Por Marina Pinhoni, Marco Antônio Martins, g1


  • O Rio de Janeiro teve 3.388 mortes violentas em 2023, mais que as 2.977 de São Paulo - que tem quase o triplo da população.

  • O número representa um aumento de 7,4% nas mortes no RJ em relação a 2022. A alta vai na contramão do que aconteceu no país, que teve queda de 4%.

  • No RJ, o ano foi marcado por disputas entre criminosos – como as que envolvem facções e milícias.

  • O governo do estado diz que, se considerada as mortes decorrentes de intervenção da polícia, houve queda nos homicídios em 2023.

Em 2023, o número de assassinatos no estado do Rio de Janeiro voltou a passar o de São Paulo – que tem quase o triplo da população.

Naquele ano, o RJ registrou 3.388 mortes violentas – média de 9 por dia, e 233 a mais que as 3.155 registradas em 2022, uma alta de 7,4%. Já o estado de São Paulo registrou 2.977 assassinatos em 2023, 10% a menos que o total de 3.316 de 2022.

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Os dados fazem parte da edição final do levantamento periódico de assassinatos feito pelo Monitor da Violência, uma parceria entre o g1, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da violência da USP (leia mais abaixo).

O levantamento leva em conta homicídios dolosos (incluindo feminicídios), latrocínios (roubos seguidos de morte) e lesões corporais seguidas de morte. Mortes decorrentes de violência policial não entram.

O balanço é feito desde 2017 e, até 2021, o Rio de Janeiro sempre teve mais mortes que São Paulo, mesmo sendo um estado com uma população menor. O cenário mudou em 2022, quando, pela primeira vez, os assassinatos no território paulista ficaram acima. Agora, a situação voltou a se inverter.

RJ vai contramão do país e tem o maior peso em número de assassinatos

O aumento de 7,4% de assassinatos no Rio de Janeiro vai na contramão do que aconteceu no Brasil em 2023, que teve recuo de 4% nas mortes na comparação com 2022, de 41,1 mil para 39,5 mil.

Com isso, o RJ faz parte do grupo de 5 unidades da federação que tiveram alta nas mortes violentas em 2023, ao lado Amapá, Minas Gerais, Maranhão e Pernambuco. Outras 21 tiveram queda, e uma (Ceará), estabilidade (veja no mapa abaixo).

O Rio de Janeiro, entretanto, teve o maior peso entre os 5 estados que tiveram alta – das 654 mortes a mais nesse grupo, 35% (233) aconteceram em terras fluminenses.

E, com 3.388 assassinatos em 2023, Rio de Janeiro votou a ser o 3º estado com maior número absoluto de mortes violentas.

O aumento no número de assassinatos fez com que o índice de mortes por 100 mil habitantes – um indicador internacionalmente aceito – do Rio de Janeiro voltasse a ficar acima do nacional em 2022: o do estado foi de 21,1 e o brasileiro, de 19,4. Em 2022, tinha ficado abaixo: 18,1 e 20,3 respectivamente (veja os índices).

Parte do aumento das mortes violentas pode ser explicada por brigas de grupos criminosos pelo controle de territórios na cidade do Rio. Em 2023, a facção Comando Vermelho ampliou os ataques a comunidades dominadas por milícias em Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade.

Os assassinatos aconteceram durante as invasões, em troca de tiros, e nos dias seguintes da tomada das comunidades, quando parentes e pessoas próximas do antigo grupo criminoso foram mortos pelas quadrilhas.

O confronto entre facções é o pano de fundo, por exemplo, para o assassinato de três médicos ortopedistas na Praia da Barra da Tijuca, em outubro. Um deles, segundo a polícia, o médico Perseu Ribeiro Almeida, foi confundido pelo tráfico com o miliciano Taillon de Alcântara Barbosa, que acabou preso dias depois. Na madrugada seguinte, os prováveis executores foram encontrados mortos em dois carros.

Quem são os médicos de SP baleados em quiosque no Rio de Janeiro

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Há também as vítimas de balas perdidas. Em maio, por exemplo, três pessoas morreram em 48 horas, sem saber os autores dos disparos. Uma das vítimas é Glória Cherfan, atingida em Acari, enquanto trabalhava no trailer de açaí que mantinha na Favela do Amarelinho (assista a reportagem sobre o caso abaixo).

Em 48 horas, Rio tem 3 mortes por balas perdidas

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RJ tem mais PMs por habitante que a média do país

Bruno Paes Manso, pesquisador do NEV-USP, ressalta que o Rio de Janeiro é um dos estados que tem um índice de policiais militares por habitante superior à média do país.

"É melhor trabalhar com uma polícia pequena, mas controlada e legalista, do que ficar refém de uma polícia numerosa e sem controle. O Rio de Janeiro é uma referência de até onde esse descontrole pode levar: com uma PM de 2,7 homens por mil habitantes, viu parte de seu efetivo organizar e integrar milícias e até grupos especializados em assassinatos por encomenda. Outros estados brasileiros vêm testemunhando processo semelhante, com envolvimento crescente de policiais em negócios ilegais."

