A onda de calor no mar que preocupa cientistas
- Author, Isabella Kaminski
- Role, BBC Future
O mês de junho e os primeiros dias de julho foram os mais quentes já registrados, segundo a Organização Meteorológica Mundial.
Moradores do sul dos Estados Unidos e do sul da Europa enfrentaram temperaturas sufocantes, inúmeros alertas sobre o perigo do calor, incêndios florestais e grave deterioração da qualidade do ar.
Os recordes, no entanto, não foram quebrados apenas em terra, mas também na água.
As temperaturas globais da superfície dos oceanos foram mais altas do que em qualquer outro mês de junho, de acordo com um relatório do Copernicus Climate Change Service, da União Europeia, que registrou leituras de satélite particularmente altas no Atlântico Norte.
Junho também estabeleceu um recorde nos dados coletados pelo Escritório Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica (NOAA). Foi a maior diferença entre as temperaturas esperadas e verificadas já registrada.
As temperaturas da água na Flórida têm sido especialmente quentes. E os pesquisadores também têm monitorado uma grande onda de calor marinho na costa oeste dos EUA e do Canadá, que se formou em maio.
Enquanto a onda de calor já diminuiu no Atlântico Nordeste, de acordo com a ONG científica Mercator Ocean International, outra no Mediterrâneo Ocidental se intensificou, especialmente em torno do Estreito de Gibraltar.
Temperaturas extremas do mar também foram observadas na Irlanda, no Reino Unido e no Mar Báltico, bem como em áreas próximas à Nova Zelândia e Austrália. Mais recentemente, os cientistas passaram a suspeitar da existência de uma possível onda de calor ao sul da Groenlândia, no Mar do Labrador.
“Estamos tendo essas enormes ondas de calor marinho em diferentes partes do oceano que evoluem inesperadamente cedo no ano, muito fortes e em grandes áreas”, diz Karina von Schuckmann, oceanógrafa da Mercator Ocean.
'Sem precedentes'
Carlo Buontempo, diretor do Copernicus Climate Change Service da União Europeia, diz que cientistas esperam grandes variações de temperatura no Oceano Pacífico, associadas ao padrão climático do El Niño.
Segundo ele, essa nova fase do aquecimento global está apenas começando, embora a NOAA esteja monitorando uma grande onda de calor no Golfo do Alasca desde 2022.
Mas o que estamos vendo atualmente no Atlântico Norte é realmente "sem precedentes", diz Buontempo.
Os cientistas ainda estão tentando desvendar todas as causas.
Mudanças de curto prazo nos padrões regionais de circulação oceânica e atmosférica podem fornecer as condições para períodos de intenso calor do mar por semanas, meses e até anos.
Mas o aumento de longo prazo nas temperaturas dos oceanos, impulsionado por um aumento nas emissões de gases de efeito estufa, é um fator-chave nas recentes ondas de calor.
Cerca de 90% do excesso de calor gerado pela mudança climática causada pela atividade humana foi armazenado no oceano, e a taxa de acúmulo de calor no sistema climático da Terra dobrou nas últimas duas décadas.
Um relatório de 2021 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) descobriu que as ondas de calor marinhas dobraram de frequência entre 1982 e 2016 e se tornaram mais intensas e mais longas desde a década de 1980.
Outro fator que possivelmente contribuiu é o volume de aerossóis (como são chamadas as micropartículas de matéria sólida ou líquidas em suspensão no ar) na atmosfera, que têm um leve efeito de resfriamento, mas parece ter diminuído como resultado das tentativas de conter a poluição emitida pela indústria de transporte marítimo.
Mais recentemente, registrou-se uma diminuição incomum nas nuvens de poeira do Saara, que normalmente causam resfriamento.
Pode piorar
As ondas de calor marinho registradas atualmente podem até piorar. Embora alguns pesquisadores não acreditem que o próprio El Niño seja o fator que impulsiona a situação no Atlântico Norte, a OMM afirma que o fenômeno contribui para o aquecimento dos oceanos em geral.
