Cráton
Cratão, Crátons ou Cratões (do grego κράτος kratos, significa "força") são porções diferenciadas da litosfera continental, composta pela crosta continental e uma porção do manto superior, caracterizados por apresentarem raízes mantélicas antigas e espessas, as quais se estendem por centenas de quilômetros no manto terrestre. Essas características conferem-lhes a particularidade de possuírem alta resistência mecânica e, por consequência, longa estabilidade tectônica[1], de modo que representam unidades geológicas poupadas de orogêneses Fanerozoicas. São caracteristicamente/essencialmente compostos por um embasamento cristalino[2] antigo, apresentam geralmente núcleos Arqueanos, havendo comumente materiais mais jovens que podem ter experimentado ou não deformações e/ou metamorfismo. Podem apresentar cobertura que compreendem unidades cujas idades vão desde o Paleoproterozoico ao Recente[1].
São geralmente localizados nos interiores das placas tectônicas, tendo frequentemente sobrevivido a ciclos de abertura e fechamento continentais, delimitados por cinturões orogênicos. Embora incomum, áreas cratônicas podem sofrer riteamento e separação seguida de deriva continental, com instalação de oceano à medida que os processos tectônicos atuam, como ocorreu com o Cráton São Francisco-Congo[3] durante a fragmentação do supercontinente Gondwana.
Os crátons são divididos em dois tipos principais de estruturas: os escudos cristalinos e as plataformas:
- Escudos Cristalinos: são também chamados de maciços antigos e caracterizam-se por serem compostos por rochas cristalinas (ígneas e metamórficas). São tipos de crátons que afloraram na superfície, ou seja, não foram recobertos por outros tipos de estruturas geológicas.
- Plataformas: são composições de crátons recobertas por outras formações estruturais, geralmente por camadas de sedimentos, as bacias sedimentares. São também conhecidas por embasamentos cristalinos e geralmente são formadas por regiões de depressões relativas, salvo quando a cobertura sedimentar é muito extensa.
A palavra Cráton foi proposta pela primeira vez pelo geólogo austríaco Leopold Kober em 1921 como Kratogen, referindo-se a plataformas continentais estáveis, propondo também orogen como termo para cinturões de montanha ou orogênicos. Mais tarde, Hans Stille encurtou o antigo termo para kraton, do qual deriva a palavra atual.[4]
Os crátons possuem grande relevância econômica por serem hospedeiros de importantes depósitos de minérios, principalmente metais como ouro, ferro e cobre, como nas províncias Quadrilátero Ferrífero e Carajás no Brasil. Além disso o estudo dos Crátons fornece significativa contribuição para o compreensão da estrutura e do passado geológico do planeta, uma vez que essas unidades alojam rochas muito antigas e pouco deformadas.
Exemplos pelo mundo são os Congo e o Kaapvaal na África do Sul, Cráton Norte Americano na América do Norte, Cráton Indiano na Índia, Cráton do Norte da China, Cráton Pilbara na Austrália Ocidental entre outros. O Brasil possui quatro unidades cratônicas em seu território, abordadas a seguir, sendo eles o Amazônico, do São Francisco, Rio de la Plata e São Luís.
Estrutura
[editar | editar código-fonte]Crátons possuem raízes litosféricas frias e espessas, entre 200 e 400 km de espessura,[5] com a zona de baixa velocidade do manto mal definida ou até mesmo ausente, comprovado por estudos de tomografia sísmica do manto.[1] São isostaticamente positivos, entretanto correspondem aos grandes baixos topográficos dos continentes, sendo verdadeiros hospedeiros de grandes bacias hidrográficas. Possuem relevo interno pouco pronunciado,[5] em contraste às faixas orogênicas que os cerca.
As raízes mantélicas se estendem até a Astenosfera, o que corresponde a mais de duas vezes a espessura típica de aproximadamente 100 km das litosferas comuns. São sustentados por um manto litosférico diferenciado e menos denso que aquele sob os oceanos, causados por um desfalque em Fe e Al. Sendo assim a litosfera cratônica é distintamente diferente à oceânica, uma vez que os Crátons apresentam flutuabilidade neutra ou positiva e baixa densidade, a qual compensa a densidade devido à contração geotérmica e impede que o Cráton se afunde no manto profundo[6].
