O América do México alcançou um feito inédito na última semana: conquistou o Torneio Clausura do Campeonato Mexicano na mesma temporada em que faturou o Torneio Apertura. Um bicampeonato inédito neste modelo de disputa para o popular clube da Cidade do México, e uma sequência de títulos que não vinha há 35 anos. Tudo isso com uma assinatura brasileira, a do técnico André Jardine.
Bicampeão no México, André Jardine projeta mais títulos com o América
O ex-comandante do São Paulo e da seleção brasileira olímpica, com uma comissão técnica brasileira, ganhou o papel de protagonista do futebol mexicano ao quebrar um jejum de cinco anos do América, o maior campeão do país. E, depois do título conquistado no dia 26 de maio, já projeta mais troféus.
- É um time que vem nos últimos anos fazendo grandes campanhas, vinha passando perto dos títulos. E a minha chegada foi importante nesse aspecto, porque conseguiu quebrar o jejum. Sempre faltava alguma coisa. Escorregava numa reta final, perdia algumas semifinais importantes. E partir desse momento, dessa conquista, a expectativa segue ficando bastante alta. O clube segue acreditando que tem potencial para mais. Eu acho que a gente vai conseguir alguma coisa a mais do que esses dois títulos - comentou.
Em entrevista ao Gringolândia, podcast de futebol internacional do ge (confira a íntegra abaixo), Jardine relembrou a aposta que fez no futebol mexicano pouco mais de um ano depois de conquistar o ouro olímpico nos Jogos do Japão, e quando auxiliava a comissão técnica de Tite na Seleção principal, às vésperas da Copa do Mundo de 2022.
Na época, ele foi para o Atlético San Luís, clube que estava na parte mais baixa da tabela da liga, e ganhou destaque. Depois de um ano e meio veio a proposta para dirigir o clube mais popular do México e formar "La Jardineta", como a imprensa mexicana vem tratando o time que, além de faturar o título no mata-mata dos dois torneios, foi líder na fase regular em ambos.
À distância, André viu o Brasil ficar fora do torneio de futebol masculino das Olimpíadas de Paris, vindo de um bicampeonato na competição, e comentou que não pode haver desatenção com a base da Seleção.
- Claro que de longe a gente viu com tristeza. Essa não-classificação é uma pena. Eu acho que o Brasil, por ser o país do futebol, por ter a tradição que tem, não pode estar de fora de competições importantes como as Olimpíadas, ainda mais sendo bicampeão olímpico. Fica esse ponto de atenção para a CBF. Não pode descuidar, tem que seguir dando uma atenção e tendo um projeto forte também para as categorias de base e em especial para esse projeto olímpico - analisou.
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Agora com dois títulos nacionais no currículo e exaltado no México, o treinador acredita que também passará a ter mais reconhecimento no Brasil, onde teve breve passagem pelo futebol profissional do São Paulo, entre 2018 e 2019.
- Claro que não é simples esse passo da base para o profissional. São poucos profissionais que conseguem dar, e graças a Deus eu consegui. Agora tendo que vir para o México, um futebol que também é muito competitivo, uma liga extremamente difícil. Vim provar o meu valor aqui, vim buscar essa experiência, vim buscar currículo também, para poder voltar a ser reconhecido dentro do futebol brasileiro como vitorioso, competente no futebol profissional. E vamos ver se mais para frente a gente volta ao futebol brasileiro para poder continuar escrevendo essa história.
Confira a íntegra da entrevista de André Jardine:
ge: Jardine, a conquista do bicampeonato foi suada, vitória por 1 a 0. Qual foi o sentimento naquele apito final?
André Jardine: - Ah, de estar fazendo história. Um clube gigante como América ainda não tinha conquistado um bicampeonato nesta nova fórmula aí, de torneios curtos, dois torneios por ano. Um clube que tem a maior torcida do México, uma importância e relevância muito grande no cenário mexicano, e até no cenário das Américas. Este é um clube realmente importante. E a gente estava sabendo que estava muito perto de fazer essa história, de escrever essa história bonita.