Especialistas estão ainda preocupados que as ondas de calor possam afetar a vida nos oceanos, a pesca e os padrões climáticos.
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As temperaturas recordes na costa oeste da Austrália durante o verão de 2010/2011 resultaram em “devastadoras” mortes de peixes e destruíram florestas de algas, além de terem mudado fundamentalmente o ecossistema costeiro.
Vários anos depois, em 2016, uma onda de calor marinho sem precedentes causada pelas mudanças climáticas e amplificada por um forte El Niño levou ao pior branqueamento de corais já visto na Grande Barreira de Corais.
As ondas de calor podem desencadear eventos de branqueamento de corais e já potencializam o estresse que os ecossistemas de recifes estão sofrendo em todo o mundo.
As altas temperaturas podem fazer com que os pólipos de coral expilam as zooxantelas que vivem em seus tecidos, tornando-os brancos e mais vulneráveis a doenças e outras ameaças.
No Mar Mediterrâneo, temperaturas excepcionais entre 2015 e 2019 causaram repetidos eventos de morte em massa de espécies-chave, como corais e algas.
Um estudo recente descreveu as ondas de calor marinho desse tipo como “causadoras de estresse generalizado para os ecossistemas marinhos globais”.
As ondas de calor marinho também facilitam a proliferação de espécies invasoras.
As algas japonesas, por exemplo, proliferaram na Nova Zelândia quando uma onda de calor de 2017 a 2018 no Mar da Tasmânia destruiu as algas nativas da área.
Dan Smale, ecologista marinho da Associação de Biologia Marinha do Reino Unido e membro da Força-Tarefa Internacional sobre Ondas de Calor Marinho, diz que "choque curtos e rápidos" não dão tempo para as espécies se redistribuírem e aquelas que estão no limite da capacidade de seus corpos acabam particularmente em risco.
Ao redor da costa britânica, que não é considerada um ambiente extremo e onde os cientistas esperam que os ecossistemas mudem gradualmente, uma onda de calor marinho que dure todo o verão pode ser mortal.
No entanto, ainda há muito a aprender sobre o impacto das ondas de calor marinho em comparação às que ocorrem em terra, porque o monitoramento é mais difícil e faltam registros de longa data, diz Smale.
“As informações que os satélites nos fornecem desde o início dos anos 1980 são fantásticas…o problema é quando tentamos ir além”, diz ele.
Oceanos quentes por um tempo
Uma queda significativa na quantidade de fitoplânctons já foi observada no Atlântico Norte, algo que a Mercator Ocean atribui às recentes ondas de calor.
A floração na primavera é crucial porque fornece a maior parte da energia necessária para sustentar a cadeia alimentar marinha na área e é uma contribuição substancial para a absorção global de CO2 dos oceanos.
A economia da pesca regional também pode ser afetada.
Uma onda de calor no noroeste do Atlântico em 2012 fez com que espécies que preferem águas quentes se mudassem para o norte, migrando mais cedo do que o normal e mudando quando e quanto CO2 foi capturado.
O Atlântico Norte também é um dos principais impulsionadores do clima extremo.
As temperaturas elevadas da superfície do oceano podem levar a furacões, embora ainda não se saiba se o El Niño irá exacerbar ou atenuar esse efeito no próximo ano.
Por outro lado, o calor das águas do Atlântico Norte é o fator mais importante por trás do ciclo alternado entre secas e chuvas abundantes na África Central.
No geral, os especialistas acreditam que a persistência das recentes ondas de calor marinho é um sinal preocupante de como a mudança climática está ocorrendo ao lado de ondas de calor em terra, derretimento incomum da cobertura de neve no Himalaia e perda de gelo marinho.
Von Schuckmann diz que mesmo que os humanos parassem de emitir CO2 totalmente amanhã, os oceanos continuariam a aquecer nos próximos anos.
“Como cientista do clima, estou preocupado com o fato de termos chegado mais longe do que pensávamos.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.