer, são 12 frentes, mas 5, 6 são chave no aspecto que pesam R$ 400 milhões, R$ 500 milhões por assunto, vamos dizer, energia tributária, logística, educação. Então, na realidade, hoje já existe um conhecimento, uma cultura, então depende essencialmente de uma decisão política. Eu tenho tentado… hoje no Congresso se criou uma Frente Parlamentar sobre o problema de produtividade e custo, com 280 deputados envolvidos, e dentro do Ministério da Indústria e Comércio se criou também uma Frente de Custo Brasil. São frentes tecnológicas, mas no fim o sucesso vai passar por uma maturação política, que esse é o caminho que precisamos seguir e os países do mundo estão mostrando, onde é que se tem sucesso é muito interessante, vamos dizer, uma Coreia do Sul há 25 anos atrás tinha o patamar igual ou pior que o Brasil e foi através da educação que eles deram o salto. Então, esse tema da educação aqui no Brasil normalmente é tratado muito como política.
HL: Não é prioridade ainda aqui? Você sente isso ou não é bem assim?
JG: Eu acho que a discussão de educação com prioridade mais ou menos está difundido. O que tem que se fazer é tecnologia de gestão nessa área, e como é uma área muito sensível politicamente, eles se protegem, vamos dizer, não existem consciência de que esse rompimento só vai acontecer se houver tecnologias de gestão, premiação de produtividade etc., então, é uma maturação necessária. É a mesma coisa sobre o índice de poupança e investimento, são dois fatores chave que podem fazer com que o sucesso ande, e é interessante a experiência, analisando o Brasil, a capacidade existe. Se nós tomamos hoje o setor primário há 20 e poucos anos atrás o Brasil importava comida, hoje somos grandes exportadores, isso foi conquista exclusivamente da nossa gente com tecnologias desenvolvidas por instituições do governo e gestão, gestão e gestão. Então, isso é a maior prova que existe, se você tomar muitas empresas que existem no Brasil, mesmo microempresas, elas têm patamar de produtividade fantástico. Agora, se pega a estrutura tributária, os empecilhos, as dificuldades, então no fundo é uma macro decisão política. O que nós queremos atingir?
HL: Você falou aí sobre o agronegócio, o desenvolvimento, e outro dia eu vi em uma pesquisa que na China, atualmente, metade do que os chineses comem vem do Brasil, e a China é aquela questão, né, ela incomoda muito o setor de aço, ela é um dos grandes problemas para a competitividade para o nosso aço estar aí no mundo e a internalização desse aço aqui, não é? Quer dizer, a China, muitos dizem que ela não é uma economia de mercado, mas essa questão bilateral, nós dependemos dela nessa pauta de exportação e ao mesmo tempo ela tem essa questão nociva no aço. Como você considera a China? O que vai ser o nosso futuro em relação a ela?
JG: A China inteligentemente captou o empresariado do mundo das melhores empresas e estão trabalhando dentro de economia de mercado. Agora, se você toma setores específicos com macro participação de estatal, as regras do mercado não funcionam, e tudo que tem desvirtuamento de regras de mercado é tremendamente difícil gerenciar. Então, no Brasil ninguém aguenta trabalhar com prejuízo, a empresa fecha. Eles (China) estão trabalhando com prejuízos gigantescos e a empresa não fecha, esse é o defeito da estrutura estatal e é um tema macroeconômico muito complexo, porque países que trabalham por regras econômicas de economia de mercado e contra países que trabalham com políticas econômicas estatais, da guerra internacional, são fatores e regras não iguais e isso é um dilema complexíssimo que no momento nós estamos vivendo no aço, mas tem dezenas de outros setores, inclusive hoje na indústria automobilística, tem problemas nessa área da celulose, e outras áreas têm problemas semelhantes. Conforme o momento, como a China está vivendo um problema enorme no setor aço, ela está saindo mundo afora e perturbando, e se as regras macroeconômicas não são as mesmas torna-se politicamente muito difícil como trabalhar.