Foi uma conquista especial aí, realmente espetacular em termos históricos. E de um nível de dificuldade muito grande pelo adversário. Então, por isso eu acho que realmente foi tão celebrada e tão sofrida. E que pode ser um marco inicial para a gente poder seguir escrevendo uma história bonita no México.
Foi o primeiro bicampeonato do América em 35 anos. Agora um bi nesse cenário de Clausura e Apertura. Como tem acompanhado a repercussão sobre o tamanho do feito?
- A repercussão está muito grande, realmente estão valorizando muito a conquista. Tivemos uma festa especial para comemorar esse título, com o estádio lotado. Acho que a ficha vai caindo aos pouquinhos, né? Foi muito importante tanto para a gente como para o clube.
Quando chegou, você sentiu a pressão, já que o América vinha em uma fila de cinco anos?
- Quando a gente chegou tinha uma pressão pela “14”, de quebrar um jejum já de cinco anos, que para um clube como América é bastante tempo. O Chivas, que é o principal rival, estava se aproximando em número de títulos. Então, era realmente um momento ali de pressão e de muita vontade do clube para quebrar esse jejum. E a gente conseguiu. E aí a partir desta conquista, passa a ter um foco muito mais de tentar realmente escrever uma história, de marcar uma época, do que propriamente uma pressão por título.
Qual seria o peso, o tamanho do América aí no México? Em termos de popularidade, seria como um Flamengo, um Corinthians aqui no futebol brasileiro?
- É, sempre a comparação é com o Flamengo, pelo tamanho da torcida. Dentro do México é o clube que tem mais conquistas, que tem mais relevância a nível de história. E a torcida, que se equipara inclusive à do Flamengo. O América, se não me engano, tem quarta ou quinta maior torcida do mundo, briga com o Flamengo ali entre os cinco clubes que têm mais torcida. Então, é sempre uma comparação. Onde a gente vai é impressionante, a recepção da torcida do América em qualquer lugar. É incrível como é um clube extremamente popular. E muito vitorioso.
Ainda nesse paralelo com o futebol brasileiro, a gente ouviu nos últimos anos que o futebol mexicano seria o único nas Américas que poderia bater de frente com o Brasileirão. Dá para imaginar o América disputando o Brasileirão? Brigaria pelo título?
- A liga mexicana tem cinco ou seis clubes que têm um poder de investimento muito alto, realmente muito grande. O América é um deles. Acho que estes cinco, seis times brigariam na parte de cima da tabela. A gente volta e meia faz esse exercício aqui com a nossa comissão. A gente tem um elenco com oito, nove jogadores de seleção: mexicana, chilena, paraguaia... Temos o Cáceres e o Brian Rodriguez, que são da seleção uruguaia. É um time que tem muitos selecionáveis, e acho que isto mostra um pouco o tamanho do clube, a força hoje que a gente tem. Acho que o América brigaria na parte de cima, de igual para igual com os grandes clubes do Brasil.
Você diz que sua intenção é um dia marcar época aí. Mas esse time do bicampeonato já vem sendo chamado de time de época por aí. Como enxerga isso?
- Ah, já é um time que vem nos últimos anos fazendo grandes campanhas. Vinha passando perto aí dos títulos. E a minha chegada foi importante nesse aspecto, porque conseguiu quebrar o jejum. Sempre faltava alguma coisa. Escorregava numa reta final, perdia algumas semifinais importantes. E partir desse momento, dessa conquista, a expectativa segue ficando bastante alta. O clube segue acreditando que tem potencial para mais. Eu acho que a gente vai conseguir alguma coisa a mais do que esses dois títulos.
Além de levar o Clausura e o Apertura, vocês foram líderes nas duas fases. Terminaram a fase regular do Apertura em primeiro, o mesmo no Clausura. Isso traz um brilho maior para essa conquista?
