Rebeldes (parte 1)

seg, 16/04/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Rebeldes (parte 1)

Talvez você tenha chegado até aqui através de um link num site de busca, depois de ter digitado a palavra “rebeldes”. Na pesquisa que acabei de fazer, só para tirar a teima, encontrei 4.120.000 “endereços virtuais” – os principais (e talvez seja desnecessário acrescentar, mas enfim…), sempre relacionados a uma novela juvenil extremamente popular entre os mexicanos. Ah, e parece que entre os brasileiros também… Bem, mas, seguindo em frente, se esse foi o caminho pelo qual você chegou por aqui, desculpe: este post não vai tratar das aventuras e desventuras deste elenco (tampouco dos bastidores e fuxicos da vida pessoal de quem o compõe). Hoje escrevo sobre outro tipo de rebeldes – aqueles com, digamos, um pouco mais de substância, capazes de mudar o pensamento de uma geração, de uma grande cidade, de um país (e, quem sabe do mundo). Esses rebeldes são também conhecidos como “artistas”, no verdadeiro sentido da palavra – na concepção de indivíduos que transgridem, não pelo simples fato de quererem chamar atenção, mas porque seus princípios e crenças (e instintos e inspirações) são tão fortes que eles não saberiam fazer de outra maneira. Artistas que, por exemplo, ao receber um importante prêmio pela luta dos direitos civis, em plenos anos 60, nos Estados Unidos, lamentam que as pessoas que estão ali para premiá-los sejam todas carecas e velhas. Ou que, no meio de um show para milhares de pessoas, interrompem uma música para sugerir à platéia: “vamos parar de ver novela da Rede Globo e Malhação”.

Esses dois momentos foram registrados em DVDs que assisti recentemente. O primeiro, “No direction home”, foi dirigido por Martin Scorsese (talvez você se lembre, mas vale o registro que ele foi o ganhador – tardiamente, se você considerar sua carreira – do Oscar de melhor diretor este ano) e é uma biografia da carreira de Bob Dylan até pouco mais da metade da década de 60. O segundo, “1000 trutas 1000 tretas”, foi dirigido por L.P. Simonetti e Roberto Oliveira, e traz a gravação de um show realizado há quase um ano, em Itaquera, São Paulo, pelo (sim, você já adivinhou!) Racionais Mc’s.

O fato de eu ter assistido os dois documentários na mesma semana foi, como sempre, uma feliz coincidência. Curioso para ver o trabalho do Racionais – pela primeira vez em DVD – tive um certo trabalho para encontrá-lo. Como contei brevemente no post anterior, as lojas especializadas da zona sul de São Paulo, não surpreendentemente, não tinham o produto em estoque. Não foi uma pesquisa muito científica, confesso. Mas, de quatro lojas que visitei, nenhuma vendia o DVD – e tive de encomendar “1000 trutas 1000 tretas” numa delas para poder ver o show. Quando fui buscar a encomenda, esbarrei com “No direction home” e, mesmo sem nunca ter sido um “dylamaníaco” – e nunca ter sido sequer um conhecedor superficial da obra de Dylan – achei que fazer um paralelo entre dois artistas conhecidos pela provocação seria… instrutivo. E, mais uma vez – como você que já acompanhou mais de uma “obra do acaso” aqui neste blog pode prever -, não me decepcionei.

Pelo contrário. Dos universos que esses dois DVDs me trouxeram – e que eu conhecia apenas perifericamente (o trocadilho não é proposital!) – tirei inspirações inesperadas, que divido com você agora. Só que, já prevendo uma profusão de idéias e argumentos (quem mandou mexer com Dylan e Racionais…), vou ser obrigado a dividir este texto. Mesmo você, acostumado aos nem tão breves posts que apresento aqui, merece uma pausa para reflexão.

Tenho que começar falando que só fui me interessar por Bob Dylan por causa de Eminem. Chocado? Há alguns anos li um dos meus colunistas favoritos, Ron Rosenbaum, do “The New York Observer”, ele sim um fanático por Dylan, comparar em longo artigo (você acha que esse blog é prolixo? Não viu anda…) as mensagens desse seu ídolo com as de Eminem. Sim, faz um certo tempo, pois Eminem ainda era relevante naquela época – quando minha admiração pelo rapper vinha junto com um certo desconforto (para não dizer pavor) que me atacava quando eu escutava suas músicas (nunca me recuperei bem da primeira vez que ouvi “Kim”, a faixa mais aterrorizante a abrir nosso não menos assombrado século 21). Achei curiosa a ponte entre os dois artistas – especialmente no que se referia à atitude de ambos e às letras. Não teria espaço aqui (…) para entrar nos detalhes do texto de Rosenbaum, mas só o cito para esclarecer de onde veio meu interesse por Dylan.

