Por Memória Globo

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O Livro dos Recordes não registra a marca, mas Tarcísio Meira não tem dúvidas de que foi “o cara que mais decorou palavras no mundo”. Só na televisão, foram mais de 60 trabalhos, entre novelas, seriados e minisséries, teleteatros e telefilmes, numa carreira que começou em 1961, na extinta TV Tupi: “Com certeza, algum ator mexicano terá feito mais novelas do que eu, falado mais palavras do que eu. Mas ele não terá decorado tantas: eles não decoram, usam ponto eletrônico”, justifica. 

E poderiam entrar na conta também os 22 longas-metragens que estrelou, dirigidos por cineastas como Glauber Rocha, Walter Hugo Khouri, Anselmo Duarte e Bruno Barreto; e as 31 peças de teatro em que atuou. O que dá cerca de 80 mil páginas, que renderam interpretações memoráveis, não só de personagens ficcionais, mas também de figuras históricas, como D. Pedro I e Euclides da Cunha. E não se trata somente de quantidade, mas também de qualidade: Tarcísio marcou presença em momentos-chave da televisão e – por que não dizer até – da cultura brasileira. Para ele, não poderia ser diferente. Tarcísio nasceu para ser ator. 

O trabalho do ator é bonito e útil. Diz respeito à sensibilidade. Eu procuro desempenhá-lo da melhor maneira possível, com a máxima eficácia. Tento convencer as pessoas das verdades daquele personagem. Essa carreira me gratifica muito.

Início da carreira

Nascido no dia 5 de outubro de 1935, em São Paulo, batizado Tarcísio Magalhães Sobrinho, o ator tomou emprestado da mãe o sobrenome Meira, que, além de ser mais sonoro, somava 13 letras com o primeiro nome – uma superstição da época; é só contar quantas tem Glória Menezes. Quando jovem, queria ser diplomata. Para sorte do espectador, porém, desistiu da ideia ao ser reprovado na primeira prova que fez para o Instituto Rio Branco, em 1957.

Decidido a seguir a carreira artística, atuou em peças como 'Chá e Simpatia' (1957), de Robert Anderson, e 'Quando as Paredes Falam' (1957), de Ferencz Molnar, até ser convidado para dividir o palco com Sérgio Cardoso em 'Soldado Tanaka', de George Kaiser, na qual interpretava um oficial do Exército japonês. “Foi em dezembro de 1959. Eu era muito jovem, e o personagem era muito forte, muito duro, rascante, metálico. Era uma grande responsabilidade. Sérgio Cardoso era o ícone do teatro brasileiro”, conta.

Tarcísio estreou na TV no mítico Grande Teatro Tupi, um programa de teleteatro, onde contracenou pela primeira vez com Glória Menezes em 'Uma Pires Camargo', em 1961, de Geraldo Vietri. Os dois se casaram no ano seguinte. Mas ele já estava de paquera desde o ano anterior: “Conheci Glória quando estava ensaiando uma peça dirigida por Antunes Filho. Eu a vi passar no palco e falei: ‘Que mulheraço! Que mulher bonita’”. Da união, nasceu, em 1964, o ator Tarcísio Filho.

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Depoimento de Tarcísio Meira sobre sua relação com Glória Menezes

Depoimento de Tarcísio Meira sobre sua relação com Glória Menezes

Em 1963, o casal trocou a Tupi pela Excelsior, onde participou da primeira novela diária da televisão brasileira, '25499 Ocupado', de Dulce Santucci, um sucesso estrondoso. Ainda em 1963, fez o seu primeiro filme, 'Casinha Pequenina', com Mazzaropi. Antes de ir para a Globo, trabalhou em mais nove novelas da Excelsior, entre elas 'Ambição' (1964), 'A Deusa Vencida' (1965) e 'Almas de Pedra' (1966), todas de Ivani Ribeiro.

Entrada na Globo

Sua estreia na Globo aconteceu em 1967, na novela 'Sangue e Areia'. A adaptação do romance do espanhol Blasco Ibañez escrita por Janete Clair fez com que Tarcísio e Glória se tornassem um dos pares românticos favoritos do público. Também marcou o início de uma parceria duradoura: ele protagonizou mais seis novelas da autora.

