Movimento Brasileiro de Alfabetização
O Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) foi um órgão do governo brasileiro, instituído pelo decreto nº 62.455, de 22 de Março de 1968,[1] conforme autorizado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967 durante o governo de Costa e Silva na Ditadura Militar.[2]
A criação do MOBRAL, durante a ditadura militar, que teve início em 1964, ocorreu em substituição ao método de alfabetização de adultos preconizado pelo educador Paulo Freire. De todo modo, o método de alfabetização usado pelo MOBRAL era fortemente influenciado pelo Método Paulo Freire, utilizando-se por exemplo do conceito de "palavra geradora". A diferença é que o Método Paulo Freire utilizava palavras tiradas do cotidiano dos alunos, enquanto, no MOBRAL, as palavras eram definidas a partir de estudo das necessidades humanas básicas por uma equipe técnica definida pelas normas-padrão da língua culta.[3]
Vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, era o órgão executor do Plano de Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adolescentes e Adultos, cujo principal objetivo era o de promover a alfabetização funcional e educação continuada para os analfabetos de 15 anos ou mais, por meio de cursos especiais, com duração prevista de nove meses.
Embora formalmente criado em 1968, o MOBRAL só foi efetivamente implementado a partir de 1971, durante o Governo Emílio Médici, cujo ministro da Educação era Jarbas Passarinho.[4]
Durante mais de uma década, jovens e adultos frequentaram as aulas do MOBRAL. A recessão econômica iniciada nos anos 80 inviabilizou a continuidade do programa. A partir de 1985, com o fim do regime militar, a Fundação Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) passou a se chamar Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos - EDUCAR.[5] Em 1990, a Fundação EDUCAR também foi extinta.[3]
Estrutura administrativa e organizacional
[editar | editar código-fonte]A estrutura do MOBRAL seguia o modelo característico das repartições públicas brasileiras, com uma estrutura administrativa descentralizada e subdividida em quatro níveis:
- a secretaria executiva (SEXEC)
- as coordenações regionais (COREG)
- as coordenações estaduais (COEST)
- as comissões municipais (COMUN)
A estrutura organizacional dividia-se em gerências pedagógicas (GEPED):
- gerência de mobilização comunitária (GEMOB)
- gerência financeira (GERAF)
- gerência das atividades de apoio (GERAP)
- gerência em assessoria de organização e métodos (ASSOM)
- gerência em assessoria de supervisão e planejamento (ASSUP)
Essa estrutura sofreu três alterações no período compreendido entre 1970 e 1978. A manutenção desta estrutura tinha um custo muito alto. No ano de 1977 a sua receita foi de Cr$ 853.320.142,00 para atender a 342.877 pessoas, o que revela um custo per capita de Cr$ 2.488,00. Para financiar esta superestrutura o MOBRAL contava com recursos da União, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2% do Imposto de Renda e ainda um percentual da Loteria Esportiva.
Evolução do Índice de Analfabetismo no Brasil (1940-1977) | |
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Ano | Índice |
1940 | 56,1% |
1950 | 50,5% |
1960 | 39,6% |
1970 | 33,6% |
1980 | 25,5% |
1990 | 20,1% |
2000 | 13,6% |
Em 1975, o corpo técnico do MOBRAL foi submetido a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada pelo Senado Federal, baseada nos discursos dos Senadores João Calmon, Luiz Viana, Jarbas Passarinho e Eurico Rezende, em virtude da denúncia de atendimento a crianças de nove a quatorze anos, o que na época foi chamado de MOBRALZINHO.
Formação acadêmica dos técnicos que compunham a direção do MOBRAL | |
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Pedagogia | 12 |
Economia | 6 |
Ciências Políticas e Sociais | 5 |
Formação Militar | |
Engenharia | 4 |
Direito | |
Serviço Social | 3 |
Sociologia | |
Letras | |
Linguística | 2 |
Biblioteconomia | |
Administração | |
Ciências Contábeis | |
Matemática e Física | |
Geografia | 1 |
Comunicação | |
História | |
Educação Física | |
Nutrição | |
Planejamento |
Metodologia de ensino
[editar | editar código-fonte]A metodologia utilizada pelo Programa de Alfabetização Funcional baseava-se em seis objetivos:
- Desenvolver nos alunos as habilidades de leitura, escrita e contagem;
- desenvolver um vocabulário que permita o enriquecimento de seus alunos;
- desenvolver o raciocínio, visando facilitar a resolução de seus problemas e os de sua comunidade;
- formar hábitos e atitudes positivas em relação ao trabalho;
- desenvolver a criatividade, a fim de melhorar as condições de vida, aproveitando os recursos disponíveis; e
- levar os alunos:
- a conhecerem seus direitos e deveres e as melhores formas de participação comunitária;
- a se empenharem na conservação da saúde e melhoria das condições de higiene pessoal, familiar e da comunidade;
- a se certificarem da responsabilidade de cada um, na manutenção e melhoria dos serviços públicos de sua comunidade e na conservação dos bens e instituições;
- a participarem do desenvolvimento da comunidade, tendo em vista o bem-estar das pessoas.