Filho dos anos 60, não posso esconder que cresci cercado por suas canções. “Blowin’ in the wind”, em suas várias versões, era perene em todas as rádios e cantada até por freiras em orfanatos. Aquela introdução de “Like a rolling stone” podia ser imediatamente reconhecível onde quer que eu a ouvisse. E em um ou outro momento mais alternativo era possível escutar até “Mr tambourine man”. Mas quem disse que eu prestava atenção no que estava sendo dito? Mesmo quando já tinha uma compreensão razoável do inglês, essas canções, por muito tempo, passaram por mim como mero fundo musical. Mas aí veio o artigo de Rosenbaum, a internet (me abrindo possibilidade de me aprofundar na obra de Dylan), e meu interesse cresceu – ainda que timidamente. E então veio “No direction home”.

Vou falar mais dele na segunda parte deste texto (quinta-feira aqui!), mas agora quero passar rapidamente pela primeira parte do documentário – que, no total, tem quase quatro horas. A estrutura proposta por Scorcese é bem linear e começa na infância de Dylan, no insosso estado americano de Minnesota – suas primeiras experiências musicais (uma desastrosa e engraçada rebeldia já despontava nos palcos da escola onde o pequeno Robert Allen Zimmerman estudava) e o cenário musical que o cercava. Esse cenário era cheio de folk, mas também era regado por uma enxurrada de músicos e cantores bem comportados. No meio disso tudo, porém sempre havia uns… doidos – e doidas!

Das imagens mais preciosas do arquivo recuperado por Scorcese está a performance de uma cantora (para mim desconhecida) chamada Odetta. Odetta! O que é aquilo? Como alguém é capaz de fazer algo tão poderoso apenas com sua voz e um violão? Aquilo sim é que é um furacão… (e você pode conferir, claro, onde mais…? Aqui, no YouTube)

Enfim, Odetta fazia parto do… hum… caldo cultural onde Dylan cresceu. É tentador falar de cada um desses registros antigos que aparecem no documentário, mas vou pular de Odetta direto para Mavis Staples, uma não menos poderosa diva do gospel e do soul, que a certa altura pergunta para a câmera algo sobre como um homem branco podia escrever uma letra que dizia “quantas estradas um homem tem de percorrer até que ele possa ser chamado de homem”? Esses primeiros versos de “Blowin’ in the wind” (aqui apressadamente traduzidos por mim), segundo Mavis, faziam parte da história sofrida de negros americanos como o seu pai, o líder do grupo The Staple Singers. E, na época, ela não podia entender como alguém “de fora” pudesse ter uma visão tão cristalina do “de dentro”.

Como já disse, voltarei ao documentário sobre Bob Dylan na continuação deste texto. Porém, daqui, do comentário de Mavis Staples, tenho que saltar direto para o Racionais, que resumiu, brilhantemente em apenas um título a separação de culturas que observamos no nosso dia-a-dia. De que música estou falando? “Da ponte pra cá”. Não pude evitar de me perguntar: se, em 1964, era possível um artista olhar à sua volta e vislumbrar um mundo onde as diferenças sociais fossem um problema de todos – pois bastariam um indivíduo ter um ser discriminado para isso ser uma questão coletiva – e, assim, seriam resolvidos, como caminhamos, mais de quarenta anos depois, para uma sociedade de extrema segregação como a que vivemos hoje?

A honestidade da letra de “Da ponte pra cá” (um dos momentos mais fortes de “1000 trutas 1000 tretas”) é brutal – e o recado é simples e direto: não me venha com gracinha, fingindo que você é “do pedaço”: “não me chama de mano, ‘e aí brother, hey, u-hú’, pau no seu cu”, cantam os Racionais em certo momento, para logo em seguida emendar numa das rimas mais brilhantes que o rap nacional já produziu: “vem de artes marciais que eu vou de sig sauer, quero sua irmã e seu relógio tag hauer”.

E, sabe o quê? Todo mundo canta! Voltando rapidamente ao DVD de Bod Dylan, a certa altura descobrimos que a letra original de “Like a rolling stone” tinha mais de 20 páginas de verso. Mesmo editada, essa é uma música consideravelmente longa (como boa parte da obra de Dylan). As letras dos Racionais podem ser medidas por este parâmetro – e todo mundo canta! Se eu posso lamentar algo sobre “1000 trutas 1000 tretas” é que vemos poucas imagens da platéia. Lamento porque quando a câmera passa rapidamente por alguém, fica claro que o estado de quem está assistindo é de pura hipnose, afinado êxtase com quem está no palco – e isso valeria a pena ser explorado. Este é, claro, um defeito menor do DVD, pelo qual podemos passar rapidamente, já que as qualidades são muitas.

