'Fugi da polícia por 19 anos com minha família depois de roubar R$ 5 milhões'
- Author, Por Claire Bates
- Role, BBC News
Há cinco anos, uma mulher entrou em uma delegacia em Ozark, no Estado americano de Missouri, e denunciou que seu sogro era um fugitivo da polícia.
Era o fim da linha para o britânico Eddie Maher, que estava foragido - com a esposa e os filhos - havia 19 anos.
Tudo começou em janeiro de 1993, quando Eddie Maher, motorista da empresa britânica de transporte de valores Securicor, fugiu do Lloyds Bank, em Felixstowe, dirigindo um carro-forte com 1,2 milhão de libras (cerca de R$ 5 milhões na cotação atual). E desapareceu.
Tornou-se um dos homens mais procurados do Reino Unido. A polícia seguiu pistas do Chipre ao Caribe, mas não encontrou nenhum vestígio de Maher - ou do dinheiro -, apesar de ter oferecido uma recompensa de 100 mil libras.
Como ele conseguiu fugir por tanto tempo? A resposta a essa pergunta inclui muitas mudanças de casa e disputas familiares. Mas Maher, hoje com 61 anos, resume de forma simples.
"Você consegue escapar da cadeia se não for bobo", conta ele. "A maioria das pessoas é pega porque é muito extravagante."
Ele foi bem-sucedido por quase duas décadas. E escolheu fugir aos EUA porque acreditava ser o lugar mais fácil para se esconder.
"Os Estados Unidos são um país enorme e todos falam a mesma língua, então você não se destaca", explica. "Viajar era mais fácil naquela época (nos anos 1990). Foi antes do 11 de Setembro e não havia tantas barreiras de segurança."
O bombeiro que virou motorista voou de classe executiva do aeroporto de Heathrow, em Londres, para Dallas, algumas semanas após o roubo. Ele carregava uma mala com notas de dinheiro embrulhadas em toalhas e um passaporte falso em nome de Stephen King.
Maher estima que tinha cerca de 125 mil libras - o restante do montante teria ficado, segundo ele, com a gangue que o teria pressiondo a cometer o crime (a polícia sempre rejeitou, no entanto, a alegação de que ele estaria agindo sob coação).
Ele havia enviado a companheira, Debbie Brett, e o filho, Lee, de férias para Boston algumas semanas antes. E só contou para ela que estavam em fuga quando se encontraram em um local pré-combinado no aeroporto de Dallas.
"Ela não ficou muito contente quando eu contei. Mas somos um casal e ela é minha melhor amiga", diz. "Além disso, eu a convenci de que poderia retomar contato com a família após um tempo".
Na verdade, Maher sabia que seria muito arriscado conversar com os parentes no Reino Unido. Ele só telefonou para casa uma vez durante esses 19 anos. Foi uma ligação para sua mãe doente, realizada um ano após ter desaparecido.
"Foi difícil ficar sem ver a família, especialmente para a Brett. De vez em quando, eu sentia uma pontada de arrependimento, mas tinha certeza de que estávamos melhor assim", afirma.
Após passarem algumas semanas avaliando as opções, Maher e Brett se estabeleceram com o filho em Woodland Park. A pequena cidade no Colorado ficava longe da rota dos turistas, o que reduzia o risco de serem reconhecidos. E, como o local crescia rapidamente, os novos moradores foram aceitos sem precisar responder muitas perguntas.
Eles compraram com dinheiro vivo uma casa de quatro quartos e logo se integraram à comunidade. O comprovante de residência foi suficiente para que Lee fosse matriculado na creche e, mais tarde, na escola primária.
O casal se apresentava como Stephen e Sarah King. De acordo com seus disfarces, Stephen era um vendedor de fotocopiadoras da cidade britânica de Essex que tinha vendido seu negócio e estava decidindo o que fazer em seguida.
Quando as pessoas perguntavam sobre família e amigos no Reino Unido, eles tinham um discurso ensaiado:
"Nós dizíamos: 'Eles são sempre bem-vindos a nos visitar", se recorda.
"Nunca foi fácil contar essas histórias. Eu odiava mentir todos os dias, mas não tínhamos escolha", acrescenta.
O casal saía para caçar e pescar com os vizinhos. Brett era voluntária na creche e Maher participava da equipe de busca e resgate na montanha. Ele também fez amizade com pessoas no aeródromo local e recebeu aulas de voo em troca de dirigir o caminhão de combustível. Ele comprou mais tarde seu próprio avião, um Piper Warrior, que alugava para a escola de voo.
"Esconder-se à vista é mais fácil", diz.
Maher gostava da vida no Colorado, mas vivia sob a constante ameaça de ser capturado. Embora suas crises de paranoia e ansiedade tenham se tornado menos frequentes ao longo do tempo, elas nunca desapareceram completamente.
Em 1994, Maher e Brett se casaram sob seus nomes falsos em Las Vegas, adquirindo uma certidão de casamento - outro documento útil que ajudaria a confirmar suas identidades falsas.
Maher também frequentou a autoescola, embora tivesse sido motorista por décadas, para obter uma carteira de habilitação em nome de Stephen King. Ele usou o documento para abrir uma conta bancária.
Além disso, falsificou uma certidão de nascimento na Califórnia para Lee e solicitou um cartão de seguridade social para que ele pudesse trabalhar quando crescesse. No entanto, não chegou a conseguir um passaporte para o filho. Para isso, precisaria de uma certidão de nascimento original.
