Uma barragem de propriedade da mineradora Samarco rompeu na tarde do dia 5 de novembro de 2015 e despejou 40 bilhões de litros de rejeitos de minério sobre os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, no município de Mariana (MG), e Gesteira, em Barra Longa (MG). A lama tóxica atingiu ainda o leito do Rio Doce – aumentado seu nível em 1,5 metro – e seguiu até sua foz, no Oceano Atlântico, impactando diversos municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo ao longo de 550 quilômetros. Foi o maior desastre socioambiental do Brasil até aquele momento.
Dezenove pessoas morreram, 250 ficaram feridas e mil moradores da região permanecem desalojados, vivendo em hotéis e casas alugadas pela empresa. O rompimento da barragem de Fundão, que existia havia sete anos, degradou áreas inteiras de preservação ambiental, destruiu vilarejos, matou toneladas de peixes, prejudicou o abastecimento de água em diversos municípios que fazem parte da bacia hidrográfica do Rio Doce e inviabilizou a economia da pesca e do turismo na região, atingindo milhares de famílias.
A Samarco (controlada pela BHP Billiton Brasil Ltda. e Vale S.A.) se comprometeu a reconstruir os distritos de Bento Rodrigues, Gesteira e Paracatu de Baixo em áreas escolhidas pelos próprios moradores. As famílias afetadas recebem da empresa assistência financeira e uma cesta básica, além de moradia provisória em casas e apartamentos alugados em Mariana. Mas muitos dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão – materiais e psicológicos – são imensuráveis.
Reportagem de Ismar Madeira sobre rompimento da barragem no município de Mariana (Minas Gerais). Jornal Nacional, 05/11/2015.
EQUIPE E ESTRUTURA
O Jornalismo da Globo acompanhou o trabalho de resgate das vítimas e as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre os responsáveis pelo rompimento. Mostrou também o impacto socioambiental. As equipes de jornalismo da Globo Minas e também da TV Gazeta, afiliada no Espírito Santo, ficaram à frente dessa cobertura. Matérias de Ismar Madeira, Ricardo Soares, Fernando Moreira, Isabela Scalabrini, Cristiane Leite e Mário Bonella foram ao ar nos principais telejornais de rede. Reportagens especiais de Sonia Bridi, Cristina Serra e Ernesto Paglia também foram exibidas no 'Fantástico'.
PRIMEIRAS REPORTAGENS
Quando as primeiras matérias foram ao ar no 'Jornal Nacional' daquela noite de 5 de novembro, não se sabia ainda a extensão da tragédia. As informações davam conta que o rompimento de uma barragem com rejeitos de mineração cobriu de lama parte do distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana (Minas Gerais). Uma pessoa havia morrido e o número de desaparecidos ainda era desconhecido. Na reportagem de Ismar Madeira, imagens aéreas mostravam o vilarejo, com cerca de 200 casas, coberto de lama. Um carro pendurado sobre as paredes que restavam de uma casa tornou-se uma imagem-ícone da destruição. Equipes de resgate procuravam vítimas, mas algumas áreas atingidas permaneciam isoladas o que dificultava o trabalho da Defesa Civil e dos bombeiros. As causas do rompimento ainda eram desconhecidas.
Ainda naquela noite, o repórter Ricardo Soares falou ao vivo para o 'Jornal da Globo' direto do ginásio de esportes de Mariana para onde estavam sendo levados os desabrigados. Um vídeo feito por uma pessoa que estava no local quando aconteceu o rompimento mostrou o desespero de trabalhadores da mineradora quando viram a enxurrada de lama.
No dia seguinte, a onda de rejeitos de mineração continuava a seguir em direção ao leste do estado de Minas, provocando estragos em cidades mineiras e também no Espírito Santo. O nível do Rio Doce aumentou em 1,5 metro, como alertou o repórter Fernando Moreira no 'Jornal Nacional' de 6 de novembro.
O repórter Ricardo Soares fala ao vivo para o Jornal da Globo, direto do ginásio de esportes de Mariana para onde estavam sendo levados os desabrigados. Jornal da Globo, 05/11/2015.