Os técnicos do MOBRAL defendiam que o método utilizado baseava-se no aproveitamento das experiências significativas dos alunos. Desta forma, embora divergisse ideologicamente do método de Paulo Freire utilizava-se, semelhantemente a este, de palavras geradoras e de uma série de procedimentos para o processo de alfabetização:
- apresentação e exploração do cartaz gerador;
- estudo da palavra geradora, depreendida do cartaz;
- decomposição silábica da palavra geradora;
- estudo das famílias silábicas, com base nas palavras geradoras;
- formação e estudos de palavras novas;
- formação e estudos de frases e textos
A principal e essencial diferença na utilização destes procedimentos em relação ao método Paulo Freire, era o fato de no Mobral haver uma uniformização do material utilizado em todo o território nacional, não traduzindo assim a linguagem e as necessidades do povo de cada região, principal característica da metodologia freiriana.
(No MOBRAL o método de Paulo Freire foi) refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao 'Modelo Brasileiro' ao nível das três instâncias: infra-estrutura, sociedade política e sociedade civil
Programas adicionais
[editar | editar código-fonte]Tendo em vista seu alto custo, o MOBRAL foi se modificando sempre na tentativa de encontrar alternativas para garantir sua continuidade. Dentre estas alternativas foram criados novos programas, tais como:
- Plano de Educação Continuada para Adolescentes e Adultos
- Programa de Educação Integrada
- Programa Cultural
- Programa de Profissionalização
- Programa de Diversificação Comunitária
- Programa de Educação Comunitária para a Saúde
- Programa de Esporte
- Programa de Autodidatismo
Programa de Educação Integrada
[editar | editar código-fonte]Implementado em 1971 e teve como objetivo central dar continuidade ao Programa de Alfabetização Funcional, assim, o aluno considerado alfabetizado passava para uma fase mais avançada, na qual teria a continuidade progressiva. Os objetivos gerais do programa eram:
- propiciar o desenvolvimento da autoconfiança, da valorização da individualidade, da liberdade, do respeito ao próximo, da solidariedade e da responsabilidade individual e social;
- possibilitar a conscientização dos direitos e deveres em relação à família, ao trabalho e a comunidade;
- possibilitar a ampliação da comunicação social, através do aprimoramento da linguagem oral e escrita;
- desenvolver a capacidade de transferência de aprendizagem, aplicando os conhecimentos adquiridos em situações de vida prática;
- propiciar o conhecimento, utilização e transformação da natureza pelo homem, como fator de desenvolvimento pessoal e da comunidade;
- estimular as formas de expressão criativa;
- propiciar condições de integração na realidade sócio-econômica do país
A metodologia empregada neste programa era a mesma empregada no Programa de Alfabetização Funcional, com o acréscimo de atividades relacionadas com as quatro primeiras séries do primeiro grau. Visando atingir os objetivos propostos, foram desenvolvidos materiais didáticos, tais como:
- livro texto,
- livro glossário,
- livros de exercícios de matemática,
- livro do professor e
- conjunto de cartazes.
Em 1977 estes materiais sofreram reformulação e passaram a ser chamados de Conjunto Didático Básico.
Programa MOBRAL Cultural
[editar | editar código-fonte]Programa lançado em 1973 para complementação da ação pedagógica. Seu objetivo era o de: "concorrer de maneira informal e dinâmica para difundir a cultura do povo brasileiro e para a ampliação do universo cultural do mobralense e da comunidade a que ele pertence" (Corrêa, 1979: 243). Seus objetivos gerais eram:
a. contribuir para atenuar ou impedir a regressão do analfabetismo; b. reduzir a deserção dos alunos de Alfabetização funcional; c. diminuir o número de reprovações; d. agir como fator de mobilização; e. incentivar o espírito associativo e comunitário e, f. divulgar a filosofia do MOBRAL em atividades dirigidas ao lazer e das quais participaria o mobralense, em especial, e a comunidade em geral
Programa de Profissionalização
[editar | editar código-fonte]Criado em 1973, realizou convênios com diversas entidades, inclusive do setor privado. Em 1976 um acordo com a Massey-Ferguson, fabricante de tratores, permitiu o treinamento de 40.000 tratoristas em um ano.