Formação
[editar | editar código-fonte]Embora os crátons sejam reconhecidos há muito tempo como uma parte importante da crosta continental, sua origem e evolução ainda não são bem compreendidas. A maioria dos pesquisadores concorda que os crátons são o produto final de orogêneses de colisão e, portanto, são como corpos que construíram o continente[7].
O processo de formação de crátons a partir de rochas mais antigas é chamado cratonização. A primeira massa cratônica formou-se no Arqueano. Devido à maior concentração de isótopos radioativos naquela época, e ao calor residual do processo de acreção na Terra, o fluxo de calor do planeta no início do Arqueano era quase três vezes maior que o atual. Houve consideravelmente maiores atividades vulcânicas e tectônicas, o manto era menos viscoso e a crosta mais fina. Isso rapidamente resultou em crostas oceânicas formadas em cadeias e pontos quentes, e no rápido reaproveitamento dessas crostas em zonas de subducção. A superfície da Terra provavelmente foi separada em várias pequenas placas com arcos de ilha e arcos vulcânicos. Os continentes existentes eram pequenos, impedidos de se agruparem para formar corpos maiores, devido à alta taxa de atividade geológica.
Existem pelo menos três hipóteses de como os crátons foram formados: 1) A superfície da crosta foi engrossada por plumas mantélicas; 2) Placas de subducção sucessivas de litosfera oceânica que se alojaram em baixo do futuro cráton, colando-se a ele e tornando-o mais grosso; 3) Crescimento a partir de arcos de ilhas ou fragmentos continentais que são juntamente transportadas e espessadas até a formação do cráton[8].
Crátons no território brasileiro
[editar | editar código-fonte]Cráton do São Francisco
[editar | editar código-fonte]O Cráton do São Francisco está localizado na porção centro-leste do continente sul-americano, especialmente sob os estados de Minas Gerais e Bahia. O Cráton corresponde a terrenos de origem arqueana, que foram modificados durante eventos paleo e neoproterozoicos, durante a Orogenia Brasiliana e adquiriram estabilidade ao final do Evento Transamazônico. Está hospedado sobre a antiga placa São Francisco-Congo e é envolvido numa sucessão de colisões que terminam com a formação do Gondwana ao final do Neoproterozoico[9], sendo o Cráton do Congo o representante da extensão do Cráton São Francisco na África (ver: Deriva Continental). Seus limites são delimitados pelas faixas brasilianas[10] Brasília (a sul e oeste), Rio Preto (a noroeste), Riacho do Pontal (a norte), Sergipana (a norte) e Araçuaí (a sudeste)[11]. A leste, o Cráton encontra a margem continental, em que se situam as bacias do Jequitinhonha, Almada, Camamú e Jacuípe.
Na porção interior do Cráton, predominam coberturas pré-cambrianas e fanerozoicas, com locais de exposição do embasamento. Tais coberturas compreendem três grandes unidades morfotectônicas: a Bacia do São Francisco, o Aulacógeno do Paramirim e uma grande parte do Rifte Recôncavo-Tucano-Jatobá[12]. Além destes, há participação de domínios neoproterozoicos do tipo foreland do Rio Pardo e da Faixa Sergipana. Já a porção do embasamento exposto ao sul do Cráton, na faixa sul do Quadrilátero Ferrífero, corresponde ao Cinturão Mineiro[13].
Cráton Amazônico
[editar | editar código-fonte]O Cráton Amazônico estende-se por uma área de cerca de quatro milhões de quilômetros quadrados no norte do país e constitui a maior região cratônica do Brasil. É composto por terrenos Arqueanos a Mesoproterozoico denominados Escudo das Guianas, ao norte, e do Escudo do Guaporé ou do Brasil Central, ao sul, separadas pelas grandes bacias sedimentares Fanerozoicas do Amazonas e Solimões. Devido à densa cobertura de floresta tropical Amazônica, é uma das menos estudadas e conhecidas áreas de terrenos pré-cambrianos do mundo[14].
