Por Raissa Toledo, Andressa Lara, TV TEM


Inquéritos com 2,5 mil páginas revelam mensagens entre secretária e ex-presidente da Apae

Inquéritos com 2,5 mil páginas revelam mensagens entre secretária e ex-presidente da Apae

A reportagem da TV TEM e do g1 tiveram acesso, com exclusividade, aos inquéritos policiais do desaparecimento e suposto homicídio da secretária executiva da Apae de Bauru (SP), concluído no dia 10 de outubro, e da apuração de um esquema de desvio milionário na entidade que levou à prisão de 8 pessoas em uma operação deflagrada nesta terça-feira (3).

Juntos, os dois inquéritos possuem mais de 2.500 páginas. Eles trazem detalhes das apreensões realizadas na Apae, dados de computadores, quebra do sigilo bancário dos investigados, depoimentos de funcionários e ex-funcionários da instituição e muitas trocas de mensagens entre Roberto Franceschetti Filho, ex-presidente da entidade, e Cláudia.

O da Divisão Especializada de Investigações Criminais, que investiga a morte de Cláudia e serviu como base para incriminar o ex-presidente da entidade Roberto Franceschetti Filho e o ex-funcionário do almoxarifado, Dilomar Batista, tem 1.579 mil páginas. Os dois se tornaram réus nesse processo e a primeira audiência do caso já foi marcada pela Justiça.

Já o inquérito do setor especializado de combate aos crimes de corrupção, crime organizado e lavagem de dinheiro (Secold), que investiga o esquema de desvio de verba na Apae, tem mais de 900 páginas. O inquérito foi aberto a partir de indícios de irregularidades na administração da entidade que teriam motivado o assassinato de Cláudia.

Transcrição das mensagens

Para a polícia, as transcrições e depoimentos mostram que o esquema de desvio de verbas da instituição vinha acontecendo há anos. Em uma das conversas, ainda em 2019, quando Olga Bicudo era presidente da Apae, Claudia enviou uma foto para Roberto com o extrato bancário de um depósito de mais de R$ 47 mil reais e escreveu na sequência “Vou fugir”.

Roberto então pede pra que ela divida com ele a quantia, e ela envia um outro extrato pra ele mostrando que depositou R$ 23.882,00.

Em janeiro de 2020, após o falecimento de dona Olga, Roberto enviou uma mensagem dizendo: “ta guardado e seguro”; se referindo a uma quantia em dinheiro, e enviou uma senha para Cláudia.

Cláudia então respondeu rindo e disse que o valor seria de R$ 240 mil, “Valor do apê”. E depois comemorou com um palavrão e disse que a presidente da época iria dar o “ok”.

Comprovante de depósito de mais de R$ 23 mil feito por Cláudia para Roberto (apae bauru) — Foto: TV TEM/ Reprodução

Em outro depoimento, é dito que Roberto, em junho de 2020, enviou um áudio avisando a Cláudia para pegar um dinheiro na gaveta dele, e a secretária executiva respondeu dizendo: “Tô rica”, expressão utilizada várias vezes por ela, segundo o documento da Polícia Civil.

Como, por exemplo, em outubro do mesmo ano, depois de receber uma transferência de quase R$ 30 mil. Os inquéritos ainda mostram trocas de favores entre Roberto e Cláudia e como os dois teriam se ajudado para conseguir aumentos de salário.

Em outubro de 2021, Cláudia redigiu um ofício ao então coordenador financeiro da Apae, Renato Golino, que está entre os presos nesta terça-feira (3) por suspeita de participar dos desvios. No documento, ela solicita o aumento salarial de Roberto, que na época era coordenador geral da instituição, para R$ 14 mil.

Assim que se tornou presidente, Roberto enviou um áudio falando do trabalho e enaltecendo a importância de Cláudia na vida dele. Na ocasião, conforme o inquérito, Cláudia respondeu: “Não há dinheiro que pague seu reconhecimento a minha pessoa e meu trabalho”. Roberto completa dizendo: “há dinheiro sim, mais R$ 4 mil livre sem imposto, ajuda?” E Cláudia devolve dizendo que ajuda sim.

Em mensagem trocada com ex-presidente Apae de Bauru, Cláudia Lobo escreveu que estava rica — Foto: TV TEM/ Reprodução

Esquema familiar

Algo que também chamou a atenção da polícia é a suspeita de envolvimento de parentes de Cláudia no esquema de desvio de verba da Apae. Dez dias depois do desaparecimento da secretária executiva, a filha dela, Leticia Lobo, também presa na operação disse, em entrevista à TV TEM, não desconfiar de algo suspeito no trabalho ou no comportamento da mãe.

Mas, o inquérito policial traz trocas de mensagens entre Letícia e o Roberto que, segundo a investigação, podem indicar que o esquema de desvio de verba era de conhecimento de mais pessoas.

No dia 18 de setembro de 2023, a Letícia disse a Roberto: “sobre as coisas que eu escuto de vocês conversando sobre o trabalho na apae, sobre o serviço da minha mãe, nada que eu escuto eu converso ou comento com ninguém, pode ficar tranquilo.”