Programa de Educação Comunitária para a Saúde
[editar | editar código-fonte]Programa que visava ao atendimento não apenas restrito ao aluno, mas atingindo também sua comunidade em termos de saúde, para o qual foi criado o Documento sobre o Conteúdo Básico de Educação Sanitária para o MOBRAL', que contou com a colaboração da Divisão Nacional de Educação Sanitária do Ministério da Saúde. Seu opbjetivo geral era Propiciar a melhoria das condições de saúde das populações residentes na área de atuação do Programa, principalmente as mais carenciadas, através de trabalho de natureza educacional. Os objetivos específicos eram:
- motivar e possibilitar mudanças de atitudes em relação à saúde;
- estimular e orientar a comunidade para o desenvolvimento de ações que visem a melhoria das condições higiênicas e alimentares e dos padrões de saúde, a partir das necessidades sentidas;
- desenvolver uma infra-estrutura de recursos humanos, pertencentes às comunidades a serem atingidas pelo Programa, para atuação no campo da educação para a saúde;
- integrar esforços aos de entidades que atuam na área de saúde e outras, a fim de maximizar recursos para uma efetiva melhoria das condições de saúde, saneamento e alimentação.
Programa Diversificado de Ação Comunitária
[editar | editar código-fonte]O programa subdivididia-se nos seguintes subprogramas:
- Educação
- Saúde e saneamento
- Promoção profissional
- Nutrição
- Habitação
- Atividades de produção
- Conservação da natureza
- Esportes
- Pesquisa
Programa de autodidatismo
[editar | editar código-fonte]Programa criado para dar condições aos indivíduos para serem agentes de sua própria educação. Era dirigido a ex-alunos e a toda a comunidade, tinha como os objetivos:
- Gerais:
- proporcionar alternativa educacional, através de atendimento numa linha de autodidaxia, às camadas menos favorecidas da população;
- ampliar a atuação do Posto Cultural, imprimindo-lhe características de uma agência de educação permanente, com programas voltados para um aperfeiçoamento constante da população.
- Específicos
- possibilitar a aquisição/ampliação de conhecimentos, tomando-se como base o Programa de Educação Integrada e o reingresso no sistema regular de ensino;
- colocar ao alcance da clientela materiais que despertassem e favorecessem o desenvolvimento de mecanismos necessários a uma educação permanente, proporcionando ao alfabetizador, já atuante, aprimoramento profissional.
Na cultura popular
[editar | editar código-fonte]O nome do projeto adquiriu conotação negativa, tornando-se um adjetivo, sinônimo de indivíduo com pouca instrução formal, "semianalfabeto" ou "analfabeto funcional".[6]
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Emília Ferreiro
- Letramento
- Lista de países por índice de analfabetismo
- Paulo Freire
- Educação na ditadura militar brasileira
- Lourenço Filho
Referências
- ↑ Decreto nº 62.455, de 22 de Março de 1968. Institui a fundação Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL).
- ↑ Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de1967. Provê sôbre a alfabetização funcional e a educação continuada a adolescentes e adultos.
- ↑ a b História da alfabetização de adultos: de 1960 até os dias de hoje. Por Cristiane Costa Brasil.
- ↑ Morre aos 96 anos o ex-ministro Jarbas Passarinho
- ↑ Decreto nº 91.980, de 25 de Novembro de 1985. Redefine os objetivos do Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL, altera sua denominação e dá outras providências.
- ↑ Em sua pesquisa de doutorado, Borges (2009) relata ter encontrado, numa rede social virtual, cerca de 108 comunidades intituladas "MOBRAL", nas quais a palavra era usada depreciativamente, tais como no seguinte comentário:
"Pra vc que tem um amigo Mobral [...] se vc tem um amigo que tem q repetir a mesma coisa mil vezes, q naum entende nada [...] junte-se a nós. Bom povu, essa comunity eh pa todo mundo q AMA o jeito mobral da Neidinha!! pra qm n sabe o q eh mobral eh akela pessoa meio retardada mental."
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- BARROS, Ricardo Paes de; CARVALHO, Mirela de, FRANCO, Samuel. Analfabetismo no Brasil
- BORGES, Liana da Silva. A alfabetização de jovens e adultos como movimento: um recorte na genealogia do MOVA. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009
- CORREIA, Arlindo Lopes. Educação de massa e ação comunitária. Rio de Janeiro: AGGS/MOBRAL, 1979.
- FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1975.
- FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. São Paulo: Editora Moraes, 1986.
- LIMA, Lauro de Oliveira. Estórias da educação no Brasil, de Pombal a Passarinho. Rio de Janeiro: Editora Brasília, 1979.