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Webdoc sobre a novela 'Sangue e Areia' (1967)

Webdoc sobre a novela 'Sangue e Areia' (1967)

'Irmãos Coragem' (1970), na qual viveu o mocinho João Coragem, foi um dos maiores sucessos da fase preto e branco da TV brasileira. Para se ter uma ideia, o seu penúltimo capítulo deu mais audiência que a final da Copa do Mundo. “Foi a primeira novela que os homens admitiam que viam (novela). Até então, eles viam meio escondidos, porque novela era coisa de mulher”, explica.

O casal esteve presente em mais um momento marcante da história da televisão brasileira. 'O Caso Especial: Meu Primeiro Baile', inspirado no francês Carnet de Baile, de Jacques Prévert, foi o primeiro programa inteiramente gravado em cores a ser exibido na televisão brasileira. A adaptação de Janete Clair, dirigida por Daniel Filho, foi ao ar em 31 de março de 1972.

O último personagem de Janete interpretado por Tarcísio foi o artista plástico Juca Pitanga, de 'Coração Alado', de 1980 – a autora viria a morrer três anos depois.

Outra parceria bem-sucedida de Tarcísio foi com Lauro César Muniz. A história do país serviu de cenário para 'Escalada' (1975). Nela, o ator viveu Antônio Dias, personagem que interpretou da juventude aos 70 anos, tendo testemunhado a construção de Brasília. “Foi o primeiro personagem que fiz com uma trajetória de vida inteira”, destaca.

Em seguida, ele atuou em mais duas novelas do autor: 'Espelho Mágico' (1977) – Lauro César Muniz usou metalinguagem para mostrar o universo da televisão, do teatro e do cinema – e 'Os Gigantes' (1979). Na última, contracenou com outro grande astro da TV da época, Francisco Cuoco. Um verdadeiro duelo de titãs.

Desafios profissionais

Nos anos 1980, Tarcísio deu uma guinada na carreira, deixando definitivamente para trás o rótulo de galã da família brasileira. No cinema, trabalhou com Glauber Rocha em seu último e mais polêmico filme, 'A Idade da Terra' (1981). Em outro longa-metragem do mesmo ano, radicalizou ainda mais: em 'O Beijo no Asfalto', de Bruno Barreto, baseado na peça de Nelson Rodrigues, seu personagem beijava o de Ney Latorraca na boca.

Nada mal para quem havia feito um sedutor D. Pedro I em 'Independência ou Morte' (1972), de Carlos Coimbra. No teatro, interpretou um homossexual na peça 'Um Dia Muito Especial' (1986), baseada no filme homônimo de Ettore Scola; e na TV, fez seu primeiro personagem cômico, em 'Guerra dos Sexos' (1983), de Silvio de Abreu, o trapalhão Felipe: “Era um personagem muito distraído. Eu me lembro de uma cena que fiz num grande shopping de São Paulo. O personagem estava experimentando roupa, de repente pegava a mala e saía andando pelo saguão do shopping de paletó, gravata e cueca!”.

Personagens da literatura

Seus trabalhos seguintes foram adaptações de obras literárias. Em 1984, fez a minissérie 'Meu Destino é Pecar', de Euclydes Marinho, a partir do folhetim de Nelson Rodrigues. No ano seguinte, interpretou o Capitão Rodrigo Cambará, na minissérie 'O Tempo e o Vento', de Doc Comparato e Regina Braga, dirigida por Paulo José, baseada na primeira parte da trilogia de Erico Verissimo ('O Continente').

Ainda em 1985, ele atuou em mais uma minissérie: 'Grande Sertão: Veredas', adaptação de Walter George Durst do livro de Guimarães Rosa, com direção de Walter Avancini. Tarcísio viveu outro capitão, o feio e sujo traidor Hermógenes, em mais uma atuação memorável. Os 25 capítulos da minissérie foram gravados em 90 dias, durante os quais até dois mil profissionais se embrenharam no sertão, em um grande esforço para traduzir o universo e o linguajar muito particular da obra para a TV. “Foi outra ousadia da Globo. Ninguém entendia o que falávamos, mas entendiam tudo o que se passava com os personagens”.

