Protagonista de dezenas de novelas desde os primórdios da televisão no Brasil, Glória Menezes marcou época. A atriz é adorada pelo público e pela crítica, seja por seus papéis no teatro, televisão ou cinema. Na Globo, debutou em grande estilo, como a heroína Doña Sol, de 'Sangue e Areia' (1967). Na trama, ela fazia par romântico com Tarcísio Meira, com quem foi casada por mais de 50 anos, até o falecimento do ator, em 2021. Juntos, Tarcísio e Glória protagonizaram diversos espetáculos, incluindo um seriado dedicado a eles: 'Tarcísio & Glória', com direção de Daniel Filho, uma trama ficcional que narrava o relacionamento entre um empresário corrupto e uma extraterrestre.
Glória Menezes nasceu no dia 19 de outubro de 1934, com “um nome que não é um nome, é uma coisa”, como costuma brincar ao revelar sua alcunha: Nilcedes Soares de Magalhães. Nome que surgiu a partir da junção das letras de Nilo e Mercedes, seus pais. “Eu tive que trocar. Resolvemos botar Glória, porque Glória é Glória em qualquer idioma. E Menezes, por causa das minhas raízes portuguesas e porque completa treze letras. Dá sorte”, conta. E deu mesmo.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Entrevista exclusiva da atriz Glória Menezes ao Memória Globo em 14/03/2005, sobre seu nome artístico.
Início da carreira
Glória Menezes fez a carreira em São Paulo, a cidade onde cresceu. Isso porque, aos seis anos, ela se mudou para a capital com família. Glória concluiu seus estudos e, apaixonada por teatro, ingressou na Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo. Lá, montou um grupo de teatro amador chamado Jovens Independentes, que tomou todo o seu tempo. Precisou largar a faculdade. Foi a decisão certa. Logo em seu primeiro espetáculo, em 1959, Glória Menezes ganhou o prêmio de Atriz Revelação num festival de teatro amador promovido pelo diretor Antunes Filho. Depois disso, sua ascensão ao estrelato foi meteórica.
No mesmo ano, estreou na TV, na novela 'Um Lugar ao Sol', com a qual também foi premiada. Logo depois, o mesmo Antunes a convidou para encenar a peça 'Feiticeiras de Salém', um marco em sua carreira. Isso porque, além do espetáculo ter lhe rendido outro prêmio de Atriz Revelação, foi nos bastidores deste espetáculo em que Glória conheceu seu parceiro para toda a vida, Tarcísio Meira.
Impressionado com a atuação de Glória no teatro, o cineasta Anselmo Duarte a convidou para trabalhar em 'O Pagador de Promessas', rodado em 1960. O filme estreou em 1962 no Festival de Cannes e ganhou a Palma de Ouro. “As coisas vieram assim para mim de uma maneira que eu fico pensando: ‘Meu Deus, se acontecesse hoje, com a experiência que eu tenho, seria um horror’. Mas você vai de cabeça nas coisas quando está começando”.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Entrevista exclusiva da atriz Glória Menezes ao Memória Globo em 14/05/2011, sobre sua participação no filme “O Pagador de Promessas”.
Parceria para toda a vida
No ano seguinte, Glória protagonizou, ao lado de Tarcísio Meira, a primeira novela diária da TV brasileira: '25499 Ocupado', transmitida ao vivo pela Excelsior. Durante a novela, os atores – que já tinham contracenado no teleteatro da Tupi 'Uma Pires Camargo' – iniciaram um romance e, em seguida, se casaram. Desde então, o casal se tornou um ícone da televisão nacional. Ainda com Tarcísio, nesse período, estrelou na mesma emissora novelas como 'A Deusa Vencida' (1965) e 'Almas de Pedra' (1966), de Ivani Ribeiro.
O casal foi para a Globo em 1967, para protagonizar 'Sangue e Areia', de Janete Clair. Em seguida, a atriz esteve em 'Passos dos Ventos' (1968), fazendo par romântico com o ator Carlos Alberto, enquanto Tarcísio atuava em 'A Gata de Vison', ao lado de Yoná Magalhães. “Não deu muito certo. Evidentemente, o público estava acostumado a ver a Yoná com o Carlos Alberto, e o Tarcísio comigo”, conta. O espectador exigiu, e Glória voltou a atuar ao lado de Tarcísio em 'Rosa Rebelde' (1969), também de Janete Clair. Em 1970, o casal fez outra novela da autora, 'Irmãos Coragem', um sucesso até então sem precedentes na TV brasileira. Nela, Glória interpretou uma mulher atormentada por três personalidades distintas: a recatada Lara, a extravagante Diana, e Márcia, a mais equilibrada.