- Foi a primeira vez que o mesmo time consegue as lideranças e os títulos. Antes da primeira conquista nossa se falava muito de uma maldição, que geralmente o time que fazia mais pontos não conquistava o título. E a gente conseguiu quebrar um pouquinho essa história, essa tendência. Seria mais ou menos, pensando na fórmula do Campeonato Brasileiro hoje, como se a gente tivesse conseguido conquistar o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil duas vezes. Praticamente todos os títulos. Nos escapou a Concachampions, que é a Libertadores daqui. Perdemos na semifinal, passamos muito perto de ter conseguido conquistar todos os títulos que a gente disputou. Mas, de qualquer forma, não apaga o brilho desse ano futebolístico, dessa campanha.
E na verdade são dois títulos que viraram três, né? Porque tem o Campeão dos Campeões, no qual o campeão do Apertura enfrenta o campeão do Clausura. E vocês já levaram esse título automaticamente.
- Isso foi importante para caramba. Agora a gente só tem um jogo marcado nos Estados Unidos, onde se joga o Campeão dos Campeões. A gente conseguiu unificar os dois títulos. Vai acontecer o jogo contra o Tigres, mas vai acabar sendo um jogo muito mais amistoso, de entrega de faixas, porque a gente já antecipou essa conquista também.
Dá para dizer que esses títulos foram a grande recompensa pela sua aposta de ir trabalhar na liga mexicana?
- Ah, sem dúvida foi uma guinada na carreira, uma aposta de sair da Seleção para o Atlético San Luís, que era um clube que estava naquela época em último lugar do Campeonato Mexicano. A gente apostou no projeto, apostou no que os dirigentes me passaram. Era um projeto que realmente me passou uma muito boa sensação. Um clube que está crescendo, que tem um investimento e um parceiro como Atlético de Madrid por trás. Então, foram os primeiros três torneios pelo San Luís que me alçaram ao América. Claro que quando a gente consegue chegar a uma conquista desse tamanho por um clube como a América, tudo passa a fazer sentido. E naquele momento o que parecia uma aposta bastante arriscada hoje se vê como um passo muito certo na carreira. Já muito bem estabelecido aqui, em uma liga importante que é a liga mexicana. E com a certeza de que a gente fez a coisa certa naquele momento.
Relembre para nós: você estava na comissão fixa do projeto olímpico e trabalhando pontualmente com o Tite na comissão principal, a meses da Copa do Mundo. E aí chegou o convite do San Luís?
- Estávamos nas últimas Datas Fifa antes da Copa e me passava na cabeça a sensação de um fim de ciclo. O projeto olímpico havia chegado ao fim, se falava em recomeçar, já pensando em Paris. E eu me imaginava realmente voltando para a rotina dos clubes. Já tinha essa vontade de ter também experiências no futebol profissional, experiências que aumentassem um pouquinho o meu currículo. E essa vontade de transcender no futebol pelos clubes. Quando aparece o projeto do San Luís, eles me apresentam durante uma Data Fifa, em uma reunião online... Apresentaram o projeto do que era o clube, o que eles pensavam para mim dentro desse projeto.
E eu voltei da Data Fifa já praticamente decidido a aceitar. Tive uma conversa muito rápida com a CBF, pelo tempo que demoraria até o ciclo olímpico. Eu entendia que era o melhor para minha carreira, voltar a essa rotina do dia a dia, voltar à disputa de títulos pelos clubes. E trocar de liga, conhecer uma liga nova, conhecer um país novo, uma cultura nova. Também era uma coisa que eu tinha muita vontade. Então, juntou o útil ao agradável. Acho que o projeto e a oferta acabaram aparecendo na hora certa. Eu não pensei duas vezes, porque o treinador precisa ter essas experiências. Talvez um dia eu volte para a Seleção já com muito mais experiência e com um currículo muito maior.
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E como chegou a proposta do América?