HL: Ou seja, vai precisar de muito diálogo aí, principalmente agora com o Donald Trump entrando na presidência dos Estados Unidos, ter um diálogo internacional para chegar a um consenso.
JG: É, o Donald Trump é uma figura importante nessa perturbação do processo mas é um tema que macroeconomicamente não está resolvido, porque quando países que nem a China, que tem custos sociais pequenos, porque os processos sociais são pouco assistidos e tem muito recurso, pode-se permitir de fazer políticas econômicas desequilibradas.
HL: A questão da cumulatividade tributária que você fala muito também no Movimento Brasil Competitividade, tentando incutir essa questão, a gente tem aí 30 anos de discussão de Reforma Tributária, ela vai resolver essas questões? Você acredita que o nosso IVA (Imposto sobre Valor Agregado), do jeito que está indo aí, vai ser um dos maiores do mundo e nós vamos continuar a esperar dias melhores?
JG: A decisão do IVA é importantíssima, agora, o IVA nosso já vai ser o IVA mais caro do mundo. O IVA normal do mundo gera entre 20% e 21%, tem países com números abaixo ainda, com 16%, 15%, então na realidade a tecnologia do IVA é muito boa, é um avanço fantástico que o brasileiro está fazendo. A introdução é complexa e, vamos dizer, lenta, mas é necessária. Agora, na realidade, nós estamos fazendo isso no IVA, mas se nós tomarmos os Custos Brasil nas outras frentes nós temos problemas semelhantes ao IVA e mais meia dúzia de setores que têm que ser atacados que nem estamos fazendo com o IVA para realmente tornar o país socialmente mais justo e mais competitivo.
HL: Eu queria ainda falar sobre essa sua experiência no cavalo. Você investiu em famílias da raça para ter um conjunto aqui altamente vencedor, quer dizer, a gestão também funciona em qualquer coisa, é um cavalo alemão, é o holsteiner, que é o melhor cavalo de salto do mundo. Você trouxe para o Brasil, trouxe a genética toda, ganhou 7 medalhas nas Olimpíadas, 8 medalhas no Pan Americano, é uma coisa que quando tem gestão a gente vê que funciona em qualquer negócio, não é?
JG: Eu diria que adorei essa sua observação, porque realmente o problema é de gestão. Eu pesquisei as regiões de criação, lógico que fui nos holsteiner, porque o holsteiner é a última província ao lado de Hamburgo, a família Gerdau é de Hamburgo, então é lógico que nessa discussão… porque é um tema complexo, cada um defende a sua raça, a raça francesa diz que é melhor… eu optei pelo holsteiner e acho que não me enganei, pelos resultados, inclusive agora, nos últimos anos, a raça holsteiner tem feito primeiros lugares, mas o importante nesse tema também, eu tive o privilégio de ter um amigo meu lá que era o gerenciador dos holsteiner e me ajudou a aprender isso. O cacoete de tentar fazer o melhor, buscando o autoconhecimento, eu utilizei na criação dos cavalos da mesma forma e tive esse sucesso na seleção, busquei apoio tecnológico e consegui. Então, na realidade, seu posicionamento é estimulante, mas eu digo o seguinte: o que o Brasil conquistou na agricultura dá um orgulho, nós mostramos que é coisa do povo trabalhando, lógico, com tecnologia de pesquisa, mas é um importante feito. Essa instituição foi inventada pelo Professor Cirne Lima, de fazer essa pesquisa e isso nos deu esse fruto, mostrou a capacidade. Então, se nós conseguimos na agricultura, que não é uma coisa, é em todo o território, em que nós não podemos conseguir? Podemos conseguir tudo! É inteligência de gestão e propósito de atingir o objetivo. Então, na minha opinião, nós temos que ter a humildade de enxergar, vamos buscar isso, mas aonde? O ponto mais importante é a educação, não adianta eu fazer melhores cavalos ou mesmo a melhor arquitetura, eu tenho que dar uma base educacional. Então, o esforço e a busca dessas soluções com tecnologias eu acho que é o maior desafio, principalmente em respeito aos mais pobres e às crianças.