O sucesso do casal se repetiu em 'O Homem que Deve Morrer' (1971), também de Janete Clair; 'Cavalo de Aço' (1973), de Walther Negrão; e em 'O Semideus' (1973), outra de Janete. Em 1975, participou da novela 'O Grito' (1975), de Jorge Andrade, em que viveu a angustiada mãe de uma criança com problemas mentais. “Foi uma grande experiência para mim, porque eu fazia uma mulher muito mais velha do que eu, uma ex-freira. Tem uma frase da novela que eu guardei: ‘O homem nasce do ventre da mulher e volta ao ventre da mulher na composição do sem fim’. Uma coisa que ficou marcada na minha cabeça. É a coisa do Jorge Andrade”, diz.
A parceria com Tarcísio Meira foi retomada dois anos depois, em 'Espelho Mágico' (1977), de Lauro César Muniz, um marco em termos de experimentação de dramaturgia para televisão: a dupla interpretava um casal de atores que estava gravando outra novela. Ainda na década de 1970, a atriz participou de três episódios do programa 'Caso Especial': 'O Crime do Silêncio' (1971), 'Meu Primeiro Baile' (1972) – primeiro programa integralmente exibido em cores na TV brasileira – e 'A Dama das Camélias' (1972), estreia do autor Gilberto Braga na TV Globo.
Em 1988, o casal estrelou 'Tarcísio & Glória', seriado criado por Daniel Filho, Euclydes Marinho e Antonio Calmon, que inaugurou uma linha de coprodução na Globo. Além de atores, Tarcísio Meira e Glória Menezes eram também produtores. Tarcísio chegou mesmo a dirigir alguns episódios. Na série, a atriz interpretava a extraterrestre Ava Becker, que tinha uma estranha relação com o empresário corrupto Bruno Lazzarini (Tarcísio). “Era uma produção independente da nossa produtora em parceria com a Globo. Aprendemos muito. É uma extraterrestre que vem para esse mundo porque ela tem que continuar a espécie dela lá, e lá eles não fazem sexo, ela tinha que saber o que era sexo, tinha que saber uma série de coisas, tinha uma curiosidade enorme. Era muito interessante essa ideia”, comenta.
Tarcísio Meira morreu, em 12 de agosto de 2021, de Covid-19, durante a pandemia que assolou o mundo. O ator tinha 85 anos.
Virada na carreira
Em 1979, Glória interpretou uma heroína popular que marcou uma virada em sua carreira: a Ana Preta, de 'Pai Herói', novela de Janete Clair. Dona de uma casa de samba, Ana Preta vivia um triângulo amoroso com os personagens de Tony Ramos e Elizabeth Savala: “Ela era divertida, arrumava a casa e, quando chegava à noite, se botava toda bonita e ia dançar. As mulheres colocavam flor no cabelo, a roupa da Ana Preta, tudo da Ana Preta. Foi um sucesso muito grande! Ela era mãe solteira, aquela mulher bem moderna, dona da sua vida”, relembra.
Em seguida, participou das novelas 'Jogo da Vida' (1981) e 'Guerra dos Sexos' (1983), de Silvio de Abreu. Na última, mesmo contracenando com o personagem de Tarcísio Meira, terminava a novela com o motorista Nando, papel de Mário Gomes.
Ainda na década de 1980, participou de 'Corpo a Corpo' (1984), de Gilberto Braga, como a vingativa Tereza. “Eu tenho um cartão do Gilberto, que guardo até hoje, em que ele diz assim: ‘A melhor interpretação de uma cena escrita por mim foi a tua na cama’”. Em 1987, protagonizou, ao lado de Marília Pêra, 'Brega & Chique' (1987), de Cassiano Gabus Mendes, que teve ainda a participação de Tarcísio Filho, seu filho com Tarcísio Meira.
