Sobre armas

Sobre armas

Alguns debates importantes para a vida do povo brasileiro estão sendo reduzidos a polêmicas ideológicas. Lamentável. O jogo de cena prossegue e dá eco. De fato, mas de fato mesmo, seguirá tudo como dantes no quartel d’Abrantes.

Oscar Bessi

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Alguns debates importantes para a vida do povo brasileiro estão sendo reduzidos a polêmicas ideológicas. Lamentável. As polêmicas ideológicas – e uso o termo forçando a barra, porque, na verdade, não passa de mero partidarismo, quase sempre despido de uma coerência mínima, da parte de lá, de cá ou de acolá que mereça, por mérito e conteúdo, a cobertura do significado amplo desta belíssima palavra da nossa língua portuguesa que é a “ideologia”. Na verdade, uma ciência, como propôs o filósofo francês Destutt de Tracy, onde a origem das ideias humanas vem das percepções sensoriais do mundo externo, ou seja, uma atividade filosófico-científica com seus resultados quase nunca imediatos. Não assim, visceral e rasa. É como surge novamente na pauta a questão das armas no cotidiano do cidadão brasileiro. Com debates bem rasos e defesas péssimas para argumentos confusos.

As mortes violentas, causadas por arma de fogo, são, há muito, um problema que aflige o povo brasileiro. O estatuto do desarmamento, vamos combinar, não conseguiu mudar muita coisa em termos de realidade. Mas isto não é novo para nós: a Lei Maria da Penha não consegue estancar de vez os feminicídios, a legislação antidrogas não impede nossos jovens de embarcarem todos os dias neste barco furado e as lies de trânsito não mudam radicalmente as estatísticas mortais das nossas estradas. Entraram e saíram governos, com bandeiras distintas de restrições ou liberações ao porte de arma, e ao fim das contas o brasileiro segue cercado por facções criminosas armadas até os dentes. Francamente, não creio que, só para abordar um dos temas polêmicos sobre o tal projeto de lei que altera o Estatuto do Desarmamento, armas irregulares brotarão como formigas no jardim quando se joga um pirulito na grama. Não vejo criminosos das principais facções brasileiros felizes e contentes procurando órgãos públicos e pedindo aos burocratas que regularizem suas centenas ou milhares de fuzis, pistolas e tudo mais que compram no mercado negro.

Há outros pontos terríveis, como alguns tipos de criminosos serem liberados para adquirir armas sem qualquer incômodo. E a intenção inicial parecia ser até boa: destinar armas apreendidas com criminosos às forças de segurança pública. Mas a proposta caiu na arena das dramaturgias e agora está deste jeito. O jogo de cena prossegue e dá eco. De fato, mas de fato mesmo, seguirá tudo como dantes no quartel d’Abrantes. Criminosos seguirão dominando cada vez mais locais onde o estado se ausenta, ou se acovarda, ou se vende, e farão isto com seu arsenal de armas ilegais. Sem a mínima vontade de perder tempo regularizando nenhuma delas. Seguirão matando, ameaçando, corrompendo. E negociando novas armas diretamente das fronteiras. E é aí que a vontade pública devia estar concentrada. Nos gigantescos corredores de ingresso para as armas que matam inocentes neste país todos os dias. E que nunca serão apresentadas para regularização.


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