Política
Por — São Paulo

Criada com o objetivo de evitar que produtos de áreas desmatadas ou com degradação florestal cheguem aos 27 países da União Europeia, a Lei Antidesmatamento enfrenta resistência e críticas do setor agropecuário. No Brasil, a preocupação é com o aumento de custos e perda de competitividade para a exportação de produtos e derivados de gado, soja, café, cacau, óleo de palma, madeira e borracha natural.

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Apesar da discordância do agro, que tem aval do governo federal, especialistas alertam que a resistência em se adequar a um regramento externo pode resultar em perdas de negócios não só com os europeus, mas com outros mercados. A Globo Rural reuniu informações sobre a lei, ouviu especialistas e explica como funciona a regra e quais os impactos para o agronegócio quando ela entrar em vigor.

O que é a lei antidesmatamento da União Europeia?

O European Union Deforestation Act (EUDR), mais conhecido no Brasil como Lei Antidesmatamento da União Europeia, foi aprovado em 31 de maio de 2023. Impede países do bloco europeu de importarem e comercializarem produtos provenientes de áreas onde tenha havido desmatamento ou degradação florestal a contar de 31 de dezembro de 2020.

A medida vale para 27 países que fazem parte do bloco: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, República Tcheca, Romênia e Suécia.

Por que a lei foi criada?

A norma faz parte de um “pacto verde” com regras definidas pelo Parlamento Europeu para atingir as metas do Acordo de Paris, como reduzir as emissões de CO2 e chegar à neutralidade de carbono até 2050. Ela também prevê que será necessário cumprir normas sobre direitos humanos, trabalhistas, fundiários e de comunidades indígenas.

No entendimento da União Europeia, proibir a compra de produtos de áreas desmatadas é uma forma de proteger as florestas, reduzir emissões e cuidar do planeta. Um levantamento feito pela ONG de preservação ambiental WWF apontou que as importações dos países do bloco europeu são responsáveis por 16% do desmatamento global.

Quando as regras começam a valer?

O prazo original para a lei entrar em vigor é a partir de 30 de dezembro de 2024 para grandes empresas e em 30 de junho de 2025 para pequenas e médias.

No início de outubro deste ano, entretanto, a Comissão Europeia propôs adiar por um ano a aplicação das normas. Assim, o prazo para as grandes empresas passaria a ser o fim de 2025, e para as pequenas empresas, meados de 2026.

Em comunicado, o grupo afirma que a medida responde aos “apelos de parceiros globais” e “é uma solução equilibrada para dar suporte aos operadores em todo o mundo na garantia de uma implantação tranquila desde o início”.

Além disso, a Comissão avalia que, como todas as ferramentas para aplicar a legislação estão tecnicamente prontas, os 12 meses extras podem servir como “um período de introdução gradual”. A sugestão precisa ser aprovada pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu.

Quais produtos são afetados pela lei antidesmatamento?

Segundo a União Europeia, a lei abrange os seguintes produtos: óleo de palma, gado, soja, café, cacau, madeira, borracha e produtos derivados (como carne bovina, móveis, chocolate e outros).

Os produtos não relacionados na lei não estão sujeitos às regras, mesmo que contenham produtos incluídos no anexo — por exemplo, um sabão que contenha óleo de palma não precisará cumprir a norma. Essa lista, entretanto, será revisada regularmente.

Vale ressaltar que, no caso da carne bovina, só terão de se adequar às regras os produtos de animais que nasceram após 29 de junho de 2023, quando passou a valer o prazo inicial de 18 meses para a implementação da lei.

A quem se aplica a legislação?

A lei é voltada para operadores e comerciantes que fazem negócios nos países da União Europeia. Considera como operadora a empresa que coloca um produto no mercado interno ou exporta. Pode ser quem planta e corta a árvore, mas também quem processa a madeira e vende, por exemplo, uma mesa. Quem apenas oferece o produto ao mercado, sem ser operador, é considerado comerciante.