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Ainda sobre as investigações, em coletiva realizada nesta quarta-feira (4), delegado responsável pelo caso, Gláucio Stocco afirmou que Letícia era uma funcionária fantasma da entidade, que recebia salários sem exercer qualquer função.

Outros parentes presos na operação são Ellen Lobo, irmã de Cláudia, e seu marido, Diamantino Campagnucci. Os dois mantinham uma empresa de produtos de limpeza que faturou R$ 120 mil em pagamentos por produtos que nunca foram entregues à Apae.

Também foi preso Pérsio Prado, ex-marido de Cláudia e pai de Letícia, que possuía um contrato para digitação de notas fiscais doadas.

Apesar do trabalho estipulado com o pagamento de R$0,03 a R$0,04 por nota digitada, seu salário ultrapassava R$8 mil mensais, o que demandaria um volume irreal de mais de 200 mil notas lançadas manualmente em um único mês, algo humanamente impossível, segundo o delegado.

Letícia, filha de Cláudia Lobo, foi presa durante a operação em Bauru — Foto: TV TEM/ Reprodução

Também foram presos por suspeita de participação no esquema Renato Tadeu de Campos, que é policial militar aposentado e prestava serviços de segurança à Apae. E o empresário Felipe Figueiredo Simões.

Os presos foram transferidos provisoriamente para a cadeia pública de Avaí (SP), onde permanecerão sob custódia, enquanto as investigações continuam. Eles tiveram a prisão temporária de 5 dias decretada, podendo ser prorrogada por mais cinco dias.

Outras 18 pessoas físicas e jurídicas tiveram seus bens bloqueados. Já os oito presos durante a operação são investigados pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Além das prisões, a polícia apreendeu veículos, joias, armas e dinheiro pertencentes aos investigados.

Um dos mandados foi expedido contra o ex-presidente da entidade, Roberto Franceschetti Filho, que está preso desde o dia 15 de agosto por ser suspeito de ter matado a secretária executiva. Ele está preso no CDP de Guarulhos.

O advogado de defesa de Letícia, Elle, Pérsio e Diamantino, Alison Caride, informou que está analisando os elementos da investigação e que, em breve, os clientes vão prestar depoimento para as autoridades policiais.

A defesa de Renato Golino disse que não vai se manifestar. Já a defesa de Renato Tadeu só confirmou que o cliente foi encaminhado para o Presídio Romão Gomes em São Paulo após audiência de custódia. A reportagem não conseguiu contato com os advogados dos outros suspeitos.

Oito pessoas foram presas durante a operação que investiga desvios milionários na Apae — Foto: TV TEM/ Reprodução

Bonificações suspeitas

O inquérito do Secold também traz uma tabela com o nome de 20 funcionários que recebiam diversas bonificações salariais ao longo dos meses. A polícia chegou a questionar a atual presidente, Maria Amélia, sobre a origem e a destinação do recurso.

O nome de Cláudia aparece diversas vezes na tabela e, desde 2021, ela recebeu pouco mais de R$ 18,3 mil em bonificações. Já Maria Lúcia Miranda, também presa nesta terça-feira (3) por envolvimento no esquema, assim que se tornou coordenadora financeira da entidade, em fevereiro deste ano, recebeu R$ 6,5 mil por mês em gratificações, totalizando mais de R$ 43 mil.

Segundo a Polícia Civil, a Apae não soube explicar de forma concreta o motivo dessas pessoas receberem fora do salário quantias tão altas. A TV TEM entrou em contato com a Apae, mas a entidade não se manifestou até a publicação da reportagem.

Bonificações recebidas pela secretária executiva da Apae de Bauru que foram documentadas no inquérito — Foto: TV TEM/ Reprodução

O que diz a Apae?

Em nota, a Apae Bauru disse “que todos os depoimentos da sindicância foram entregues para a Polícia Civil, acreditando que as informações oferecidas auxiliaram no embasamento das decisões tomadas.

A respeito da Maria Lucia Miranda, o depoimento dela foi ouvido durante a sindicância o qual indicou práticas ligadas à antiga gestão em desacordo com as normas de boa gestão financeira. Imediatamente tratamos de corrigi-las, aplicando as normas e boas práticas de gestão. Tão logo foi tomado conhecimento da sua detenção decidiu-se pelo seu afastamento imediato.

Quanto a informação a respeito das gratificações citada durante a coletiva de imprensa da Polícia Civil, realizada nesta quarta-feira (4), tratava-se de prática adotada pela gestão anterior para cargos de Coordenação, porém, sem critérios definidos para sua aplicação. Desde o início da nova gestão foi firmado compromisso de dar solução dentro do corrente ano, o que será feito, analisando-se caso-a-caso.

Quanto ao valor apurado, qualquer que seja ele, pela natureza das atividades da instituição é altamente danoso não só financeiramente como também moralmente.

A perícia contábil e financeira contratada pela APAE segue em andamento, e ainda não temos informações sobre os trabalhos.

A Apae Bauru aguarda o acesso ao inquérito para definir as providências a serem tomadas, além de estar implantando administrativamente as medidas corretivas.”

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