Carlos Góes
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GERADO EM: 10/08/2024 - 04:00

Colapso político e econômico na Venezuela: autoritarismo, crise e refugiados

A deterioração política e econômica da Venezuela é comparada ao colapso democrático em "Como as democracias morrem". O regime chavista, marcado por autoritarismo, abuso de poder e repressão, levou a uma crise econômica devastadora. Com queda drástica no investimento privado e na produtividade do petróleo, a economia encolheu mais de 75%, gerando hiperinflação e uma das piores estagflações do século. A crise humanitária resultou em milhões de refugiados e dependência de remessas estrangeiras. O apoio de líderes de esquerda brasileiros à ditadura venezuelana é questionado, enquanto outros como Boric e Petro recusam reconhecer resultados eleitorais duvidosos.

Nas últimas semanas, a Venezuela voltou aos noticiários. O chavismo reivindicou vitória enquanto a oposição divulgou mais de 70% dos relatórios de urnas e denunciou fraude. Desta vez, importantes figuras da esquerda sul-americana, como os presidentes chileno Gabriel Boric e o colombiano Gustavo Petro, se recusaram a reconhecer o resultado das eleições.

Mas a deterioração político-econômica da Venezuela não ocorreu do dia para a noite. Na esfera política, o país se encaixa bem na categorização dos cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no best-seller “Como as democracias morrem” (Ed. Zahar, 2018) sobre processos de colapso democrático.

Segundo os autores, o colapso começa com a eleição de um líder autoritário, passa pela concentração e abuso do poder nas mãos desse líder e termina com a repressão explícita da população.

Que Hugo Chávez tinha tendências autoritárias, nunca foi segredo. Em 1992, ele foi uma das lideranças de uma tentativa de golpe militar. Apesar de malsucedido, ele se tornou uma figura política central da oposição e, seis anos mais tarde, seria eleito presidente.

O abuso de poder também foi característico do regime desde seu início. Por exemplo, o governo deliberadamente divulgou listas de funcionários públicos e beneficiários de programa sociais que assinaram pedidos de recall (referendo para destituição) contra o mandato de Chávez.

Num bom estudo, quatro economistas mostram que pessoas cujos nomes foram divulgados tiveram queda relativa de 5% em seus salários e 1,5% em sua probabilidade de emprego.

A repressão política também começou na mesma época. Ainda em 2002, durante a greve geral contra o governo que iniciava os pedidos de recall, sedes de meios de comunicação foram incendiadas, diversas pessoas foram presas e pelo menos três foram mortas por motivos políticos.

Mais recentemente, um detalhado relatório da ONU subscrito por Michelle Bachelet, ex-presidenta do Chile, documentou a execução de 6.800 pessoas pelo governo venezuelano entre 2018 e 2019.

Como as democracias, as economias também morrem aos poucos.

Chávez costumava passear por Caracas filmando seu programa dominical e expropriar de forma arbitrária empresas, lojas e prédios pela cidade. Naturalmente, com insegurança tão grande quanto aos direitos de propriedade, o investimento privado aos poucos se deteriorou, caindo de 17% a 6% do PIB entre 1998 e 2012.

Ao contrário do que muitos argumentam, não são as sanções contra o país que explicam sua crise econômica. Ainda em 2014, cerca de 1 em cada 4 produtos se encontrava em desabastecimento na Venezuela, em parte como consequência dos diversos controles de preço impostos pelo governo. A reação deste foi parar de publicar o índice de escassez do Banco Central.

O aparelhamento da PDVSA também fez sua produtividade cair antes das sanções americanas de 2018 contra a empresa. Em 2011, o país produzia 2,8 milhões de barris de petróleo por dia. Ao fim de 2018, produzia menos de 1 milhão.

O resultado disso tudo você conhece. A economia venezuelana encolheu mais de 75%. Em preços internacionais, a renda per capita do país é hoje menor do que era em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial. O país passou por uma hiperinflação que superou os 60.000% ao ano, em 2022. A Venezuela se tornou um dos piores casos de estagflação no último século.

Há quase 8 milhões de refugiados venezuelanos distribuídos por todo o continente americano. É a maior crise migratória em tempos de paz da História. Hoje, a economia está dolarizada, e 35% da população sobrevivem com base nas remessas de moeda estrangeira que os que trabalham no exterior enviam.

A democracia e a economia venezuelanas morreram.

Essa discussão sobre uma crise econômico-humanitária em uma ditadura vizinha pode parece algo distante. Mas ela nos afeta. E o teimoso apoio de tantos líderes da esquerda brasileira à ditadura venezuelana é sintomático.

Como gritar em defesa da democracia e do desenvolvimento, como feito na última eleição, quando se toma o lado do Estado autoritário frente a um povo desarmado, desamparado e desafortunado? Contemporizar ou silenciar, como têm feito diversos de nossos políticos, fragiliza nosso próprio contexto.

Outros líderes da esquerda sul-americana, como Boric e Petro, parecem compreender isso. Oxalá os nossos também mudem de curso a tempo.

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