Jacob Monstro Imortal
João Jacob Caetano "Monstro Imortal" (Dembos, 4 de abril de 1941[1] — Luanda, 1977) foi um militar e político angolano participante da Guerra de Independência de Angola e da Guerra Civil Angolana. Em sua carreira militar, chegou ao posto de general e foi Vice-Comandante do Estado-Maior General das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e Comandante da 9.ª Brigada de Fuzileiros Motorizados das Forças Especiais das FAPLA, e em sua carreira política membro do Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e figura de liderança do grupo comunista ortodoxo Fraccionista-Nitista.[2]
Biografia
[editar | editar código-fonte]João Jacob Caetano[nota 1] nasceu em 4 de abril de 1941[1] na vila de Piri,[1] numa família de camponeses pobres do município dos Dembos, território que atualmente faz parte da província do Bengo.[3]
Durante os anos da Guerra da Independência, Jacob Caetano participou em numerosos confrontos com as tropas coloniais portuguesas e os militantes da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). Foi enviado pelo MPLA para o Congo-Léopoldville para receber treinamento em 1962. Neste país ingressa na equipa de futebol do MPLA.[4]
Fez parte do primeiro grupo de militares do Exército Popular de Libertação de Angola (EPLA; que depois se tornaria FAPLA), exercendo cargos de comando nos destacamentos da ala armada do MPLA. Torna-se um dos primeiros a identificar a Mobutu Sese Seko como adversário do MPLA. Por isso mesmo, foi preso pela polícia quinxassa-congolesa, conseguindo escapar e mudar-se para o Congo-Brazavile.[5] Desde 1964 esteve em funções de liderança no MPLA, onde participou nas reuniões político-militares do partido em Brazavile (sede partidária no exílio).[6][7]
Participou de unidades de reconhecimento no norte angolano em 1963[8] e de operações militares em Cabinda em 1965.[9] Comandou um esquadrão de guerrilha com o nome de Camilo Cienfuegos.[10] Em 1966 o Esquadrão de Cienfuegos, sob seu comando, conseguiu estabelecer-se militarmente na província de Luanda, fato lembrado como uma das operações mais cruciais e de maior sucesso das FAPLA/EPLA antes da década de 1970.[11]
Após o feito, Jacob Caetano tornou-se um dos principais comandantes da I Região Político-Militar (Luanda, Dembos e Norte Angolano) do MPLA/EPLA. Passou a ser reconhecido pelas tropas pela grande coragem e capacidade de combate, sobrevivendo e saindo-se vitorioso das emboscadas da ala armada da FNLA, o Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA).[3] As tropas lhe deram o apelido de "Monstro Imortal", dado sua mítica invencibilidade.[3]
Nos preparativos para o 1º Congresso do MPLA, foi enviado para coordenar plenárias nas bases do partido na Zâmbia, em 1971,[12] e para treinamento como oficial militar na Checoslováquia (Academia Militar de Brno).[3] Em 1972, integrou a delegação nas negociações em Quinxassa com a FNLA, juntamente com Agostinho Neto e Lúcio Lara.[13]
Neste período, porém, o MPLA passava por uma intensa disputa política interna, que geraria, entre 1972 e 1974, a Revolta Activa e a Revolta do Leste.[14] As discussões eram instigadas por puristas anticoloniais em Brazavile, no ano de 1972, e giravam em torno da temática racista, que dominava os rumos do partido naquela altura.[14] Grandes porções do partido identificavam as recentes e constantes derrotas militares no Leste angolano como emanadas de uma liderança branco-mestiça, a qual identificavam como maiores representantes Lúcio Lara, sua esposa Ruth Lara, Iko Carreira e a esposa de Agostinho Neto, Maria Eugénia Neto.[14] Os rebelados acabaram por prender o número 2 do partido, Lúcio Lara, operação levada a cabo justamente por Jacob Monstro Imortal, e que contou com suporte velado do ainda homem dos bastidores José Eduardo dos Santos, que já aspirava tomar o comando do partido e estabelecer a liderança do movimento somente com nomes negros.[14] A rebelião chegou a dar o comando do MPLA a José Eduardo dos Santos,[14] mas foi debelada rapidamente por Agostinho Neto, que anistiou os envolvidos, incluíndo Jacob Monstro Imortal.[15]