HL: Sim. Eu me lembro de ter feito uma entrevista com o Gustavo Werneck, que é o atual CEO da Gerdau há mais de 5 anos, e ele falava como que eu posso ir para o aeroporto ver crianças, ver famílias morando debaixo dos viadutos e não fazer algo para devolver o que a empresa criou de riqueza, teve de riqueza no Brasil, né. Além dessa questão da cultura, eu tenho visto a Gerdau fazendo essa questão nas favelas, com a Gerando Falcões, com o Edu Lira, que nasceu na favela, o déficit habitacional, reformando… Isso mostra que a empresa tendo esses braços todos na gestão, ela dá um exemplo e o país pode copiar também?
JG: Eu acho que se você tomar ou dizer das minhas vivências e olhar a evolução de atividade de responsabilidade social do empresariado, ela cresceu fantasticamente, no meu entender. O próprio pensamento extremo do liberalismo mandava o empresário focar só na maximização do lucro. Hoje, se estende esse conceito para extensão da área social, isso é uma evolução evidente e necessária. Então, as evoluções macropolíticas eu acho que nos leva neste sentido. Agora, o importante é nós no campo político do Brasil estabelecer metas nas diversas frentes que são decisivas para realmente criar uma justiça social que todo mundo aspira.
HL: Essa justiça social, assim, o que você fala com o Governo? Você conversa com o pessoal do Governo até mesmo por meio do Movimento Brasil Competitivo (MBC), o que você sente dessa contribuição que você pode dar ainda mais além de toda essa sua trajetória empresarial?
JG: Eu, no momento, estou trabalhando num processo de gestão total no Estado de Pernambuco. Já fizemos há uns anos e toda realidade é de entusiasmar, porque foi conseguido o apoio para isso e se busca eficiência e produtividade. Nós já ajudamos muito no processo do Judiciário também de melhorar, e houve melhorias de 10%, 15% de produtividade, redução de custo etc. Então, gradativamente com o MBC nós tentamos ajudar, mas no fundo, na estrutura política do país, tem que entrar com uma clareza absoluta, nos falta discutir onde é que queremos chegar. Eu pessoalmente acho, eu digo que nós devíamos tentar atingir em 10, 15 anos, um patamar de renda per capita no mínimo igual a Portugal, no mínimo, com isso conseguir uma educação que não nos constranja de conviver dentro de situações que temos hoje. Então, isso tem que ser uma meta, um propósito de todos nós e eu tenho certeza que o Brasil pode atingir, por isso eu dou esse exemplo de que já se atingiu na agricultura. Se alguém dissesse há 20 anos atrás que nós íamos ser um dos maiores exportadores de vários produtos, isso foi feito com a nossa gente, com nossa tecnologia, porque é uma tecnologia peculiar às nossas condições climáticas. Então, se nós conseguimos aí, onde não é possível conseguir?
HL: Com a diversidade que a gente tem, não é? Agora, não dá mais para ficar vendo esse abismo na renda do trabalhador e pobreza num país tão rico como o Brasil. E é uma coisa que não dá para terceirizar também, todos nós somos atores nisso, não é?
JG: Cada um de nós faz parte, não só na execução, mas principalmente na filosofia política. Agora, eu diria o seguinte, eu volto ao índice, dou duas coisas sobre chave, no MBC nós temos um mapa de todas as frentes de estudo, duas coisas: Educação Básica e em segundo lugar, novamente, Índice de Poupança e Investimento. O Índice de Poupança e Investimento na esfera pública está aí em 1,5%, aí não sai do lugar.
HL: É, onde tem o dinheiro aí para fazer os investimentos, para atrair investidores…
JG: Reduzir custo e eficiência para que haja dinheiro para investir.
HL: Que é o que está sendo discutido atualmente, mas é uma conta difícil de fechar, mas dá para fechar, não é?