NO CAMINHO DA LAMA
Apenas no sábado, dois dias após o rompimento da barragem de Fundão, foi divulgada a lista dos 28 desaparecidos – 13 funcionários da Samarco e 15 moradores das comunidades atingidas, a maioria de Bento Rodrigues. O repórter Ricardo Soares chegou ao distrito de Paracatu de Baixo e encontrou o povoado coberto de lama. A enxurrada de rejeitos, segundo o serviço geológico do Brasil, já tinha então percorrido 280 quilômetros em direção ao Espírito Santo. Municípios às margens do Rio Doce estavam em alerta para um possível risco de enchente. Em Colatina (ES), o repórter Mario Bonella mostrou como os moradores se preparavam para uma provável suspensão no abastecimento de água na região.
No domingo, cinco distritos tinham sido atingidos. Pela primeira vez, equipes de reportagem acompanharam a ação dos bombeiros em Bento Rodrigues e registraram as dificuldades do trabalho por causa da instabilidade do terreno. As reportagens de Cristiane Leite e Isabela Scalabrini mostraram o cenário devastação do pequeno vilarejo. Moradores que sobreviveram à tragédia tentavam seguir adiante com a ajuda de doações.
Reportagem de Mário Bonella sobre a previsão de chegada da lama proveniente da barragem de Mariana até o Espírito Santo. Jornal Nacional, 07/11/2015.
Reportagens de Cristiane Leite e Isabela Scalabrini sobre as dificuldades no trabalho dos bombeiros e o cenário devastação do pequeno vilarejo de Bento Rodrigues. Fantástico, 08/11/2015.
CONSEQUÊNCIAS E INVESTIGAÇÕES
No domingo, 15 de novembro, o 'Fantástico' exibiu reportagem de Sônia Bridi sobre a fiscalização que é feita nas barragens de mineradoras em todo Brasil e a atuação do órgão responsável, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). A repórter ouviu especialistas e promotores em busca de informações sobre as possíveis causas da tragédia e os responsáveis. Na matéria, o fiscal Leandro Carvalho explicou que, ao contrário do que estava sendo dito, apenas a barragem de Fundão havia se rompido. A lama encheu o reservatório e passou por cima da barragem de Santarém.
Na mesma edição do programa jornalístico, Cristina Serra percorreu o leito do Rio Doce para registrar os estragos causados pela lama de rejeitos. A viagem começou no distrito de Paracatu de Baixo, a 60 km de Bento Rodrigues. A repórter parou também em Naque, a 400 quilômetros da barragem de Fundão, onde, na companhia de um pescador da região, mostrou os estragos no Rio Doce e seus afluentes – a quantidade de peixes mortos era impressionante. Por conta do desastre, 14 cidades de Minas Gerais, que usavam as águas do rio, tiveram problema no abastecimento. Cristina Serra visitou Governador Valadares – a maior delas, com 280 mil moradores – e mostrou a distribuição de água potável.
A repórter Cristina Serra percorre o leito do Rio Doce para registrar os estragos causados pela lama de rejeitos após o rompimento da barragem em Mariana (MG). Fantástico, 15/11/2015.
UM MÊS DEPOIS, MUITAS INCERTEZAS
Os repórteres Phelipe Siani e Thiago Capelle foram a Bento Rodrigues em dezembro de 2015, quando a tragédia completava um mês. O cenário era desolador e as causas do rompimento permaneciam desconhecidas. Os dois visitaram ainda o alojamento onde viviam, provisoriamente, os moradores do pequeno vilarejo e acompanharam duas pessoas que retornaram às suas antigas casas em busca do que restou.
O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), derrubou 50 milhões de metros cúbicos de lama, quantidade que daria para encher 20 mil piscinas olímpicas. A barragem é da mineradora Samarco, controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton.
Pela primeira vez, uma equipe do 'Jornal Nacional' usou uma câmera 360º para fazer uma reportagem. Os vídeos, disponibilizados na internet, permitiam que o internauta tivesse uma visão 360º do local onde o repórter estava – e não apenas aquilo que ele estava mostrando.