A 25 de abril de 1974, a Revolução dos Cravos derrubou o regime salazarista e acelerou a descolonização da África lusófona.[14] A 1 de agosto de 1974, o EPLA foi transformado nas FAPLA.[5] Nas novas forças armadas, Jacob Monstro Imortal assumiu postos de comando na Frente Norte, que incluía as Regiões Político-Militares I e II (Cabinda).[5]
Em 8 de novembro de 1974 faz parte da "delegação dos 26" do partido chefiada por Lúcio Lara, histórica primeira visita de uma delegação do MPLA a ser recebida oficialmente em Luanda. A chegada da delegação de Lara, que contava também com Jacob Monstro Imortal, foi esperada por uma multidão de militantes em grande êxtase, que rompeu as barreiras e invadiu a pista do Aeroporto de Luanda quando o avião da delegação pousou. A vinda de Lara deveria servir para preparar terreno para que Agostinho Neto fizesse sua primeira visita a Luanda após a Revolução dos Cravos. Esta visita contribuiu para que o MPLA rapidamente assumisse posições dominantes em Luanda.[16]
Na assinatura do Acordo do Alvor, que estabeleceu os parâmetros para a partilha do poder no processo de independência de Angola,[17] Jacob Monstro Imortal foi nomeado pelo MPLA para compor a hierarquia militar do Governo de Transição, ficando com um dos Comandos de Área, juntamente com Pedro Timóteo "Barreiro" Kiakanwa (FNLA) e "Edmundo Rocha" Sabino Sandele (UNITA).[17]
A partir de março de 1975 a guerra anticolonial transformou-se numa guerra civil entre o MPLA, a FNLA e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).[14] A independência de Angola foi proclamada pelo MPLA em 11 de novembro de 1975. Agostinho Neto tornou-se presidente da República Popular de Angola.[14] Com a patente de general, Jacob Monstro Imortal tornou-se um dos Vice-Comandantes do Estado-Maior General das FAPLA.[3] Em novembro de 1975, Jacob Monstro Imortal foi enviado para Porto Amboim, mantendo contato direto com o Presidente Neto em relação ao colapso das frentes sul e centro que estavam sob a pressão das tropas sul-africanas e da UNITA.[18] A situação foi contornada pela intervenção militar cubana, que veio em auxílio às tropas de Jacob Monstro Imortal.[18]
Posteriormente, comandou a 9.ª Brigada de Fuzileiros Motorizados das Forças Especiais das FAPLA, que eram as forças elite de defesa de Luanda.[14] Contribuiu fortemente para formação de consciência de classe nas FAPLA, formando estruturas de formação política nas unidades militares.[14]
Politicamente, Jacob Monstro Imortal estava na esfera ideológica de Nito Alves, que fora, nas décadas de 1960 e 1970, seu imediato superior na I Região Político-Militar, além de ser seu conterrâneo nos Dembos. Tornou-se um dos líderes do grupo de oposição comunista ortodoxo chamado de Fraccionismo-Nitista,[2] que reclamava que Angola deveria urgentemente fazer a transição para o modelo comunista soviético.[14] A partir dessas posições, o grupo de oposição tornou-se crítico ferrenho da figura de Neto e sua posição de transição moderada ao socialismo/comunismo pela via nacionalista.[14] Além disso, o grupo Fraccionismo-Nitista reclamava a continuação de uma luta de classes que tomava forma de um debate racista contra uma suposta liderança estatal branco-mestiça.[14]
