A alma do tempo
A Alma do Tempo: Memórias (formação e mocidade) | |||||
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Autor(es) | Afonso Arinos de Melo Franco | ||||
Idioma | português brasileiro | ||||
País | Brasil | ||||
Gênero | Memórias | ||||
Editora | José Olympio | ||||
Lançamento | 1961 (1a edição) | ||||
Cronologia | |||||
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A Alma do Tempo é o primeiro volume de memórias do poeta, ensaísta, crítico literário, teatrólogo, jurista, sociólogo, pensador político, professor, orador, parlamentar, diplomata e escritor brasileiro Afonso Arinos de Melo Franco. Foi publicado em 1961 pela Editora José Olympio e reeditado em 2018 em edição da Editora Topbooks reunindo os cinco livros de memórias do autor. O título foi inspirado em uma frase de Carlyle que o atraíra: "Nos livros reside a alma do tempo que passou; a voz articulada e sensível do passado, quando o seu corpo e a sua substância já se esvaíram de todo, como num sonho."[1]
Escrito entre 16 de outubro de 1959 e o dia de Natal de 1960, mescla observações sobre a atualidade que está vivendo com reminiscências, em ordem cronológica (exceto um ou outro salto temporal) de sua vida passada, desde o nascimento e infância até a eleição para deputado federal após a queda do ditador Getúlio Vargas a fim de “representar o povo mineiro na casa do povo brasileiro”.
Segundo Pedro Nava, os cinco livros de memórias do autor representam um "cosmorama admirável do mundo moderno e da política internacional, do Brasil e sua vida social, do espírito mineiro"[2]
Sumário e trechos do livro
[editar | editar código-fonte]O autor nasceu “em fins de 1905, filho de um casal de ilustre progênie, mineira e brasileira”.[3] Sua família se distinguia pela “ininterrupta tradição intelectual que fazia da literatura, na nossa casa, uma coisa comum, uma conversa de todo dia. [...] O mundo era para mim Belo Horizonte”[4] “Poucas são as recordações que me restam, dignas de menção, sobre o [Colégio] Pedro II. Cheguei ali mal saído da infância, aos 11 anos, e terminei o curso no limiar da mocidade, aos 16.[5]
No “final trágico do ano de 1918” o autor perde a mãe e o irmão Cesário para a Gripe Espanhola.[6] “Naquele momento senti-me imensamente sozinho, só para sempre, parado diante da escuridão.”[7] Aos 16 anos, prestou exames vestibulares para a Faculdade de Direito. Naquele ano (1922), “a atmosfera política foi-se tornando cada vez mais carregada.”[8] Em 1923, seu pai exerceu missão diplomática na Conferência Pan-Americana de Santiago, e na vida boêmia que ali levou, o autor contraiu uma lesão pulmonar.