- Foram três torneios pelo San Luís, duas Liguillas (playoffs), e na última cruzando com a América nas quartas de final. Fizemos um grande duelo com o América, que era o time de melhor campanha. A gente entrou como oitavo ali na classificação, cruzamos com o América. A gente perdeu a ida de 3 a 1, e na volta estivemos muito perto de conseguir reverter. A gente perde a classificação, mas vence o América e deixa uma grande impressão de que o trabalho no San Luís estava começando a dar frutos muito sólidos, uma forma de jogar muito forte, enraizada. E o América acho que naquele jogo entendeu que era por esse caminho que queria ir também. Ao final do campeonato, fizeram o convite, e a gente começou a nossa história.
E você acha que está sendo importante aí para retomar uma tradição que o futebol mexicano já teve com relação a técnicos brasileiros?
- Esse movimento nosso para fora tem que acontecer. Eu acho que tem que até aumentar esse volume de treinadores brasileiros buscando a internacionalização nas ligas. Ela é um fato evidente. Não é um fenômeno exclusivo aí no Brasil, que hoje tem metade dos treinadores estrangeiros. Mas a gente percebe que no mundo inteiro essa é a realidade. Aqui no México também são só três ou quatro treinadores mexicanos, praticamente 70%, 80% dos treinadores estrangeiros. Eu acompanho de perto a MLS, é a mesma coisa. E se a gente for olhar ao redor do mundo, praticamente todas as ligas têm um volume muito grande de estrangeiros.
Cabe à gente se preparar bem, dominar mais de uma língua para poder sair do país, para poder abrir mercado. E é um pouco também o que a gente veio fazer aqui no México. Tomara que dê certo. Eu acho que já está dando, né? Mas uma parte importante deste sucesso vai ser quando a gente vir esse movimento com outros, abrindo o mercado para outros treinadores brasileiros. Já temos o Barbieri aqui com a gente. Eu espero que em pouco tempo os brasileiros estejam em maior número aqui no México e ao redor do mundo também.
E além da questão tática das suas equipes, você ficou famoso também pelo seu estilo ali na beira do campo, de vibração, né?
- Ah, eu tenho o meu jeito bastante apaixonado. À beira do campo, muito explosivo, que jogo junto. A voz ainda está se recuperando, ainda estou meio rouco dessas finais. Mas cada treinador tem seu estilo, esse é o meu. Eu não consigo ser diferente. Sou um cara que joga junto, que sente o jogo a todo instante. É o que faz a gente amar esse esporte, essa vontade de vencer. Tem sido uma marca minha. E eu espero ter energia para conseguir manter essa rotina e essa maneira de ser.
Na comemoração do título você celebrou muito com a sua comissão técnica. Qual foi a importância dessa comissão para você, com profissionais que trabalharam com você na Seleção Olímpica?
- É, eu consegui conseguir formar na Seleção um grupo de espetaculares profissionais. Todos muito competentes, todos vencedores na sua trajetória. E foi muito importante quando vim para o México conseguir trazê-los. Não é fácil, por serem profissionais cobiçados, que estavam todos muito bem em seus clubes. Consegui vir para o México com o Dudu Bressane, que era o analista das categorias de base do Brasil, tinha participado da campanha da Copa América. Consegui trazer o Caco Pérez, meu preparador físico, que estava estabelecido no São Paulo há muito tempo. O Paulo Vítor, que veio comigo agora para o América, estava no Palmeiras e dispensa apresentações, tem um caminhão de títulos nas categorias de base.
E por fim consegui trazer e incorporar o Phelipe Leal, que é um grande profissional, também foi campeão do mundo sub-17 com o Brasil há pouco tempo, vinha sendo o treinador da seleção sub-17 e aceitou vir comigo para esse desafio. A gente conseguiu formar aqui uma comissão estelar de profissionais, todos com competência comprovada, com currículo vencedor. E me sinto privilegiado de conseguir formar uma comissão de peso, uma comissão que representa o futebol brasileiro de uma forma muito competente aqui no futebol mexicano.