No início do ano de 1977, Jacob Monstro Imortal juntou-se à conspiração Nitista, fazendo parte do grupo de figuras-chave que incluía, além de Nito Alves, José Jacinto Van-Dúnem,[14] Sita Valles,[14] David Minerva Machado,[14] Arsénio Totó Sihanouk,[14] Luís dos Passos[14] e Eduardo Ernesto Bakalof.[14] No planeamento da ação, foi atribuído à 9ª Brigada o papel de tropa de choque da intentona.[14] Entretanto, Monstro Imortal havia sido incluído na comissão do Comité Central do MPLA para investigar as actividades Fraccionistas — porém informava regularmente Alves sobre as acções e intenções dos membros do governo.[18] Mas a participação de Monstro Imortal no grupo Nitista não se mostrava evidente.[18] Ele buscou manter discrição e se absteve de fazer declarações e reuniões públicas, aparecendo apenas em reuniões secretas importantes.[18]
No dia 21 de maio, Nito Alves e José Jacinto Van-Dúnem foram expulsos do MPLA.[14] Um dia depois, em 23 de maio, uma reunião da 9ª Brigada exigiu a reintegração dos dirigentes Nitistas no partido e no Comité Central.[14] Em 24 de maio Alves realizou a última reunião secreta. O plano traçado incluía a eliminação física de Neto, Lara, Carreira, Saíde Mingas e Lopo do Nascimento.[14] No dia seguinte, Alves teve uma reunião separada com Monstro Imortal, a quem seria atribuído o cargo de Ministro da Defesa num hipotético governo Fraccionista-Nitista.[18]
A tentativa de golpe de Estado Fraccionista começou na manhã de 27 de maio de 1977.[14] Viaturas blindadas da 9ª Brigada e uma manifestação de moradores bairro do Sambizanga foram os códigos da ação.[14] Conforme planejado, os Nitistas assumiram a Cadeia de São Paulo[14] e o prédio da Rádio Nacional de Angola.[14] Várias figuras proeminentes do gabinete de governo de Neto foram feitas reféns.[14] No entanto, Neto, Nascimento, Lara e Carreira, quatro dos cinco alvos principais, não foram encontrados.[14]
Unidades da Direção de Informação e Segurança de Angola (DISA) e de tropas cubanas envolveram-se em escaramuças e confrontos para debelar a rebelião.[14] Os líderes dos Nitistas tentaram se esconder nos Dembos, terra natal de Alves e Jacob Monstro Imortal. A DISA e os cubanos lideraram uma dura perseguição. Jacob Monstro Imortal foi um dos primeiros a ser capturado. A data exata e as circunstâncias da sua morte não são conhecidas, embora presuma-se que tenha morrido em 1977 em Luanda.[1]
Vida pessoal
[editar | editar código-fonte]Em 26 de fevereiro de 1972, em Brazavile, casou-se com a também militar Luísa Mateus Pereira Inglês Ferreira,[19] que possuía o codinome Luísa Pensar Primeiro.[20] Posteriomente a sua morte, Luísa Pensar Primeiro serviu como deputada pelo MPLA na Assembleia Nacional, exercendo mandato legislativo até sua morte de causas naturais em 2004.[21] Com Luísa teve uma única filha, Florbela Caetano.[22] Seu sobrinho, Mário Caetano, também seguiu carreira política no Estado angolano.[23]
Declarações posteriores e reenterro
[editar | editar código-fonte]No dia 26 de maio de 2021, o Presidente João Lourenço declarou "um sincero arrependimento" e pediu desculpas em nome do Estado. Em seu discurso foi mencionado o nome de João Jacob Caetano Monstro Imortal.[24]
No dia 13 de junho de 2022, os restos mortais de Jacob Monstro Imortal foram sepultados em Luanda, no cemitério do Alto das Cruzes. A cerimônia foi de caráter solene oficial. O Presidente Lourenço foi representado pelo chefe do seu serviço de segurança e do gabinete militar, Francisco Furtado, e do governo pelo Ministro da Justiça Francisco Queiroz, pelo Ministro do Interior Eugénio Laborinho, e pelo Ministro das Telecomunicações Manuel Homem. Florbela Caetano, filha de Jacob Monstro Imortal, agradeceu ao presidente pelo ato de reparação à família.[22]
Notas
- ↑ Há bastante divergência sobre seu nome, registrando-se, além de "João Jacob Caetano": "Jacob João Caetano", "Jacob Caetano João", "Jacob Caitano", "Jacobo Caetano" e "João Caetano Jacob"
Referências
- ↑ a b c d Jacob Caetano. ATD. 2023.
