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Paralisia da Organização Mundial do Comércio não é acidente, é projeto, observam especialistas

© AP Photo / Donald StampfliSede da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, Suíça, em 14 de fevereiro de 1997
Sede da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, Suíça, em 14 de fevereiro de 1997 - Sputnik Brasil, 1920, 17.10.2024
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Desde 2019 o sistema de solução de disputas da Organização Mundial do Comércio está paralisado, devido à falta de um representante dos EUA, que não foi indicado nem por Donald Trump, nem por Joe Biden. Tida como um dos maiores símbolos do livre comércio, por que essa entidade, uma criação do Ocidente, segue morosa?
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma instituição intergovernamental criada em 1995, com o Acordo de Marrakech, para supervisionar e facilitar o comércio internacional.
A ideia por trás da OMC surgiu no pós-Segunda Guerra Mundial, quando as bases da economia mundial foram definidas nos acordos de Bretton Woods. Inicialmente haveria três instituições: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Internacional do Comércio.
A última, no entanto, nunca saiu do papel. Em seu lugar, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês) foi assinado, com o intuito de promover trocas internacionais e reduzir barreiras fiscais e alfandegárias.
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Eventualmente o GATT foi substituído pela OMC, que funciona como um fórum para a promoção de acordos internacionais e, com grande proeminência, para a resolução de litígios de práticas protecionistas.
Nos últimos anos, no entanto, esse mecanismo de solução de disputas está parado, prejudicando o andamento e o prestígio da organização. À Sputnik Brasil, analistas revelam o motivo dessa paralisia.

Chutando a escada

Em entrevista à reportagem, Antonio Carlos Diegues, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT), explica que a ideia por trás da liberalização do comércio promovida pela OMC tem como base o pressuposto da teoria das vantagens comparativas de David Ricardo, economista político britânico do século XIX.
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"Cada país se especializaria naquilo que é bom, e em via do comércio internacional você chegaria a um patamar adequado de desenvolvimento de acordo com suas forças produtivas."
No entanto, explicita o economista, historicamente não há uma correlação entre a liberalização do comércio e o desenvolvimento dos países. Na verdade, é possível estabelecer uma conexão contrária.

"Quando olhamos o processo de desenvolvimento estadunidense, das potências ocidentais e principalmente das asiáticas, observamos que essas ideias nunca foram adotadas."

Na outra ponta do pensamento econômico, o economista e filósofo alemão Friedrich List cunhou a ideia de "chutar a escada", isto é, que os países desenvolvidos se utilizaram de instituições e políticas industriais que não eram as mesmas que pregavam para países em desenvolvimento.
À Sputnik Brasil, o doutor em economia pela Universidade de Paris XIII e professor titular do Departamento de Teoria Econômica e do mestrado em avaliação de políticas públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Carlos Américo Leite Moreira ressalta que a OMC foi criada justamente para condenar, e até mesmo interditar, países que implementam políticas industriais, "como a de subsídios à exportação e a de proteção à indústria nascente".
Ou seja, a OMC é mais um mecanismo de derrubada da escada.
Nesse sentido, "os Estados Unidos são um exemplo notório de dissonância entre o discurso liberal e a implementação de políticas protecionistas", disse Moreira.

"Quando sua supremacia industrial foi consolidada, passaram a defender políticas de liberalização comercial e financeira. Essa políticas liberais foram determinantes para consolidar na periferia do sistema capitalista um cenário de baixo crescimento com aumento da desigualdade e da pobreza."

O fator China

Utilizada até então como um mecanismo de manutenção do poder econômico, de uma hora para outra a Organização Mundial do Comércio se viu, nos últimos anos, em uma encruzilhada, quando seus principais atores (EUA, Alemanha e Japão) perceberam que em breve a China disputaria a liderança tecnológica, científica e industrial.
Em reação a isso, a "tríade" decidiu por dois caminhos, diz Diegues. O primeiro é a reorganização dos desenvolvimentos tecnológicos em um novo paradigma, denominado de Indústria 4.0. No entanto, a China já vinha investindo e alcançando posições de liderança em muitas dessas tecnologias, afirmou o professor da Unicamp.
O segundo caminho foi o reavivamento explícito das políticas industriais.
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De maneira pública e sem pudor, os líderes das nações ditas ocidentais iniciaram uma guerra de barreiras comerciais à indústria chinesa. Isso foi explicitado pelo próprio presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que, em uma publicação em sua conta no X (ex-Twitter), anunciou novas tarifas em importações de eletrificação chinesa e afirmou:
"A China está determinada a dominar essas indústrias. Estou determinado a garantir que a América lidere o mundo nelas."

"Perceba, não se faz mais isso a salas fechadas, a portas fechadas. Faz-se em público. Rasga-se qualquer véu de liberalismo", diagnostica o economista.

OMC se tornou desnecessária?

Dessa forma, Moreira nota que a ausência de um representante indicado pelos EUA no corpo arbitrário da OMC, assim como ameaças do governo norte-americano de cortar o orçamento da organização, deve ser entendida no "contexto de acirramento do protecionismo estadunidense e da intensificação da guerra comercial entre os EUA e a China" e do abandono do "sistema internacional baseado em regras".
Por outro lado, o recrudescimento das políticas industriais por parte das nações desenvolvidas só pode surgir com o próprio abandono da Organização Mundial do Comércio, órgão no qual poderiam ser acionados pelos países do Sul Global, da mesma forma que estes foram ao tentar desenvolver suas indústrias.

"Por isso que os Estados Unidos também não nomeiam um novo ator para o corpo arbitrário, porque você está descumprindo um conjunto de regras do qual você é mais que signatário, você é o constituinte", crava Diegues.

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