Nossa Voz: Jogadores negros das categorias de base buscam por espaço e sonham com futuro
Edson Luiz Machado Neto, Kaick da Silva Ferreira e Kauê Pedroso dos Santos compartilham um mesmo sonho: tornarem-se jogadores profissionais e proporcionarem um futuro melhor para suas famílias. Os três atuam nas categorias de base de Inter, Grêmio e Brasil de Pelotas, respectivamente, e têm ainda algo mais em comum: já foram vítimas de racismo no futebol.
O trio é personagem do último episódio da série do Globo Esporte RS "Nossa Voz: Passado, Presente e Futuro", sobre o mês da consciência negra.
Conheça mais sobre eles abaixo:
Edson, o zagueiro
Edson Machado, de 16 anos, é zagueiro do sub-17 do Inter. Como a grande maioria dos meninos, começou a jogar futebol nas ruas com os amigos e a alimentar o sonho de se tornar profissional. Seu pai sempre esteve ao seu lado, observando seu talento e acreditando no seu potencial.
Esse desejo só foi crescendo ao logo dos anos, junto com o anseio de melhorar a vida a família. Mas ainda muito jovem, se deparou com uma dura realidade: o racismo no futebol. Quando ainda jogava na categoria sub-11, durante um campeonato pela Academia da Roma, foi chamado de "negro marginal" pelos pais de um adversário em uma partida contra o Novo Hamburgo.
– Na hora, parou o jogo, meus pais foram atrás e a gente foi para a delegacia para resolver isso. Os pais foram punidos. A torcida deles foi punida, acho que por alguns jogos – recorda o zagueiro.
O fato marcou a trajetória de Edson, mas não ao ponto de fazê-lo desistir de seu sonho. Sua maior inspiração é Pelé, negro com ele e talvez o brasileiro mais conhecido em todos os tempos. Admira também o trabalho de Roger Machado, atual técnico do Inter e que ele considera um exemplo a ser seguido.
– Vendo o Roger onde ele está, eu creio que eu também posso chegar, representar meu clube, sendo jogador profissional e futuramente ser um técnico negro – diz Edson, que tem orgulho da sua cor – Ser negro para mim é poder representar a minha raça dentro e fora de campo. Representar a minha família, minhas raízes.
Kaick, o volante
Volante sub-20 do Grêmio há três anos, Kaick da Silva, de 18 anos, cresceu em uma família humilde em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Seu pai, grande apaixonado por futebol, sempre o incentivou a seguir seus sonhos. Foi ao lado dele, assistindo aos jogos, que o jovem também desenvolveu a paixão pelo esporte.
Em 2019, quando tinha apenas 13 anos, Kaick foi personagem em uma matéria do ge, que contou como as redes sociais ajudaram o jovem a reencontrar a motivação para seguir em frente com o sonho de ser jogador. Após a morte de sua avó, o volante chegou a pensar em desistir da carreira, mas encontrou forças para seguir.
– Eu luto muito, porque eu quero também fazer de tudo também para mudar a vida deles, porque a gente já sofreu muito lá atrás.
Assim como Edson, Kaick também foi alvo de racismo durante um jogo de futebol. O episódio ocorre durante um torneio de categorias de base em Rosário, na Argentina.
– Os torcedores estavam gritando e falando "macaco, macaco". Deu briga e foi algo muito triste. Por nós sermos negros, somos vistos com outros olhos, e isso muitas vezes nos machuca. Mas é o mundo que a gente vive, e a gente tem que ser forte – diz o jovem.
A maior inspiração do volante é o N'Golo Kanté, volante campeão da Copa do Mundo pela França e atualmente no Al-Ittihad. Filho de imigrantes, ele também passou por dificuldades e chegou a trabalhar como catador de lixo em Paris para ajudar sua família.
– A história dele é um pouco parecido com a minha – diz Kaick, para quem o futebol não é apenas uma profissão, mas também uma plataforma de visibilidade, onde os jovens negros podem se enxergar representados. — A gente faz chegar em outras pessoas a nossa luta, por isso as outras pessoas também se levantam e querem lutar juntamente conosco.
Cebola, o atacante
Kauê dos Santos, mais conhecido pelo apelido de Cebola, é atacante do Brasil de Pelotas e tem 17 anos. Desde os 13, ele já estava realizando testes para tentar a carreira de jogador. O jovem conta que já foi vítima de preconceito de forma velada nas ruas, ao ser abordado pela polícia, também de maneira explícita nas ruas, ao ser chamado de "macaco" por um time adversário.
– Ele dizia: "Pode marcar esse macaco, tu não deixa ele passar" — relembra Kauê.
O treinador, ao perceber a situação, interrompeu o jogo e pediu para que a equipe saísse de campo. O apoio da família foi fundamental para Kauê superar esse episódio e seguir em frente.
O jovem atacante se inspira em grandes nomes do futebol, como o gaúcho Raphinha e o atacante Vinícius Jr., do Real Madrid. Kauê destaca a postura de Vinícius, que não se cala diante do racismo. Ao lembrar do apoio da família, o atacante fala sobre um conselho importante que sua mãe lhe deu quando era criança.
– Se tu quer ser alguma coisa, corre atrás. Se uma pessoa branca fez isso, tu tem que fazer o dobro — diz Kauê, orgulhoso de sua cor e origens. – Eu tenho muito orgulho de ser negro, muito orgulho mesmo, não queria ter nascido de outra maneira.
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