As cidades de antepassados de Boulos, Haddad e Maluf sob fogo cruzado entre Israel e Hezbollah
- Author, Luis Barrucho
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
Cidades de onde vieram os antepassados de políticos brasileiros de origem libanesa, como Guilherme Boulos, Fernando Haddad e Paulo Maluf, estão no meio dos recentes ataques de Israel contra o grupo Hezbollah no Líbano.
As forças militares israelenses têm bombardeado "cidades e vilas no sul do Líbano, incluindo Nabatieh, Bekaa, Baalbek-Hermel e a capital Beirute", segundo o governo libanês.
O ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, informou na quinta-feira (4/10) que 1.974 pessoas, incluindo 127 crianças, foram mortas em ataques israelenses desde 8 de outubro de 2023.
A maior parte dos ataques tem se concentrado no sul do Líbano, uma área dominada pelo Hezbollah.
Nos últimos dias, a BBC News Brasil entrevistou brasileiras que viviam na região e tiveram que fugir.
Tiro, Ain Aata e Hadath Baalbek
Tiro, uma cidade litorânea no sul libanês, é onde nasceu Iskandar, avô de Guilherme Boulos, deputado federal e candidato à Prefeitura de São Paulo nas eleições municipais deste ano.
A BBC presenciou ataques aéreos israelenses nas proximidades. A correspondente Orla Guerin visitou o local e relatou que, embora normalmente movimentado, o balneário está agora "praticamente deserto", com apenas algumas pessoas tentando escapar dos intensos bombardeios nas cidades próximas.
Ain Aata, cidade natal de Habib, avô do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está localizada na província do Bekaa, onde dois adolescentes brasileiros, Ali Kamal Abdallah, de 15 anos, e Mirna Raef Nasser, de 16, ambos de origem libanesa, foram mortos na semana passada.
Já Hadath Baalbek, local de onde veio Salim, pai do ex-deputado Paulo Maluf, fica nos arredores de Baalbek, na província de Baalbek-Hermel. A BBC News entrou em contato com uma escola local, que confirmou que o vilarejo foi alvo de ataques israelenses.
Comunidade libanesa no Brasil
O Brasil abriga atualmente a maior comunidade de libaneses e descendentes fora do Líbano, com uma estimativa entre 7 e 10 milhões de pessoas, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Essa comunidade supera em número a própria população do Líbano, estimada em 5,4 milhões de habitantes pelo Banco Mundial.
A grande imigração libanesa para o Brasil remonta ao convite feito pelo imperador Dom Pedro 2º durante sua visita ao Líbano em 1876.
Segundo Lody Brais, presidente da Associação Cultural Brasil-Líbano, Dom Pedro 2º foi calorosamente recebido no país e, em retribuição, convidou os libaneses a emigrarem para o Brasil, "prometendo recebê-los de braços abertos", disse ela em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em 2023.
A maior parte dos imigrantes era de origem cristã, fugindo da perseguição do Império Otomano, segundo os especialistas.
Em seu livro Brimos: Imigração sírio-libanesa no Brasil e seu caminho até a política (2021, Fósforo), o jornalista Diogo Bercito menciona que Iskandar, avô de Boulos, nasceu em Tiro, na costa sul do Líbano, e diz que "dessa parte da vida dele não se sabe muito".
"Iskandar raramente falava sobre essa época. Ele deixou Tiro bastante jovem, em 1924. Marcos (filho de Iskandar e pai de Guilherme Boulos) supõe que a viagem tenha sido inevitável depois da morte do pai de Iskandar, que deixou o rapaz de dezesseis anos órfão. A mãe já tinha morrido", escreve Bercito.
Já o avô de Haddad, Habib al-Haddad, era um "padre combativo" greco-ortodoxo no vilarejo de Ain Aata.
Ele demoveu o Exército colonial francês de bombardear o vilarejo conversando, ao lado de outros anciãos, com o general, disse Bercito em entrevista à BBC News Brasil em 2021.
Já Salim Farah Maluf, pai de Paulo Maluf, deixou o Líbano em 1910 e nasceu em Hadath.
Habib e Salim fugiram da fome que assolava o país, assim como milhares de outros imigrantes.
Entre 1880 e 1969, cerca de 140 mil árabes imigraram para o Brasil, a maioria deles libaneses e sírios, de acordo com Bercito.
Entre os libaneses que imigraram para o Brasil estão também Nakhul Temer, pai do ex-presidente Michel Temer, e as famílias de Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo e atual secretário de Governo e Relações Institucionais do Estado de São Paulo, e de Jandira Feghali, deputada federal.
No entanto, suas cidades de origem — Btaaboura, Aabadiyeh e Bdadoun, respectivamente — não estão em áreas que foram relatadas como alvo dos ataques israelenses.
A BBC News Brasil contatou as assessorias de imprensa dos políticos mencionados nesta reportagem para obter um posicionamento sobre o conflito atual.
A matéria será atualizada conforme as respostas forem recebidas.
A assessoria de imprensa de Temer informou que ele estava em viagem e encaminhou artigo do ex-presidente no jornal Estado de S. Paulo, no qual Temer afirma: "Nada melhor para a ONU revelar sua competência do que fazer chegar ao fim o conflito no Oriente Médio".
Jandira Feghali disse que "o que ocorre em Gaza e no Líbano, com a morte de milhares de civis, incluindo crianças, mulheres e idosos, é resultado da aliança perversa e criminosa entre o imperialismo norte-americano e o sionismo. Isso é um crime. Pessoas estão morrendo, perdendo seus territórios, seu pertencimento à vida e ao país", diz em mensagem de áudio compartilhada com a BBC News Brasil por meio de sua assessoria de imprensa.
Conflito Israel-Hezbollah
Israel invadiu o sul do Líbano, intensificando significativamente seu conflito com o Hezbollah.
A operação terrestre israelense começou na noite de segunda-feira (30/9), poucos dias após um ataque aéreo ter matado Hassan Nasrallah, líder do grupo armado apoiado pelo Irã.
Enquanto isso, o Hezbollah lançou foguetes contra o norte de Israel, e o Líbano tem vivido duas semanas de bombardeios aéreos.
Segundo as autoridades libanesas, mais de mil pessoas foram mortas e até um milhão de pessoas foram forçadas a deixar suas casas.
Leia nesta reportagem 5 pontos para entender o conflito.