Assassinatos caem 4% no Brasil

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Segundo dados do FBSP e do Monitor da Violência, entre os seis estados com maiores taxas de assassinatos por 100 mil habitantes, cinco têm mais policiais militares do que a média nacional. A exceção é Pernambuco, que registra a segunda taxa mais elevada de mortes violentas no Brasil (38,8 casos por 100 mil) e tem efetivo policial abaixo da média.

" Amapá, por exemplo, estado que registra proporcionalmente o maior efeito policial do Brasil (4,2 policiais militares para cada mil habitantes), lidera o ranking dos homicídios brasileiros (45,2 mortes por 100 mil). Santa Catarina fica no extremo oposto: tem o menor efetivo policial do Brasil (1,3 PMs por mil habitantes) e a segunda menor taxa nacional de homicídios (7,9 por 100 mil)", diz o pesquisador.

O que diz o governo do Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, a gestão da segurança pública é dividida entre 3 secretarias: a de Segurança Pública, a de Polícia Civil e a de Polícia Militar (existe, ainda, a Secretaria de Administração Penitenciária, que cuida dos presídios).

A PM diz que a alta de 2023 está relacionada, em grande parte, às disputas entre criminosos e que, em 2023, prendeu mais de 32,6 mil pessoas, apreendeu 4,2 mil adolescentes e tirou das ruas 5,8 mil armas de fogo, inclusive 492 fuzis.

A Polícia Civil diz que, se levadas em contas as mortes por intervenção policial (que não são computadas no levantamento do Monitor da Violência), o estado teve queda de 5% no total de mortes violentas em 2023. "Este foi o número mais baixo de vítimas desde 1991", diz a pasta, em nota.

A Secretaria de Segurança Pública ressalta que, em janeiro de 2024, a queda foi de 15% na comparação com janeiro de 2023.

Levantamento periódico é encerrado

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O levantamento periódico dos assassinatos é um dos projetos do Monitor da Violência, criado em 2017 pelo g1 em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).

Naquela época, o governo federal não tinha uma ferramenta que permitisse à sociedade – jornalistas, pesquisadores, gestores públicos e demais cidadãos – acompanhar, de forma atualizada, os dados sobre assassinatos do país. O único levantamento nacional era o do FSBP, divulgado no segundo semestre de cada ano.

A divulgação dos dados pelos estados também não era padronizada, e não havia uma frequência definida.

A partir da parceria, as centenas de jornalistas do g1 espalhados pelo país passaram a levantar junto aos estados dados sobre as mortes violentas ocorridas mês a mês, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e das assessorias de imprensa dos governos.

Esse trabalho contribuiu para aumentar a transparência e a precisão das informações sobre segurança pública divulgadas no Brasil e, em 2024, o governo federal passou a publicar os dados de crimes violentos em um painel interativo com informações de todos os estados.

Os dados do governo federal, embora usem uma metodologia diferente da do Monitor (por incluir, por exemplo, mortes suspeitas e encontro de corpos e ossadas, que podem não ser assassinatos), apontam para um cenário semelhante, de redução de 4% nas mortes violentas em 2023.

Esse aumento na transparência levou o g1 e os parceiros a decidirem encerrar o levantamento periódico das mortes violentas.

"O Monitor da Violência teve e tem um papel estratégico para a discussão de vários temas sensíveis da agenda da segurança pública, a exemplo dos dados sobre redução e esclarecimento de homicídios, letalidade e vitimização policial, sistema prisional, violência contra mulheres, entre outros. Afinal, a experiência internacional revela que é a partir da ação intensa de disseminação de informações fidedignas e qualificadas que políticas públicas são provocadas e gestores se mobilizam", afirmam Renato Sérgio de Lima e Samira Bueno, diretores do FBSP.

A decisão não significa o fim do Monitor da Violência – apenas do levantamento periódico de assassinatos, diante de um cenário em que dados nacionais e atualizados sobre esses crimes estejam disponíveis para a população.

A parceria seguirá em outras iniciativas, como tem acontecido desde 2017. Nesse período, entre outras coisas, o Monitor da Violência realizou reportagens sobre

Participaram desta publicação:

*Gustavo Petró e Gabriel Croquer (g1); Geisy Negreiros (g1 AC), Cau Rodrigues (g1 AL), Josi Paixão e Rafael Aleixo (g1 AP), Daniel Landazuri (g1 AM), Joao Souza (g1 BA), André Teixeira e Ranniery Melo (g1 CE), Walder Galvão (g1 DF), Vitor Ferri (g1 ES), Vitor Santana, Michel Gomes e Gabriela Macêdo (g1 GO), Rafaelle Fróes (g1 MA), Débora Ricalde, Gabrielle Tavares e José Câmara (g1 MS), Pedro Mathias (g1 MT), Rafaela Mansur (g1 MG), Taymã Carneiro (g1 PA), Dani Fechine (g1 PB), Caio Budel (g1 PR), Bruno Marinho e Pedro Alves (g1 PE), Maria Romero (g1 PI), Henrique Coelho (g1 Rio), Fernanda Zauli (g1 RN), Janaína Lopes (g1 RS), Jonatas Boni (g1 RO), Samantha Rufino e Valéria Oliveira (g1 RR), John Pacheco e Caroline Borges (g1 SC), Carlos Henrique Dias (g1 SP), Joelma Gonçalves (g1 SE), Vilma Nascimento, Patrício Reis e Stefani Cavalvante (g1 TO).

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