“Os anos de 1923 e 1924, entre a volta do Chile e a partida para a Europa, foram de constante preocupação literária”.[9] O autor vinculou-se, de corpo e alma, ao movimento modernista.[10] Em 1924 o pai foi nomeado embaixador junto à Liga das Nações, em Genebra, e o autor, aos 18 anos, convalescente de uma grave pleurisia, seguiu, com a família, para a Europa.[11] “Naquela época eu já havia lido muito mais do que os homens idosos que me cercavam.”[12] Ao conhecer pela primeira vez Paris, então “o berço e o modelo da nossa cultura”, “a ansiedade daquele encontro superava a de qualquer espera amorosa”.[13] Em fins de março ou princípios de abril de 1925, partiu para Roma, onde chegou “triste e sozinho”.[14] Mas a melancolia logo se dissipou “como a névoa matinal ao calor do sol”[15] e logo descobriu “quanta vida se desprendia de tantas maravilhas restadas de tempos mortos.”[16] Com a chegada do outono em 1925, pensando “no curso que deixara em meio, na matrícula trancada”, começou a cogitar em voltar ao Brasil.[17]
Chegou no Rio na primeira quinzena de dezembro. Em 1926, retornou ao 4o ano da Faculdade de Direito na então Universidade do Rio de Janeiro.[18] Um grande baile em Petrópolis “marcou o ponto de partida de todo o resto de minha existência”: conheceu Anah, com quem se casaria. “Éramos assistentes e figurantes do mistério milenar, que em nós se renovava.”[19] Durante todo o anos de 1926 sua vida “se confundiu com o desabrochar de um grande amor”.[20] Em 11/8/1927, recebeu o diploma de bacharel em direito e seguiu para Belo Horizonte a fim de assumir uma promotoria de justiça.[21] “Não conhecia quase ninguém no palácio da Justiça, não tinha nenhum preparo para o exercício das minhas funções, não sentia qualquer interesse maior por elas.”[22] “A promotoria me punha em contacto com a vida do povo e com as misérias dessa vida. Até então a ideia que eu tinha dos sofrimentos do mundo e das injustiças sociais era colhida dos livros.”[23] “Sentia-me às vezes tão triste que chegava a sair à noite, para não ficar sozinho em casa.”[24]
No primeiro semestre de 1928, “foi-se amadurecendo em mim a decisão de regressar ao Rio de Janeiro, de qualquer maneira.[25] “Uma bela tarde, pelo velho noturno mineiro, desprendi-me da minha cidade natal e volvi à terra adotiva, onde passara a infância e iniciava a mocidade.”[26] Em 2 de outubro de 1928 casou-se com Anah,[26] e alugaram uma casa na rua Souza Lima, Copacabana.[27] No biênio 1929-1930, de manhã trabalhava nos escritórios da empresa de energia elétrica Bond and Share, e à tarde, na Inspetoria de Bancos. “Essa vida de atividade constante começou a desgastar-me a saúde”[28] e devido à tuberculose, que naquela época podia significar a morte ou invalidez por toda a vida, o casal teve de se transferir para Belo Horizonte, em cujas cercanias o autor se internou num sanatório.[29] Em 11 de novembro nasceu o filho mais velho do casal,[30] que quase faleceu devido à falta de leite da mãe, sendo salvo pelo leite oferecido por uma vizinha lactante. No início de 1931, o casal partiu para a Europa, para o autor se tratar na Suíça. Na viagem, Anah contraiu uma inflamação e teve de se submeter a uma operação de emergência, com parcos recursos médicos a bordo. “Não havia a quem recorrer; estávamos numa prisão ambulante. [...] Só pensava na hipótese de perdê-la, de vê-la morta e atirada ao mar.”[31] O casal internou-se num sanatório em Montana, Suíça. “O silêncio das montanhas, muito mais que o do mar, infundia-me essa espécie de gravidade simples, sem afetação, esse sentimento de humildade sem medo, que ainda hoje me domina em tais cenários, e que é como o reflexo, o eco, a luz esquiva da presença de Deus.”[32] O casal permaneceu na Suíça do início da primavera de 1931 ao fim do verão de 1932.[33]