A partir de estudos geocronológicos do Cráton Amazônico, os Escudos foram divididos em oito províncias geotectônicas: a província Amazônica Central é interpretada como produto da fusão parcial de crosta continental arqueana; as províncias Carajás-Imatacá e Transamazônica consistem em terrenos granito-greenstone belts; as províncias Tapajós-Parima e Rondônia-Juruena são discutidas como crosta acrescida como cinturões orogênicos; Rio Negro e Sunsás, províncias relacionadas à reciclagem magmática de cinturões orogênicos mais antigos; e a província K’Mudku, desenvolvida em uma extensa zona de cisalhamento que resultou na deformação e retrabalhamento de rochas. Dentre essas, as exposições arqueanas se restringem à Província Carajás-Imataca, com a maior quantidade de rochas dessa idade aflorantes no país.[15]
Cráton São Luis
[editar | editar código-fonte]O Cráton São Luís encontra-se ao norte do Brasil, cobrindo partes do estados do Maranhão e do Pará, tendo extensão de cerca de 400 km na direção leste-oeste e 120 km na direção norte-sul. Ele se formou a partir de terrenos paleoproterozoicos e sofreu modificações durante o Ciclo Orogênico Transamazônico. Seus limites não são muito claros, devido às descontinuidades com coberturas Fanerozoicas, mas estima-se que seu limite leste se encontre a algumas dezenas de quilômetros a leste da Cidade de São Luís, o sudoeste é delimitado pela zona de cisalhamento Tentugal e pela Faixa Gurupi e a norte suas rochas são cortadas pelo litoral brasileiro e desaparecem sob as bacias costeiras fanerozoicas. As rochas do cráton consistem em três suítes de granitoides e uma sucessão metavulcanossedimentar pouco volumosa.[16] Essas rochas são cobertas por bacias sedimentares mais jovens.
Cráton Rio de La Plata
[editar | editar código-fonte]O Cráton Rio de la Plata abrange o Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, o Uruguai e a porção nordeste da Argentina. O Cráton é composto por complexos metassedimentares de idade Arqueana a Paleoproterozoica, tendo sido consolidado no Paleoproterozoico, ao fim da Orogenia Transamazônica, e modificado durante a Orogenia Brasiliana, no Neoproterozoico.[17]
Colisões do Cráton Rio de la Plata com outros Crátons deram origem a cinturões orogênicos, como o cinturão Dom Feliciano, em colisão com o Cráton São Francisco, a norte do Cráton Rio de la Plata;[18] o cinturão Kaoko, em colisão com o Cráton do Congo, a nordeste do Cráton Rio de la Plata;[19] e o cinturão Gariep, em colisão com o Cráton Kalahari, a leste do Cráton Rio de la Plata.[18] Estes cinturões são evidências importantes para a amalgamação da porção oeste do Supercontinente Gondwana.
O Cráton Rio de la Plata é coberto quase que completamente por cobertura Fanerozoica, dificultando a definição de limites e extensão.
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Escala de tempo geológico
- Bacias sedimentares
- Geomorfologia do Brasil
- Deriva Continental
- Tectônica de placas
- Crusta continental
Referências
- ↑ a b c Alkmin, 2004
- ↑ THE NEW Encyclopaedia Britannica: micropaedia. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1986. 162 p. v. 30.
- ↑ Alkmim et al, 2007.
- ↑ Şengör, A.M.C., 2003
- ↑ a b Alkmim, 2004.
- ↑ Petit, 2003.
- ↑ Condie, 1993.
- ↑ Petit, 2010
- ↑ Almeida, 1977
- ↑ Brito Neves, 1995.
- ↑ Alkmim, 2004
- ↑ Silva, 2003
- ↑ Noce et al, 2013
- ↑ Cordani, 2017
- ↑ Santos et. al, 2000
- ↑ Klein et. al, 2005
- ↑ Almeida et. al, 1973
- ↑ a b Oyhantçabal et. al, 2011
- ↑ Dürr & Dingeldey, 1996
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- A. J. P. da Silva. “Bacias Sedimentares Paleozoicas e Meso-Cenozoicas Interiores”. Geologia, Tectônica e Recursos Minerais do Brasil L. A. Bizzi, C. Schobbenhaus, R. M. Vidotti e J. H. Gonçalves (eds.) CPRM, Brasília, 2003.