JG: Dá para fazer.
HL: A própria Gerdau foi diversificando os ativos, foi diversificando atuação, presença em diversos países, mais de 10 países.
JG: Olha o melhor benchmark do mundo, é a busca.
HL: É a busca sempre, né! E você pensa em fazer mais livros, Jorge?
JG: Eu estou esperando como é que vai ser a receptividade. (risos) Eu, hoje, nesse momento, eu dei desse livro muito da minha capacidade, emoção, dedicação, então eu não sei se eu vou fazer outro livro. Nesse momento eu não estou pensando nisso, eu estou curioso para ver a receptividade que tem.
HL: Jorge, o que você espera do país nos próximos anos, na próxima década? Já que você vai viver muito, vai cuidando da sua saúde.
JG: Eu acho que o processo político tem que ser maturado, mas se você olhar hoje o nível dos governadores que nós temos no Brasil e comparar de 10, 20 anos atrás, eu digo que há uma melhoria impressionante. Se essa cultura que hoje já existe na maioria dos Estados, está existindo e é realmente impressionante, tem nomes de muita qualidade. Eu acho que na esfera global do país provavelmente vamos ter essa melhora de baixo para cima que está acontecendo, acho que poderão atingir o país todo e aí nós vamos ser vencedores, temos um país que pode ser o melhor país do mundo.
HL: E aí agora é atuação de todos, né. Em Minas Gerais, para terminar, a Gerdau possui a maior operação dela, atualmente no Brasil? Tem um emblema ‘mineira de coração’. Tendo nascido no Rio Grande do Sul, para você qual é a importância de Minas Gerais na sua história e na história da Gerdau?
JG: Como trabalhamos em siderurgia, né, então Minas Gerais fica evidente, pela localização, pela matéria-prima que tem e também tem uma cultura de trabalho, no meu entender, muito interessante, muito boa. Então, realmente para nós, vamos dizer, Minas Gerais hoje é o ponto chave no nosso crescimento siderúrgico no Brasil. Então, nós estamos aqui de corpo e alma.
HL: Você está satisfeito com os rumos que a empresa está tomando, mesmo não estando hoje à frente como presidente, que você foi durante tanto tempo.
JG: Tiveram anos em que eu trabalhava uma semana sim outra não, durante muitos anos acompanhando detalhadamente e eu tenho um certo vínculo emocional, porque quando a gente trabalha junto e constrói junto cria-se essa proximidade.
HL: É a cria, é aquele amor da cria.
JG: E eu acho que esse potencial em Minas Gerais existe, sabe, eu tenho muita confiança em Minas.
HL: O ativo florestal todo dela está aqui, né, o maior da América Latina, mais de 250 mil hectares de florestas plantadas, certificadas, as usinas todas, modernização e tudo, e a geração de empregos… Então, quer dizer, é muita capacidade.
JG: Tem uma capacidade muito grande. E eu me sinto muito bem em Minas.
HL: É, né, você gosta de vir aqui comer o pão de queijo. (risos)
JG: Meu coração está emocionado de estar aqui conversando com você.
HL: Ah, gente que delícia! Eu também, porque para mim você é uma referência e uma das frases, assim, que eu mais guardei no jornalismo que você falou era a questão do país numa corrida sair com um saco de 40 quilos nas costas, enquanto os outros países saíam correndo sem as burocracias, sem essa carga pesada, essas amarras.
JG: E esse peso diminuiu muito pouco, temos que diminuir mais rapidamente.
HL: Pois é, eu fico triste com isso da gente não ter avançado tanto.
JG: É a condução da liderança política. Em primeiro lugar esses dois fatores que eu te falei: Educação Básica e Índice de Investimento.
HL: Mas é a gente acreditar, porque o país, você mesmo fala, é o melhor lugar do mundo, o Brasil. Então, vamos adiante com esse olho super animado!
JG: Vamos botar esse nosso entusiasmo no chão da fábrica.