Quais os impactos para o Brasil?

Representantes de setores diretamente afetados e especialistas em agronegócio ouvidos pela Globo Rural afirmam que um dos principais efeitos deve ser no preço dos produtos, já que será necessário adotar um sistema robusto de rastreabilidade. Isso pode, na prática, ter como impacto colateral uma redução na competitividade das exportações brasileiras.

Já o governo federal estima que as adequações às normas afetarão 15% das exportações totais brasileiras e 34% das vendas externas para a União Europeia. No caso da carne, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) projetou em setembro que as vendas para o mercado europeu podem cair 90%, uma vez que só 10% do produto enviado à Europa estaria de acordo com as novas regras.

Paulo Barreto, pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e coordenador do Radar Verde, indicador que avalia o controle e transparência de frigoríficos e supermercados sobre a cadeia da carne, destaca que o mercado europeu não é grande o suficiente para impulsionar uma ampla mudança na rastreabilidade nacional, mas compra peças mais valiosas e tem um consumo regular relevante.

“Não dá para deixar dinheiro na mesa quando há um mercado que paga bem. E, às vezes, o mercado interno é mais vulnerável à crise econômica. Então, ter um mercado externo robusto ajuda”, afirma.

Barreto alerta, no entanto, que a China já começou a se movimentar no sentido de entender melhor a relação entre sistemas de rastreio das origens da carne e a produção em áreas de desmatamento, apesar de não ter uma regra igual à europeia. “Então, é melhor começar logo a fazer, até pelo próprio interesse do Brasil nestes mercados”, afirma.

Qual é a posição do governo brasileiro?

O Brasil enviou à União Europeia em setembro deste ano um pedido de adiamento da entrada em vigor da lei, o que teve apoio da Alemanha. Um dos argumentos foi que a norma é "um instrumento unilateral e punitivo". Na avaliação do governo federal, a lei antidesmatamento tem “vícios importantes” e pode ter sua legalidade questionada.

Após a Comissão Europeia oficializar a proposta de estender o prazo, o governo federal declarou que essa decisão “premia” os esforços do Brasil e de outros países por maior clareza nas regras, em especial quanto a “critérios, métricas, sistemas de aferição” e outros pontos da lei. Não est[a definido, por exemplo, “quais dados e instrumentos seriam aceitos para definir se houve ou não desmatamento em determinada área”.

Na nota, publicada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o governo ainda disse querer que os dados brasileiros sejam aceitos para fins da comprovação das exigências europeias. “O Brasil possui sistemas de rastreamento e monitoramento conceituados e confiáveis, com séries históricas robustas”, observou a secretária de Comércio Exterior da pasta, Tatiana Prazeres.

A expectativa é de que o adiamento possa abrir espaço para uma revisão da regulação. “Só se prorroga quando há espaço para fazer melhorias. Prorrogar só por prorrogar não tem sentido algum”, disse, recentemente, à Globo Rural Marcello Brito, secretário executivo do Consórcio Amazônia Legal e coordenador do Centro Global Agroambiental na Fundação Dom Cabral (FDC).

Entre os ambientalistas, a preocupação é com um possível recuo da União Europeia em relação a pontos-chave da medida. O Observatório do Clima (OC) destacou que adiar seria um “recuo vergonhoso”.

Outra preocupação é com os impactos da recente mudança no perfil dos membros do Parlamento Europeu — nas eleições de julho, foram eleitos novos membros com uma visão mais resistente às pautas ambientais. "Agora que estamos com um Parlamento Europeu mais conservador, teremos um Parlamento e um Conselho Europeu que podem se sentir encorajados a mexer no texto”, disse Mariana Lyrio, analista de políticas públicas do OC.

Para Paulo Barreto, do Imazon, por mais que a bancada verde do parlamento europeu tenha reduzido, não há elementos até agora que indiquem a possibilidade de novos adiamentos ou revogação das normas.

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