Aproveitando para perguntar sobre o futuro de vocês, pois seu nome está sendo especulado para assumir a seleção mexicana após a Copa América. Mas você ainda tem contrato de um ano com o América. Como está a questão dos planos futuros?
- Hoje, o futuro é totalmente dentro do América. A gente tem mais um ano de contrato e já começou a discutir a possibilidade de renovação. Acredito que vá acontecer. É claro que eu sempre me sinto super honrado quando sai esse tipo de notícia, de especulação. Imagino que um dia vai ser um projeto nosso, de querer assumir alguma seleção, de poder ter também essa experiência de jogar uma Copa do Mundo, eliminatórias. Mas neste momento a nossa cabeça está totalmente focada no América, em seguir conquistando e fazer parte da história desse clube maravilhoso.
Falando de Seleção, como você está vendo esse início do trabalho do Dorival?
- Ah, sobre o Dorival, eu estou muito feliz. É um profissional que eu admiro bastante, tenho uma relação próxima com ele e acho que a Seleção está nas melhores mãos possíveis. É um cara que se preparou há muito tempo, tem um currículo vencedor em vários grandes clubes do Brasil, coisa que não é fácil. Adquiriu experiência suficiente para estar à frente desse desafio, que a gente sabe o tamanho que é, a pressão que que envolve. Mas tenho certeza que o Dorival está preparado e acho que vai se sair muito bem. Já começou muito bem, né? E tem tudo para terminar muito bem.
E como viu o fato de o Brasil não ter se classificado para o torneio de futebol masculino das Olimpíadas, após conseguir duas medalhas de ouro?
- Claro que de longe a gente viu com tristeza. Essa não-classificação é uma pena. Eu acho que o Brasil, por ser o país do futebol, por ter a tradição que tem, não pode estar de fora de competições importantes como as Olimpíadas, ainda mais sendo bicampeão olímpico. Fica esse ponto de atenção para a CBF. Não pode descuidar, tem que seguir dando uma atenção e tendo um projeto forte também para as categorias de base e em especial para esse projeto olímpico.
Estando aqui no exterior, a gente vê como é importante o Brasil sempre estar. Quando o Brasil não está, o pessoal acha estranho, o pessoal pergunta o que aconteceu. Então, para todo mundo, para o futebol mundial, não é normal o Brasil não estar disputando qualquer competição a nível mundial e não ter uma seleção sempre muito forte, muito reconhecida. Fica esse meu pedido aí para a instituição, para a CBF não descuidar e seguir tendo um projeto muito forte, seguir tendo um investimento, um projeto de longo prazo, com profissionais competentes. E com ideias para o Brasil ser forte em qualquer instância, em qualquer competição.
Você acha que o seu trabalho foi subestimado, com muitos achando que qualquer um levaria a geração ao ouro? Acha que faltou um pouco mais de reconhecimento na Seleção Olímpica?
É incrível dizer isso, mas a gente tem a sensação de que se se reconhece muito mais a medalha de ouro fora do país do que dentro. Aqui no México, logo que eu cheguei, muita gente vinha pedir autógrafo e tirar foto, sempre fazendo menção ao ouro olímpico. Isso entrou em qualquer matéria que sai aqui no México. Aqui se dá muita relevância para esse ouro olímpico, eles sabem o quão difícil é. O Brasil demorou muito tempo para ganhar um ouro, o primeiro ouro veio dentro de uma Olimpíada dentro do Brasil. Com apoio, preparação, mas o Brasil já estando nas olimpíadas, né? E historicamente sempre foi difícil, inclusive, chegar nas Olimpíadas, pelo torneio pré-Olímpico. É um torneio bastante complicado.