A equipe do 'Profissão Repórter' foi à região atingida e mostrou alguns moradores que tentavam retomar suas vidas. A repórter Mariana Fontes acompanhou uma família que voltava a Bento Rodrigues pela primeira vez desde o desastre. Danielle Zampollo conversou com Paula Alves, moradora que ajudou a salvar a vida de muitos vizinhos com sua moto. Funcionária de uma empresa terceirizada pela Samarco, Paula ficou sabendo que a barragem tinha se rompido pelo rádio. De moto, ela percorreu as ruas do vilarejo, avisando a todos que deixassem suas casas. A reportagem ainda acompanhou o trabalho da Defesa Civil de resgate de alguns moradores que se recusavam a deixar suas casas.
O repórter Estevan Muniz percorreu, de carro, todo o curso do Rio Doce até a foz, no litoral do Espírito Santo. Ao longo do caminho, registrou os danos causados pelo rompimento da barragem, como a qualidade da água em Governador Valadares (MG) e o protesto de pescadores em Linhares (ES). Caco Barcellos sobrevoou a praia de Regência, onde tem o encontro do Rio Doce com o mar, junto com uma equipe do Ibama que tentava dimensionar os estragos do acidente.
Os repórteres Phelipe Siani e Thiago Capelle mostram o cenário de destruição em Bento Rodrigues um mês depois do rompimento da barragem de Fundão. Jornal Nacional, 04/12/2015.
Equipe do Profissão Repórter mostra as consequências da tragédia em Mariana e os esforços dos moradores para retomarem suas vidas. Profissão Repórter, 08/12/2015.
RESPONSÁVEIS
Em junho de 2016, a Polícia Federal indiciou oito pessoas e três empresas no inquérito que apurava os crimes ambientais e contra o patrimônio histórico provocados pelo rompimento da barragem de Fundão. Segundo a investigação, a Samarco estava aumentando a capacidade da barragem em uma velocidade maior do que o previsto no manual da empresa, além de estar sem responsável técnico e com os equipamentos que mediam a estabilidade quebrados ou insuficientes. A VOGBR, que emitiu o laudo atestando a estabilidade da barragem, a Vale e a Samarco foram indiciadas, além de funcionários das duas últimas empresas. Novas denúncias do Ministério Público Estadual, apontando indícios de fraudes e adulterações de informações, também foram aceitas pela Justiça de Minas Gerais.
A reportagem de Mário Bonella, no 'Jornal Nacional' de 22 de junho, destacou que, segundo a Polícia Federal, a Samarco conhecia os riscos de rompimento da barragem de Fundão. A análise de e-mails e mensagens internas da mineradora mostrava que os diretores da empresa chegaram a cogitar uma possível mudança de Bento Rodrigues para evitar que o vilarejo fosse atingido pelos rejeitos. O inquérito dizia ainda que a Samarco aumentou sua produção mesmo sabendo que a barragem apresentava problemas e apontou falhas na construção e na segurança.
Documento de abril de 2015 mostra que Fundão tinha risco de rompimento. Maioria dos réus é acusada de homicídio qualificado com dolo eventual.
Reportagem de Ismar Madeira sobre o relatório do Ministério Público Federal que denunciou 22 pessoas e quatro empresas pelo rompimento da barragem de Fundão. Jornal Nacional, 20/10/2016.
Quase um ano depois da tragédia, o Ministério Público Federal de Mariana denunciou 22 pessoas e quatro empresas pelo rompimento da barragem. Vinte e uma pessoas foram acusadas de homicídio qualificado por dolo eventual. Na reportagem de Ismar Madeira, exibida pelo 'Jornal Nacional' em 20 de outubro de 2016, os procuradores afirmavam que a Samarco entregou um documento falso em que atestava a estabilidade da barragem de Fundão.
PREJUÍZOS IMENSURÁVEIS
Em outubro de 2016, o 'Fantástico' exibiu uma reportagem especial sobre a tragédia em Mariana. O repórter Ernesto Paglia e o piloto Lu Marini, a bordo de um parapente motorizado, percorreram o Rio Doce. Ouviram histórias de quem, um ano depois, sofria as consequências do desastre ambiental.