Outro documento que Maher não conseguiu foi o green card, sem o qual nem ele nem Brett poderiam trabalhar.
"Procurei empregos que não precisassem de documento de identidade, como fazem os imigrantes ilegais. Mas não havia muita opção, a não ser que quisesse colher laranja na Califórnia", diz Maher.
Quando suas reservas monetárias diminuíram, Maher ganhou algum dinheiro jogando blackjack em Las Vegas. A família também se mudou para uma casa menor e vendeu seu avião. E foi quando o comprador só pagou um quarto do valor combinado pela aeronave que Maher percebeu que era hora de ir embora.
"Quando pedi o dinheiro, ele disse: 'Acho que há algo estranho em você. Talvez eu chame a polícia'", se recorda Maher.
O casal se mudou então para Concord, em New Hampshire. Ao mesmo tempo, Maher desistiu de ser Stephen King e colocou em prática um plano arriscado para assumir uma identidade diferente.
"Meu irmão, Michael, tinha se casado com uma americana anos antes, mas se mudado para o Reino Unido. Eu sabia que ele tinha um green card legítimo e eu tinha todos os detalhes dele", diz.
Assim, Maher escreveu às autoridades se passando por Michael, dizendo que tinha perdido seu green card. Em pouco tempo, recebeu um cartão substituto pelo correio. Maher solicitou então uma carteira de motorista profissional em nome do irmão e começou a trabalhar como motorista de caminhão.
Com uma renda estável, Maher e Brett se acomodaram em Concord. Ele começou a treinar a Little League de beisebol e, em 1997, o casal teve outro filho, Mark. Eles se tornaram amigos de um casal que tinha uma casa de veraneio em um lago da região, a qual costumavam frequentar.
Um ano depois, Maher conseguiu um emprego para instalar sistemas de TV da Nielsen, usados para medir a audiência de programas televisivos. Para isso, só precisava de uma referência do Reino Unido, que forjou.
A família ficou em New Hampshire por cinco anos. Mas, após os ataques de 11 de setembro, a curiosidade dos vizinhos em relação a eles começou a aguçar.
"Chegou ao ponto de nossos amigos brincarem: 'Vocês devem estar no programa de proteção a testemunhas'. Percebi que talvez fosse um sinal de que já estávamos ali havia muito tempo", conta.
Ele então conseguiu uma promoção na Nielsen, e a família se mudou para Dunedin, na Flórida.
Maher passou a fazer suporte técnico e Brett começou a trabalhar em uma empresa de limpeza. Eles alugaram uma casa perto da praia e visitavam a Disney fora da alta temporada, para reduzir o risco de encontrar turistas britânicos.
Após alguns anos, Maher e Brett decidiram buscar um lar permanente. Em 2008, o casal se mudou para a pequena cidade de Ozark, no Missouri, onde Maher conseguiu emprego como técnico de banda larga e Brett passou a trabalhar em uma agência imobiliária.
Só que eles começaram a acumular dívidas no cartão de crédito, e Maher acabou declarando falência em 2010. Mas não foi isso que levou à sua exposição. Seu ponto fraco acabou sendo o próprio filho, Lee.
Na adolescência, Lee começou a fazer perguntas sobre seus parentes ingleses e a se rebelar, segundo Maher, quando não obtinha respostas diretas - embarcando em uma série de relacionamentos-relâmpago e se metendo constantemente em confusão.
"Meus filhos tinham uma boa educação. Ensinei eles a serem cidadãos seguidores da lei. Mas quando Lee chegou à idade de ser obstinado e estúpido, começou a nos pressionar", conta.
"Ele era um problema e, no final, foi esse problema que fez tudo vir à tona", acrescenta.
Lee conheceu e se casou com Jessica Butler, mas logo começaram a se desentender. De acordo com Maher, certo dia Lee ficou bêbado e disse a Jessica que achava que seu pai era um fugitivo. Maher acha que Jessica fez uma busca na internet e encontrou notícias antigas sobre o assalto e a recompensa.
Em 6 de fevereiro de 2012, ela entrou na delegacia de polícia de Ozark e disse que sabia o paradeiro do fugitivo britânico "Fast Eddie" Maher.
Ao ser descoberto pelas autoridades, Maher reagiu, segundo conta o agente do FBI Jeffrey Atwood.
"Maher disse a seu filho que eles teriam que se mudar novamente e ameaçou matar a pessoa que avisou a polícia sobre sua identidade", diz.
Mas Maher decidiu não fugir. Em vez disso, abriu o jogo com os filhos.
"Meu nome verdadeiro é Eddie", disse. "E sua mãe não é Sarah, é Debbie".
Em julho de 2012, Maher foi extraditado para o Reino Unido. Oito meses depois, foi condenado a cinco anos de prisão por roubo. Foi solto em janeiro de 2015.
"Eu não resmungo, eu não digo que não cometi o crime. Eu paguei por isso", afirma.
E filosofa sobre os 19 anos que passou foragido.
"Eu não me arrependo da minha vida na América. Meu segundo filho nasceu lá e se eu não tivesse passado por isso, talvez ele nunca tivesse nascido. Essa foi minha vida e nos adaptamos", avalia.
Ele gostaria de voltar aos EUA, desta vez como Eddie Maher. Mas sua condenação impossibilita isso.
Ele não quer, no entanto, ficar no Reino Unido e busca um lugar ao sol - quem sabe a Espanha ou Chipre.
"Vamos ficar na nossa", diz ele, "e desfrutar um pouco da aposentadoria".