- ↑ a b Silva, Berthler J. C. da; Domingos, Noé; Januário, João M.; Franciso, Osvaldo P.; Pedro, Samuel S.. (2023). As Principais Ideias Políticas Durante as Guerras de Libertação e Formação dos Estados Nacionais (Angola). Luanda: Universidade de Belas
- ↑ a b c d e Restos mortais de vítimas de conflitos sepultados. Jornal de Angola. 14 de junho de 2022.
- ↑ Equipa de futebol do EPLA no Mbinza. ATD. Leopoldville, 1962.
- ↑ a b c Translations on Africa. 3. [S.l.]: U.S. Joint Publications Research Service. Janeiro de 1975
- ↑ Conferência de Quadros do MPLA. ATD. 1964.
- ↑ Acta da Reunião plenária do Comité Director. ATD. 1966.
- ↑ Relatório do EPLA sobre Esquadrão Vermelho. ATD. 1963.
- ↑ Base das Pacaças (MPLA) - grupo de guerrilheiros. ATD. 1965.
- ↑ Esquadrão Cienfuegos. Lista nominal. ATD. 1966.
- ↑ Agostinho Alexandre Joaquim da Silva (2014). Angola: Dinâmicas Internas e Externas na Luta de Libertação (1961—1975). Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Faculdade de Ciência Política, Lusofonia e Relações Internacionais
- ↑ Reunião Plenária do Comité Director do MPLA. ATD. 27 de setembro de 1971
- ↑ Lista da delegação do MPLA para acordos com FNLA. ATD. 1972.
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac ad Inácio Luiz Guimarães Marques (2012). Memórias de um golpe: O 27 de maio de 1977 em Angola (PDF). Niterói: Universidade Federal Fluminense
- ↑ «A vida e o poder de José Eduardo dos Santos, o pai da Corte de Luanda». Observador. 28 de dezembro de 2020
- ↑ Primeira delegação chegou há 43 anos. Jornal de Angola. 9 de novembro de 2017.
- ↑ a b 1 926 - Os membros do Governo de Transição. Cavaleiros do Norte/BCAV. 8423. 1 de fevereiro de 2014.
- ↑ a b c d e f Michael Wolfers (1984). Angola In The Front Line. [S.l.]: Zed Books Ltd
- ↑ Casamento de Luísa Inglês Pereira com Jacob João Caetano. ATD. 26 de fevereiro de 1972.
- ↑ Luísa Inglês Pereira. ATD. 2023.
- ↑ Resolução n.º 51/04. Assembleia Nacional. sumário: Aprova a perda por morte do mandato da Deputada Luísa Mateus Pereira Inglês Ferreira. Diário da República Iª Série N.º 101 - Imprensa Nacional Angola.
- ↑ a b Angola: Ossadas de Nito Alves, “Monstro Imortal”, “Sianouk” e Ilídio Ramalhete entregues às famílias. VOA Português. 8 de junho de 2022.
- ↑ Mário Caetano João: De empregado de McDonald's a Ministro da Economia de Angola. Luanda Post. 2 de setembro de 2021.
- ↑ Presidente angolano pede desculpas por execuções sumárias do 27 de maio. Portugal Digital. 26 de maio de 2021