Lu Marini pousou primeiro em Bento Rodrigues, depois foi para Gesteira, no município de Barra Longa, e Tumiritinga, todos em Minas Gerais. A viagem do piloto terminou em Regência, no litoral do Espírito Santo. Ao longo do caminho, Lu mostrou vilarejos fantasmas e conversou com ex-moradores que relataram as dificuldades que encontravam para seguir com suas vidas.
O repórter Ernesto Paglia e o piloto de aventura Lu Marini, a bordo de um parapente motorizado, percorrem os 600 quilômetros do Rio Doce e mostram as marcas da destruição no curso do Rio Doce um ano após o rompimento da barragem em Mariana. Fantástico, 23/10/2016.
A equipe do Profissão Repórter mostra o cotidiano dos moradores de0 Mariana, um ano após o desastre do rompimento da barragem de Fundão. Profissão Repórter, 26/10/2016
Um ano depois da tragédia, a população de Governador Valadares ainda enfrentava problemas no abastecimento de água. Segundo o Ministério Público, a água continuava contaminada, com um nível de alumínio muito acima do previsto pelo Ministério da Saúde. Moradores de regiões turísticas, como a Praia do Jaó, em Tumiritinga, reclamavam da falta de turistas que movimentavam a economia local – consequências que não estavam sendo reparadas pela mineradora.
A equipe do 'Profissão Repórter' também voltou à Mariana, um ano após o desastre, para registrar o cotidiano dos moradores. A reportagem revisitou personagens e locais mostrados no programa de um ano antes e constatou que pouca coisa havia mudado desde a última ida à região. O cenário de destruição permanecia. Nas conversas com os moradores – que continuavam desalojados – a revolta e as incertezas sobre o futuro estavam presentes.
A repórter Mayara Teixeira entrevistou Monica dos Santos, personagem do programa de um ano atrás, que liderava o protesto dos moradores de Bento Rodrigues contra a construção de um quarto dique para conter a lama que ainda vazava da barragem e evitar a poluição de outros rios com rejeitos de minério. A obra da Samarco prevê o alagamento de parte do distrito, o que os moradores não admitem. Apesar de haver um laudo da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais contrário à construção, o governo do estado autorizou a obra.
Estevan Muniz mostrou as águas dos rios contaminadas, cheias de minério de ferro, e o solo coberto por rejeitos. A equipe visitou a barragem de Germano, de onde pode fazer imagens do reservatório de Fundão, agora vazio. Danielle Zampollo acompanhou um ex-morador de Bento Rodrigues que, três vezes por semana, caminhava cerca de 15 quilômetros para alimentar seus animais que ficaram para trás.
ACORDO FINANCEIRO
Em 2024, nove anos após a tragédia, o governo federal concretizou um acordo com as empresas responsáveis pela barragem para distribuir indenização aos atingidos. Segundo o site g1, o valor chegou a R$ 35 mil por pessoa, para aqueles que foram atingidos mas que não conseguiram comprovar na justiça com documentos; para agricultores e pescadores, a estimativa é que recebam R$ 95 mil. O acordo, que foi sendo modificado ao longo dos anos, foi assinado no dia 25 de outubro de 2024.
Governo federal fecha acordo do caso Mariana. Bom Dia Brasil, 25/10/2024
No total, levando em conta itens como recuperação ambiental e saneamento básico, os valores chegariam a R$ 100 bilhões.
ABSOLVIDOS
No dia 14 de novembro de 2024, a Justiça Federal absolveu, em ação no âmbito criminal, a Samarco, a Vale, a VogBR e a BHP Billiton, com base na "ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal". Sete pessoas, entre diretores, gerentes e técnicos, também foram inocentados.
Justiça absolve Samarco, BHP e Vale por rompimento de barragem em Mariana. Jornal Hoje, 14/11/2024
Uma ação coletiva também corre na justiça britânica, pedindo indenização de R$ 230 bilhões.