O que explica nosso fascínio com Frankenstein, 200 anos após sua criação?
- Author, Lucy Todd
- Role, BBC
Este ano marca o 200º aniversário da publicação do clássico Frankenstein, romance de Mary Shelley (1797-1851) que teve sua primeira edição impressa em janeiro de 1818.
Shelley escreveu a obra aos 18 anos, após ser desafiada pelo poeta romântico Lord Byron (1788-1824) a criar uma história de fantasma. O resultado teria um impacto monumental e seria a semente de onde surgiria um ícone da cultura popular.
O romance foi publicado inicialmente sem o nome da autora e recebeu críticas mistas, mas começou a se destacar ao ser adaptado por companhias de teatro alguns anos depois. Mas foi no cinema que tornou-se um fenômeno. O primeiro filme foi feito em 1910 - desde então, houve cerca de 150 outras versões em diferentes meios.
O que faz com que essa história seja um sucesso ainda hoje? E quão fiéis sãos as adaptações modernas em relação ao romance original?
'Um livro para adolescentes por excelência'
Os filmes de terror estabeleceram a ideia de Frankenstein como a história de um monstro assassino e irracional criado pelo homem. Mas a criação de Shelley era bem diferente.
"Shelley lida com os mesmos temas tratados pelos gregos", diz Patricia MacCormack, professora de Filosofia da Universidade Anglia Ruskin, no Reino Unido, e autora de estudos sobre obras de terror.
"As boas versões cinematográficas trazem a mesma visão crítica sobre a vida, a nossa busca por propósito e os papéis que desempenhamos. O monstro não escolheu existir e questiona sua própria existência: 'Como me torno uma boa pessoa?'"
Na obra original, o cientista Victor Frankenstein dá vida a uma criatura com nuances, sensível e curiosa. MacCormack diz que o monstro lida com as mais fundamentais questões humanas: "É a ideia de perguntar ao seu criador qual é seu propósito. Por que estamos aqui? O que podemos fazer?".
O diretor de cinema Guillermo del Toro, responsável por filmes como O Labirinto do Fauno (2016) e A Forma da Água (2017), descreve Frankenstein como um "livro para adolescentes por excelência" e diz que planeja um dia filmar uma versão do clássico.
"Você não se encaixa", disse ele ao site Den of Geek, ao falar sobre o monstro. "Você foi trazido a esse mundo por pessoas que não se importam com você, e é jogado em um mundo de dor e sofrimento, lágrimas e fome. É um livro incrível escrito por uma adolescente. É impressionante."
O romance de Shelley contém elementos fantásticos e de horror, e é a combinação deles que tornam a história um sucesso.
"Ele nos fascina porque fala da relação entre vida e morte", diz Sorcha Ni Fhlainn, palestrante de Estudos de Cinema da Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido, e integrante do Centro de Estudos Góticos de Manchester.
"A morte é absoluta. Então, a ideia de que você pode reanimar a carne é ao mesmo tempo chocante e arrebatadora."
Confira algumas as principais encenações da obra de Mary Shelley - ou inspiradas nela.
Frankenstein, 1910
Um curta de 16 minutos produzido para a Thomas Edison Film Company feito nos primórdios do cinema, com Frankenstein como tema.
Lançado em 1910, quase 20 antes do som chegar aos filmes, mostra o cientista Victor Frankenstein às voltas com a preparação de seu casamento.
"É um dos primeiros filmes e tem uma série de maquiagens e perucas bizarras", diz Ni Fhlainn, que ainda assim o descreve como "absolutamente brilhante".
Frankenstein, 1931
"Está vivo! Está vivo!" Foi assim que o Universal Studios trouxe ao mundo a imagem mais famosa do monstro, interpretado pelo britânico Boris Karloff (1887-1969). "É a mais icônica. A representação por Karloff o consolidou na cultura popular", diz Ni Fhlainn.
"Os raios mostram sua artificialidade e particularidade. E vemos as mesmas imagens, por exemplo, em Os Monstros, A Família Addams e em desenhos como Scooby-Doo."
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Christopher Frayling, autor de Frankenstein: The First Two Hundred Years (Frankenstein: Os Primeiros Duzentos Anos, em tradução livre), diz que esse filme "criou a imagem definitiva do cientista louco e seu monstro".
"E, com isso, levou a milhares de imitações: todas as adaptações cinematográficas seguintes do romance de Shelley tiveram de levar em conta como seu enredo, caracterização e maquiagem se comparam aos do Universal Studios."
É aqui que surge a versão de um monstro grande, desajeitado e murmurante, diz MacCormack. "Há uma brutalidade, mas também uma vulnerabilidade. Há pouquíssimas versões que o mostram de forma diferente", afirma.
"O monstro reage como faria uma criança ou um animal quando são ameaçados ou estão com medo. É irônico que, nestas versões, o monstro seja visto como algo menos que humano, mas tenha força sobre-humana."
No entanto, sua sequência de 1935 é que, para muitos, representa o verdadeiro hit. "A Noiva de Frankenstein é mais fiel ao romance. Introduz temas como pena e autodepreciação ao colocar o monstro em meio a esses relacionamentos. E mostra o complexo de Deus de Victor Frankenstein", diz MacCormack.
"As performances no filme são hipnotizantes, e, esteticamente, é o que as pessoas imaginam quando pensam em Frankenstein."