Depois de 'Tarcísio & Glória', a atriz trabalhou em uma série de novelas de Silvio de Abreu. Em 'Rainha da Sucata' (1990), viveu a socialite falida Laurinha Figueroa, casada com Betinho (Paulo Gracindo). A personagem, uma vilã cômica, foi a primeira a aparecer cometendo suicídio em uma novela. “No dia seguinte, saiu na primeira página de O Globo, estampada em colorido: ‘Laurinha Figueroa se suicida’. Era eu estatelada no chão, morta. Na primeira página! Olha como foi importante!”, conta.
Depois, interpretou a Baby Bueno de 'Deus nos Acuda' (1992) e a Julia de 'A Próxima Vítima' (1995), e voltou a trabalhar com Tarcísio em 'Torre de Babel' (1998), as três em parceria com Sílvio de Abreu. Nesta última, viveu Marta Toledo, uma dona de casa rica que percebe que seu casamento não vai bem e precisa viver uma nova aventura de amor.
'O Beijo do Vampiro' (2002), de Antonio Calmon, lhe deu a oportunidade de fazer uma personagem divertida que caiu no gosto da criançada: a feiticeira Zoroastra. “As crianças paravam na rua e diziam assim: ‘Faz uma mágica para mim?’. Eu exercitei muito o lado criança, que a gente vai perdendo com os anos”.
Em 'Senhora do Destino' (2004), interpretou a Baronesa de Bonsucesso, personagem que sofria do Mal de Alzheimer: “Tenho um carinho muito grande por esse personagem. Talvez seja o menor personagem que eu tenha feito na televisão, mas de uma repercussão imensa, imensa! Porque não foi a quantidade, foi a qualidade”, diz.
Em suas duas tramas seguintes, 'Páginas da Vida' (2006), de Manoel Carlos, e 'A Favorita' (2008), de João Emanuel Carneiro, voltou a contracenar com o marido. Em 'Páginas da Vida', sua personagem Lalinha emocionou a todos. Mãe de seis filhos com o marido Tide (Tarcísio), ela morre logo nos primeiros capítulos com o desejo de criar uma casa de cultura, o que se torna a principal missão da família. Glória se lembra com prazer da participação: “Foi um grande sucesso. As pessoas se comoveram muito porque ela morre na igreja. E o marido passou a novela inteira falando da Lalinha. É o tipo do personagem que quero: qualidade, não quantidade”.
Já em 'A Favorita', tudo estava planejado para ser uma personagem calma, mas, como a própria atriz lembra, “o João Emmanuel me colocou em todos os capítulos, em tudo!”. Na trama, Glória interpretava a milionária Irene, cujo filho fora assassinado. Até o fim da trama, Irene tem a convicção de que Flora (Patrícia Pillar), ex-amiga de Donatela (Claudia Raia), sua nora, não era culpada pelo assassinato. Nessa tensão entre o ódio por Donatela e a suposta amizade com Flora, a personagem ganhou força. Glória Menezes gosta de destacar uma cena: a que Irene descobre ter sido enganada por Flora por tanto tempo e que a vilã, além de ter assassinado seu filho, matara também seu marido.
“A melhor cena foi exatamente uma cena muda, dentro de um banheiro, quando ouço e descubro tudo: quem matou meu filho foi a Patrícia Pillar. Foram cinco minutos ou mais de cena, eu escondida dentro de um boxe de chuveiro ouvindo tudo que estava se passando. Foi a cena mais difícil, porque não tinha diálogo. Foi muito legal para mim, como atriz, ter de segurar a emoção. Era raiva, medo, susto, todos os sentimentos juntos, tendo que mostrar na cara. Foi muito importante para mim fazer essa cena, porque não precisa falar, às vezes, para mostrar o sentimento. Gostei muito”, lembra.
Em 2013, a atriz fez uma participação em 'Joia Rara', interpretando Pérola na terceira fase da novela. Dois anos depois, atuou em 'Totalmente Demais', como Stelinha, ex-mulher de Maurice (Reginaldo Faria) e mãe de Arthur (Fábio Assunção). Em 2018, atuou no humorístico 'Tá no Ar: a TV na TV', interpretando ela mesma.
Teatro
No teatro, Glória participou de peças como 'Tudo Bem no Ano Que Vem', de Bernard Slade, que ficou em cartaz de 1976 a 1981; 'Navalha na Carne' (1981), de Plínio Marcos; e 'Um Dia Muito Especial' (1988), de Ettore Scola. Em 2000, atuou em 'Jornada de um Poema', na qual interpretou uma paciente terminal de câncer.
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