Não foram poucas as vezes que o Brasil não conseguiu a vaga. E enaltece ainda mais o trabalho que a gente fez para o bicampeonato. Foi um torneio difícil, onde a gente teve que buscar a vaga em um pré-Olímpico extremamente complicado na Colômbia, com seleções fortes. Foi super-difícil a vaga e a primeira medalha fora do Brasil. Numa competição no Japão, em plena pandemia, com uma dificuldade de liberação imensa dos jogadores. E toda uma dificuldade de conseguir tocar o projeto, mas que coroou com uma medalha e um trabalho muito bem executado por todos ali dentro, encabeçados pelo Branco, que foi importantíssimo, os presidentes, a comissão que a gente montou, trabalhando dia e noite na pandemia. Acho que talvez esta má campanha nesse último pré-Olímpico serve para o pessoal lembrar que realmente não é fácil ser campeão olímpico.
Antes da seleção olímpica, você pegou um momento mais complicado do São Paulo. E muita gente apontou que talvez você não fosse o técnico que se esperava. Você acha que as conquistas com o América marcam posição da sua qualidade?
- Ah, não tenho dúvida. Eu tive um currículo nas categorias de base extremamente vitorioso. Foram quase 50 títulos em pouco mais de 15 anos de carreira. Não é fácil. Parece ser fácil, mas a categoria de base também é recheada de muitos profissionais. O número de grandes clubes que trabalham bem na nas categorias de base dificulta muito qualquer profissional ter uma sequência vitoriosa. E eu tinha esse carimbo na carreira, como um profissional de categoria de base muito vitorioso, que culminou com o ouro olímpico. Mas sempre fica aquele desafio de confirmar isso no futebol profissional.
Claro que não é simples esse passo da base para o profissional. São poucos profissionais que conseguem dar, e graças a Deus eu consegui. Agora tendo que vir para o México, um futebol que também é muito competitivo, uma liga extremamente difícil. Vim provar o meu valor aqui, vim buscar essa experiência, vim buscar currículo também, para poder voltar a ser reconhecido dentro do futebol brasileiro como vitorioso, competente no futebol profissional. E vamos ver se mais para frente a gente volta ao futebol brasileiro para poder continuar escrevendo essa história.
Dá para dizer que ir para o México foi um acerto de vida?
- Sem dúvida. Passo importantíssimo. Daqui para frente acho que vai se mostrar cada vez mais importante, mas nesse momento atual, sem nenhuma dúvida, já foi um passo decisivo para a gente poder se estabelecer no futebol profissional e buscar toda a experiência suficiente para poder dar os próximos passos daqui para frente.
Inclusive, seu filho nasceu no México, né?
- É, temos um mexicano na família. O Liam também está muito feliz, muito adaptado. É um grande país para se viver. É muito, muito parecido com o Brasil em vários aspectos. Mas está sendo uma experiência de vida também, muito importante conhecer um país, conhecer uma nova cultura, aprender uma nova língua. São experiências que estão fazendo tudo isso valer muito a pena.
Liam é em homenagem ao Liam Gallagher?
- Também. Esse carinho que na minha adolescência eu tinha com o Oasis e com o Rock de forma geral. Tive uma banda, então tinha esse carinho, essa marca aí na minha vida. Escuto até hoje, é uma das minhas bandas preferidas. E eu gosto muito deste nome também. Então, quando a gente descobriu que seria um filho homem, foi um dos nomes que a gente cogitou, eu e a Sabrina. E acabou vencendo por unanimidade. Hoje a gente tem um Liam Jardine.
E como é ser do Rock nesse meio? No Brasil é samba, pagode... No México é um Reggaeton que é popular no vestiário?
- Aqui a cultura musical é bastante diferente. Mas eles também curtem um pouquinho o Rock. O Rock internacional acho que não tem fronteira. Oasis é uma dessas bandas que é conhecida em todo o mundo. Mas aqui a cultura musical é diferente.
E como é a experiência de dirigir um vestiário sem brasileiros?
- Neste momento não temos. Vamos ver se a gente consegue daqui a pouquinho trazer algum compatriota aí. Porque o América tem também uma identificação muito grande com alguns jogadores brasileiros. Essa é uma curiosidade também que eu tenho. Eu acho que tem poucos brasileiros no futebol mexicano. Tem muitos sul-americanos, né? Tem muito jogador uruguaio, argentino, colombiano, chileno e curiosamente tem poucos brasileiros. Acho que é um mercado a ser explorado.