A Maldição de Frankenstein, 1957
A produtora britânica Hammer Films trouxe Christopher Lee no papel do monstro no que foi o "primeiro filme de horror sanguinolento, exibindo sangue e entranhas em cores", segundo MacCormack.
O monstro tinha uma estética diferente, coberto por cicatrizes e tecidos transplantados, em parte porque a maquiagem da era Karloff havia sido patenteada, diz Frayling.
Mas é essa "colcha de retalhos humana" que é tida como a mais próxima do monstro do livro.
"A ideia do arremedo de humanidade está no centro da história de Shelley", afirma MacCormack.
Ni Fhlainn diz que o filme traz a mesma forte mensagem do romance: "Cuidado com a ambição, ele parece dizer. É sobre homens contornando o papel da mulher e de Deus e as consequências disso."
A Hammer Films lançou mais seis filmes da franquia, de qualidade variada e cada vez mais distantes do material original. "É frustrante se você ama o romance. Não era a intenção de Shelley criar algo que sai por aí matando sem pensar, mas entendo como isso pode útil em filmes", diz Ni Fhlainn.
"Quando o monstro não é visto como humano, é muito fácil matá-lo. Quando ele é mais humano, isso fica mais difícil."
Os Monstros, 1964-66
O gênero foi levado em uma direção diferente com o seriado dos anos 1960, que tinha seu próprio monstro inspirado no de Karloff. Hermann Monstro é o chefe de uma família de monstros, vampiros, lobisomens no programa, que teve mais de 70 episódios.
A série A Família Addams (1964-1966) também pegou emprestada a estética de Karloff para um de seus personagens, Tropeço. Esta e outras produções contribuíram para a ideia de um monstro como uma criatura monossilábica, como uma espécie de zumbi.
Frankenstein de Mary Shelley, 1994
O diretor Kenneth Branagh promoveu um retorno ao texto original com seu filme multimilionário.
"É uma versão sanguinolenta, especialmente a criação do monstro", diz Ni Fhlainn.
"A cena com o monstro (Robert de Niro) e Victor Frankenstein (Kenneth Branagh) em meio a uma massa de fluido amniótico é bem homoerótica. De Niro está bem interessante, quase um recém-nascido, como quando está aprendendo a falar. Acho que foi muito bem feito. Seu rosto costurado também é reminiscente da descrição feita por Shelley da pele da criatura, a ponto de romper de tão esticada."
Apesar das boas intenções de Branagh, Ni Fhlainn considera o filme "pretensioso em suas emoções". Frayling diz que a obra sofre de um "prestígio exagerado".
"Parece ter confundido os críticos e o público, pois não se adequou às convenções tradicionais dos filmes de Frankenstein."
Frankenstein, 2011
Uma adaptação para o teatro do Royal National Theatre, no Reino Unido, escrita por Nick Dear e dirigida por Danny Boyle, de filmes como Trainspotting (1996) e Quem Quer Ser um Milionário? (2008), trazia Benedict Cumberbatch e Jonny Lee Miller se alternando nos papéis de Victor Frankenstein e do monstro.
Foi o retorno às nuances retratadas no romance de Shelley, diz Ni Fhlainn. "A interpretação de Cumberbatch é muito intelectual. Você o vê lendo Milton e se identificando com Adam. Ele questiona tudo. A performance de Jonny Lee Miller é mais pelo lado físico, da força. É mais infantil."
Ni Fhlainn considera essa uma versão única do gênero Frankenstein: "É muito bem feita, porque é inteiramente a partir da perspectiva da criatura."
Outras histórias de Frankenstein...
O gênero não se limita às adaptações do clássico de Shelley. De acordo com Ni Fhlainn, os filmes Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982), O Exterminador do Futuro (1985), Edward Mãos de Tesoura (1991), A.I. - Inteligência Artificial (2001) e Prometheus (2012) podem ser considerados "histórias Frankenstein".
"O Exterminador do Futuro é apenas o passo seguinte. É sobre o que significa estar vivo", diz a especialista. "O ator Rutger Hauer diz em Blade Runner: 'Quero mais vida'. Ele fala sobre ver as coisas e senti-las - e é essa compreensão da vida que o torna mais humano para aqueles que tentam matá-lo. Mas a ideia de que ele é rejeitado é que se mostra uma de nossas grandes tragédias."
Shelley colocou uma questão que é hoje mais relevante do que nunca, diz Ni Fhlainn. "O que é um ser consciente? Se você pode travar uma conversa com (as assistentes virtuais) Siri e Alexa, onde a vida começa e termina?"
MacCormack afirma que, nos anos 1980, "a ideia de um homem feito pelo próprio homem torna-se menos terror e mais ficção científica". "Agora, são ciborgues, robôs. Seria interessante ver se conseguiriam tirar a tecnologia da história e criar uma nova forma moderna de contá-la", diz.
"Hoje, temos (a franquia) Crepúsculo, com vampiros brilhantes e sensuais, ninguém quer se meter com Frankenstein", afirma.
Em maio de 2017, o Universal anunciou que refilmará A Noiva de Frankenstein com Bill Condon, diretor de A Bela e A Fera (2017), no comando. Então, talvez tenha finalmente chegado o momento de revisitar a história do cientista louco e seu monstro.