'O Tempo e o Vento - 1ª versão': Bibiana conhece o capitão Rodrigo

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De volta às novelas

Em 1986, Tarcísio voltou a atuar em novelas, interpretando o inescrupuloso empresário Renato Villar em 'Roda de Fogo', retomando a parceria com Lauro César Muniz. Ele e Glória Menezes estrelaram depois 'Tarcísio & Glória' (1988), série criada por Daniel Filho, Euclydes Marinho e Antonio Calmon, que inaugurou uma linha de coprodução na Globo. Além de atores, Tarcísio e Glória também eram os produtores do programa. Ele chegou também a dirigir alguns episódios: “Eu só dirigi naquele momento porque não havia diretor disponível. Não tenho, nem nunca tive, pretensão de ser diretor”.

Na década de 1990, atuou ainda em 'De Corpo e Alma' (1992), 'Fera Ferida' (1993), 'Pátria Minha' (1994) e 'Torre de Babel' (1998). O ator participou também da primeira fase da novela 'O Rei do Gado' (1996), de Benedito Ruy Barbosa, como o italiano Giuseppe Berdinazzi.

Na minissérie 'Desejo' (1990), escrita por Gloria Perez, brilhou interpretando outra figura histórica: o escritor Euclides da Cunha. No mesmo ano, fez Araponga, novela escrita por Dias Gomes, Lauro César Muniz e Ferreira Gullar, que tinham como proposta manter uma estrutura de telenovela com ritmo de minissérie.

Ainda nos anos 1990, Tarcísio participou das minisséries 'Hilda Furacão' (1998), de Gloria Perez, a partir do romance de Roberto Drummond; e 'A Muralha', adaptação do livro de Dinah Silveira de Queiroz por Maria Adelaide Amaral e João Emanuel Carneiro. Nesta, o ator viveu o vilão Dom Jerônimo, papel que lhe rendeu o prêmio de Melhor Ator da Associação Paulista de Críticos de Arte.

“O Dom Jerônimo era um personagem único, que tinha mil problemas dentro de si, era sujo, desgrenhado, muito conflitado, difícil. E eu fiz com grande prazer. Ele batia na personagem da Letícia Sabatella, aquela carinha linda, aquele anjo. Ele era muito mau com ela. Muito bom de fazer, uma experiência muito boa para um ator”.

Glória Menezes e Tarcísio Meira em 'O Beijo do Vampiro', 2002 — Foto: Gianne Carvalho/Memória Globo

Em 2002, atuou em 'O Beijo do Vampiro', de Antonio Calmon, como o maligno Bóris. Para este papel, Tarcísio lembra que criou um desafio linguístico para si mesmo: falar em segunda pessoa do singular. “Não existe vampiro no Brasil, vampiro é uma coisa europeia. E eu inventei que esse personagem devia falar sempre na segunda pessoa: o ‘tu’. E foi muito difícil”.

Fez uma participação especial na novela 'Senhora do Destino', de Aguinaldo Silva, em 2004; e, no mesmo ano, atuou na minissérie 'Um Só Coração', de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira. Só voltou a estrelar outra novela em 2006, tendo contracenado com Glória Menezes: 'Páginas da Vida', de Manoel Carlos, na qual interpretou o patriarca Aristide “Tide” Martins de Andrade. Glória fez uma rápida participação como Lalinha. A personagem morreu logo nos primeiros capítulos da novela. Tarcísio voltou a contracenar com Glória na TV em 2008, na novela 'A Favorita', de João Emanuel Carneiro. Em 'Insensato Coração' (2011), de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, interpretou o milionário boa praça Teodoro Amaral.

Em 2013, interpretou Tibério Vilar no remake de 'Saramandaia', uma adaptação de Ricardo Linhares da obra escrita por Dias Gomes. Três anos depois, fez uma participação como o Coronel Jacinto, na novela 'Velho Chico', de Benedito Ruy Barbosa, dirigida por Luiz Fernando Carvalho. Seus dois últimos trabalhos na TV foram nas novelas 'A Lei do Amor' (2016), em que viveu o empresário e político Fausto, e 'Orgulho e Paixão' (2018), em que interpretou Lorde Williamson, um poderoso industrial inglês.

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O ator faleceu no dia 12 de agosto de 2021, aos 85 anos, em São Paulo, vítima da Covid-19.

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