Lembro de ter conversado com o Volpi, por exemplo, que é um goleiro que está muito consolidado aqui, um ídolo, e ele comentava eu ia gostar muito, que a liga é boa, é um país muito bom de se viver. E hoje, estando aqui, eu vejo que realmente é um mercado que o brasileiro tem que prestar mais atenção. Os jogadores também, porque tem muitos bons clubes, é uma liga muito boa e é uma qualidade de vida muito boa para a gente prestar atenção.
Como foi para se adaptar, até na questão da língua em si?
- A língua foi o menor dos problemas, né? O espanhol é uma língua que se aprende muito fácil. Se a gente se dedica um pouquinho, realmente não é um impeditivo. E claro que existe uma diferença cultural, mas eu acho que também neste quesito pesou a nosso favor a nossa maneira de trabalhar, nosso método, que com certeza é diferente do que eles estavam acostumados aqui.
Sinto que, de certa maneira, impressionou a todos o nosso nível de organização, a nossa metodologia, a nossa forma de organizar a semana, os treinos. No San Luís, era um feedback de que muitas coisas nunca tinham visto e estavam gostando. E aqui no América a mesma coisa, mesmo pegando jogadores de nível, a gente sente que os jogadores gostam da nossa metodologia, dos treinos, da forma, da clareza que a gente explica as coisas ou os conceitos. E também é parte nossa, do treinador, desenvolvê-los como jogadores. Fazê-los serem melhores jogadores a cada semana, a cada dia. E a gente tem de certa forma conseguido, pelo que eles passam.
São dois anos e meio aí no México. Absorveu alguma coisa da cultura mexicana, algum hábito, até na culinária?
- A língua, né? Já ter essa fluência maior numa segunda língua, que pode abrir também muitas portas para a gente. E cultura da comida muito apimentada. Eu sempre gostei de comida mais apimentada, e aqui é uma realidade. A cidade em si, a Cidade do México é uma grande cidade, super turística, muita coisa bonita para conhecer. Gosto bastante, também me identifico. As praias aqui dispensam comentários. Cancun e outras praias tão bonitas que o México tem para oferecer.
Já me identifico com os clubes também, hoje posso dizer que conheço profundamente a liga mexicana. Conheço todas as cidades aí, esses grandes clubes que hoje compõem a liga mexicana. E esse contato direto com a MLS. Tudo isso tem sido muito bom, um ganho de cultura, de conhecimento é muito bom poder ver o futebol também de uma outra perspectiva. E ver como eles enxergam o futebol brasileiro.
Como voz influente aí no América, você conseguiu mobilizar a atenção para a tragédia que aconteceu no Rio Grande do Sul. Como foi e como o clube ajudou?
- Estamos aqui à distância, acompanhando, com o coração apertado tudo que está acontecendo no Rio Grande do Sul, que é a minha terra. A minha cidade, Porto Alegre... É impressionante tudo que aconteceu. Está debaixo de água, segue ainda sofrendo com as consequências de tudo isso que está passando. A cada dia que que eu acompanhava aqui pela TV o sofrimento muito grande e de um pouco de impotência, de querer estar ajudando de alguma forma, de querer estar junto e não podia. Então, conversando aqui com os dirigentes da América fomos mostrando para eles o que estava acontecendo, e eles foram se conscientizando, se solidarizando. E a gente conseguiu através do América e de algumas instituições parceiras mandar uma doação importante lá para o Rio Grande do Sul. Fiquei muito, muito feliz com esse carinho, com esse gesto do América que tem como slogan “Grandes de coração”. E fez valer, porque mesmo num país muito distante do que estava acontecendo, não deixaram de prestar atenção e não deixaram de fazer a sua parte em relação a ajudar neste desastre.
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