Em fevereiro de 1932 serviu como secretário da delegação brasileira na Conferência Internacional do Desarmamento em Genebra.[34] “Sentia-me realmente em forma: saúde quase restabelecida, capacidade de trabalho averiguada.”[35] Em fins do verão, resolveu regressar ao Brasil. Em 1 de outubro de 1932 “entramos, de manhã, na [Baía da] Guanabara.”[36] O filho já estava com quase 2 anos, “falando, andando e nos desconhecendo”.[37] Em novembro “embarquei com a família para Belo Horizonte, onde aluguei uma das antigas casas da capital”.[38] Em 1933 assumiu a direção dos Diários Associados de Belo Horizonte.[39] Sua casa “tornou-se um dos centros políticos de Belo Horizonte, e eu me via cercado pelos acontecimentos e os seus principais figurantes.”[40] Afonso Arinos e seu irmão Virgílio, embora tivessem sido partidários da Revolução de 1930, desiludiram-se com o governo Vargas. “Pessoalmente a figura de Getúlio nunca me foi antipática. O regime, porém, que ele exprimia e explorava com o seu clã, constituiu, sempre, para mim, o modelo mesmo do mais repugnante patronato.”[41] “[...] Getúlio procurava, invariavelmente, diminuir todos os que o cercavam, para fazer sobressair a própria estatura que, como sabido, não era das mais avantajadas.”[42]
Por ter escrito um editorial para o jornal Estado de Minas censurado por seu proprietário Assis Chateaubriand, decidiu pedir demissão da direção e fundar um verdadeiro jornal de oposição, Folha de Minas.[43] O primeiro número foi lançado, com enorme êxito, em julho de 1934.[44] Em 1934, engajou-se na “luta contra a eleição de Getúlio, para presidente da República, pela Assembleia Constituinte” e apoiou a candidatura de Góis Monteiro.[45] A Folha de Minas foi “um sucesso intelectual e, até certo ponto, um êxito jornalístico”, mas a parte financeira “ia de mal a pior”.[46] Em virtude das dívidas, em 1935 o jornal foi entregue a dois bancos, que o repassaram para a posse do governo estadual, transformando-se em “melancólico órgão oficial”.[47] Em 27 de novembro daquele ano, ocorreu “o bárbaro, o estúpido levante comunista”[48], que foi “o primeiro golpe na vacilante Constituição democrática de 1934. Primeiro, mas mortal.”[49] No ano de 1936, “encerrada a aventura jornalística em Minas, assegurada a subsistência da família com o modesto posto de auxiliar de advogado do Banco do Brasil, iniciei uma fase de estabilidade na vida, que me propiciou um trabalho intelectual mais contínuo.[49]
De 1936 a 1957, morou numa casa na rua Anita Garibaldi, no 19, em Copacabana, Rio de Janeiro.[50] Em 1936, aceitou o convite para reger a cadeira de história do Brasil na Universidade do Distrito Federal recém-criada. Em 1937, “os que viviam próximos ao centro dos acontecimentos políticos estavam certos do golpe de estado.”[51] O autor perdeu “seu posto de professor, como em 1930 perdera o de fiscal de bancos. Dois empregos perdidos é tudo o que devo a Getúlio Vargas.”[52] “Isento da ambição de ganhar dinheiro, limitei-me, sob a ditadura, ao meu emprego no banco, reservando todo o tempo disponível às letras.”[53] Em 1939, foi enviado pelo Instituto Franco-Brasileiro de Cultura para uma série de palestras na Sorbonne.[54]