- Alkmim, F.F., Pedrosa-Soares, A.C., Noce, C.M. & Cruz, S.C.P. 2007. Sobre a Evolução Tectônica do Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental. Geonomos.
- Brito Neves, B. B. D. “Crátons e Faixas Móveis”. Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, 1995.
- Brito Neves, B. B. D.; Campos Neto, M. D. C.; Fuck, R. A. (1999). "From Rodinia to Western Gondwana: an approach to the Brasiliano-Pan African Cycle and orogenic collage" (pdf). Episodes. 22 (3): 155–166.
- Chapman, David S; Pollack, Henry N (1977): Component parts of the World Heat Flow Data Collection. PANGAEA
- CONDIE, K. Plate Tectonic and Crustal Evolution, 4 ed. New México Institute of Mining and Technology Socorro, New México: Butterworth Heinemann, 1993.
- CORDANI, U. G. História geológica do Cráton Amazônico. In: ANAIS 15º SIMPÓSIO DE GEOLOGIA DA AMAZÔNIA. Belém, 2017. p. 11-16.
- COUTINHO, M. G. da N. Geologia do Cráton Amazônico. CPRM, cap.2, p. 15-32.
- Dalla Salda, L., Bossi, J., Cingolani, C., 1998. The Rio de La Plata Cratonic Region of Southwestern of Gondwanaland. Ž. Episodes 11 4 , 263–269.
- de Almeida F.F.M., Amaral G., Cordani U.G., Kawashita K. (1973) The Precambrian Evolution of the South American Cratonic Margin South of the Amazon River. In: Nairn A.E.M., Stehli F.G. (eds) The South Atlantic. Springer, Boston, MA.
- E. L. Klein, C. A.V. Moura e B. L.S. Pinheiro, Paleoproterozoic Crustal Evolution of the São Luis Craton, Brazil: Evidence from Zircon Geochronology and Sm-Nd Isotopes. In: Gondwana Research, V 8, No. 2: pp. 177–186. International Association for Gondwana Research, Japan, 2005.
- F. F. Alkmim, “O que faz de Cráton um Cráton? O Cráton do São Francisco e as Revelações Almeidianas ao Delimitá-lo,” In: Geologia do Continente Sul-Americano: Evolução da Obra de Fernando Flávio Marques Almeida, Editora Beca, São Paulo, 2004.
- F. F. M. DE ALMEIDA. “O Cráton do São Francisco”. Revista Brasileira de Geociências- Volume 7,1977.
- NOCE, Carlos M. et al. O EMBASAMENTO ARQUEANO E PALEOPROTEROZOICO DO ORÓGENO ARAÇUAÍ. Revista Geonomos, [S.l.], feb. 2013.
- Oyhantçabal, P., Siegesmund, S. & Wemmer, K. Int J Earth Sci (Geol Rundsch) (2011) 100: 201. https://doi-org.ez27.periodicos.capes.gov.br/10.1007/s00531-010-0580-8
- Petit, Charles (18 December 2010). "Continental Hearts - Science News". Science News. Society for Science & the Public. 178 (13): 22–26. doi:10.1002/scin.5591781325. ISSN 0036-8423
- Santos, J. O. S.; Hartmann, L. A.; Gaudette, H. E.; Groves, D. I.; Mcnaughton, N. J.; Fletcher, I. R. A new understanding of the Amazon Craton Provinces based on integration of field mapping and U-Pb and Sm-Nd geochronology. Gondwana Research, Japão, v. 3, n. 4, p. 453-488, 2000.
- S.B. Dürr, D. P. Dingeldey (1996); The Kaoko belt (Namibia): Part of a late Neoproterozoic continental-scale strike-slip system. Geology 24 (6): 503-506.
- Stanley, Steven M. (1999). Earth System History. New York: W.H. Freeman and Company. pp. 297–302. ISBN 0-7167-2882-6.
- Şengör, A.M.C. (2003). The Large-wavelength Deformations of the Lithosphere: Materials for a history of the evolution of though from the earliest times toi plate tectonics. Geological Society of America memoir. 196. p. 331.