O autor mostrou-se intransigente democrata mesmo quando o Brasil, o mundo e os intelectuais se deixavam seduzir pelo canto da sereia das ideias totalitárias de direita ou esquerda. “Tudo o que existe em mim de mais autêntico, de mais pessoal naquilo que sou e de mais contínuo e atuante na minha formação espiritual e moral, impelia-me violentamente para o lado das democracias. Mas eu observava a divisão reinante nos círculos dirigentes brasileiros, militares, administrativos, e mesmo intelectuais.” “Na atmosfera oficial de simpatia pela Alemanha, atmosfera que predominou até que os primeiros navios brasileiros foram torpedeados [...] havia muito oportunismo, sem dúvida, e muita covardia, mas era inegável a existência de certa boa-fé, de certa maneira diferente de considerar o mundo e as coisas, e isso, precisamente, era o que mais me alarmava e surpreendia.” “A vitória parecia segura para o Eixo.”[55]
Naquele ambiente de repressão política, Afonso Arinos começou “a pensar em uma grande manifestação liberal, de hostilidade à ditadura, partida de Minas Gerais.” Tratou-se do Manifesto dos Mineiros, que lhe valeu a demissão do emprego no Banco do Brasil. “Palavras como estas eram como um toque de clarim, no silêncio pantanoso da censura.”[56] “Se lutamos contra o fascismo, ao lado das Nações Unidas, para que a liberdade e a democracia sejam restituídas a todos os povos, certamente não pedimos demais reclamando, para nós mesmos, os direitos e as garantias que as caracterizam. Aí estavam verdades óbvias, mas que ninguém então tinha coragem de proferir.”[57] A publicação do manifesto “foi um enorme sucesso. [...] O meio político percebeu que surgira, afinal, qualquer coisa de novo, no podre reino getuliano.” “Durante todo o ano de 1944 eu atuara ao lado de Virgílio e seus amigos. Estava certo de que Getúlio chegava ao fim.”[58] “As correntes contrárias à ditadura iam-se unindo, naturalmente, em uma organização clandestina, que breve se transformaria em partido político, o primeiro a romper das trevas, a União Democrática Nacional.”[59] “A mocidade de hoje não tem ideia do que foram aquelas horas de frenético entusiasmo, em que assistimos à democracia brasileira ressurgir, límpida e nua, dos andrajos de uma escravidão de tantos anos.”[60]
Em março de 1947 iniciou seu primeiro mandato de deputado federal por Minas Gerais. “Eu era o oitavo do meu sangue que, entre o Império e a República, vinha representar o povo mineiro na casa do povo brasileiro.”[61]
Referências
- ↑ Em inglês: “In books lies the soul of the whole Past Time: the articulate audible voice of the Past, when the body and material substance of it has altogether vanished like a dream.”
- ↑ Pedro Nava, "A Alma do Tempo", na edição da Editora Topbooks reunindo os cinco livros de memórias do autor.
- ↑ Pág. 61 da edição da Topbooks.
- ↑ Pág. 61.
- ↑ Pág. 118.
- ↑ Pág. 120.
- ↑ Pág. 122.
- ↑ Pág. 128.
- ↑ Pág. 140.
- ↑ Pág. 141.
- ↑ Págs. 149-50.
- ↑ Pág. 180.
- ↑ Pág. 184.
- ↑ Págs. 188-89.
- ↑ Pág. 190.
- ↑ Pág. 199.
- ↑ Pág. 212.
- ↑ Pág. 215.
- ↑ Pág. 247.
- ↑ Pág. 248.
- ↑ Págs. 250-1.
- ↑ Pág. 256.
- ↑ Pág. 257.
- ↑ Pág. 272.
- ↑ Pág. 280.
- ↑ a b Pág. 287.
- ↑ Pág. 294.
- ↑ Pág. 300.
- ↑ Pág. 305. Sanatório Hugo Werneck.
- ↑ Pág. 307.
- ↑ Pág. 315.
- ↑ Pág. 321.
- ↑ Pág. 322.
- ↑ Págs. 334 ss.
- ↑ Pág. 339.
- ↑ Pág. 352.
- ↑ Pág. 364.
- ↑ Pág. 367.
- ↑ Pág. 375.
- ↑ Pág. 383.
- ↑ Pág. 388.
- ↑ Pág. 392.
- ↑ Pág. 404.
- ↑ Pág. 406.
- ↑ Pág. 415.
- ↑ Pág. 419.
- ↑ Pág. 423.
- ↑ Pág. 425.
- ↑ a b Pág. 434.
- ↑ Pág. 440. Neste endereço ergue-se hoje um prédio.
- ↑ Pág. 448.
- ↑ Pág. 452.
- ↑ Idem.
- ↑ Pág. 460.
- ↑ Págs. 462-3.
- ↑ Pág. 487.
- ↑ Pág. 488.
- ↑ Pág. 494.
- ↑ Pág. 500. O nome da UDN foi sugerido por Afonso Arinos.
- ↑ Pág. 502.
- ↑ Págs. 519-20.