Mas – que surpresa! – eis que me vejo já exigindo demais de você numa segunda-feira. Vamos fazer aqui uma pausa e entrar mais amiúde nesse trabalho dos Racionais na quinta. E depois ainda tem Bob Dylan. Ai ai ai… algo me diz que este texto vai ter de ter três partes…

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38 Comentários para “Rebeldes (parte 1)”

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  1. 38
    jonadabeu:

    oi rebelde vcs sao muito legais eu fiquei sabemdo q vcs vao desmancha o grupo eu fico muito triste com isso !mais eu vo ama vcs pro resto da minha vida bjãooooooooooooo!
    jonadabeu 19 anos

  2. 37
    Dennes Landim Mourão:

    OLÁ ZECA SOU DENNES DO CEARÁ! E GOSTARIA DE PRIMEIRO TE PARABENIZAR PELO PROFISSIONAL COMPETENTE QUE VOCÊ É!! E DEPOIS GOSTARIA DE PEDIR QUE VOCÊ COMENTASSE SOBRA OS CDS SOLO DAS 4 MENINAS DO ANTONIA! NÃO SEI SE VOCÊ JÁ OUVIU TODOS, MAS SE OUVIU GOSTARIA DA SUA OPINIÃO SE POSSÍVEL!! DESDE JÁ AGRADEÇO PELA ATENÇÃO! ABRAÇO!

  3. 36
    Anônimo:

    Uma crítica ao título “alta e baixa cultura”. Não gosto de discursos que estabelecem valores diferentes aos diferentes tipos de cultura, pois eles criam huma hierarquia entre elas, estabelecendo assim uma briga e disputa entre as culturas consideradas baixas para se tornarem alta cultura, e a que é considerada alta luta para não perder o status de alta. Neste mundo que buscamos a paz devemos extinguir esta política da disputa que é característico da guerra. Vamos respeitar a diversidade cultural sem establecer valores negativos ou positivos a elas…assim o mundo caminhará para a paz desejada…

  4. 35
    Anônimo:

    ZECA EU SOU SEU FÃ E ALÉM DE FÃ EU TE ACHO UM REPÓRTER DE PRIMEIRO ESCALÃO ACHO SUAS REPOETAGENS IMPORTANTES E FASCINANTES vc é mesmo o kra eu gostaria de ser seu amigo o se vc quiser a minha amizade ligue:0xx87 38541655 o nomew da minha cidade é Carnaíba / é no brasil / sertão de Pernambuco, cidade do poeta Zé Dantas que fez muitas letras de músicas para Luiz Gonzaga e que inclusive todos os ano no mês de setembro a uma big festa AQUI EM SUA HOMENAGEM EU LHE CONVIDO PARA VIR FAZER UMA REPORTAGEM AQUI E ENTÃO VERÁS COM TEUS PRÓPRIO OLHOS A GRANDEZA DA FESTA OK!!!!!!!! SUCESSO SEMPRE XAUUUUUUUUUUUU ABARÇOS!!!!!!!!!!!!

  5. 34
    Maria Olindina:

    Olá,
    Vêem-se sinais de rebeldia/Em todo jovem que descobriu o sentido/Da vida e da Verdade e do Amor.
    Para eles eu gosto de ler e você de escrever…incansavelmente.
    Sucesso!!!!!!!
    Olindina*

  6. 33
    Renata Chiara:

    Não acredito! Falando em coincidências… eu conheci o Ron Rosenbaum por acaso numa palestra do Chico Buarque e Paul Auster aqui em NY (supre-sumo da maravilha, sim). Na sala de imprensa, ele me perguntou quem era o Chico para o Brasil e eu disse: um poeta musical como o Dylan, para vcs aqui. Ele adorou a comparação! Ele tem cara de nerd, sabia? Nunca imaginei que vc curtia ele… beijão

  7. 32
    jurandy:

    É realmente fico contente por voce não ter falado da tal banda mexicana que faz a cabeça daquelas pessoas.
    Zeca, gostaria que voce me respondesse se tem alguma palestra sua sobre o livro de a-ha a u2, que por sinal é muito bom, ou alguma materia jornalistica aqui para manaus.
    Aguardo a resposta ansiosamente!

  8. 31
    Pilantropo:

    Zeca outro dia vi uma entrevista sua no gnt falando sobre trilhas sonoras da sua vida e fiquei muito intrigado com uma musica. Adoro o periodo 60´s e a musica era da birmânia, mas não consegui anotar o nome e o programa não consta na programação pq não é um programa. Gostaria de saber qual é o nome da musica e como posso consegui-la. Gosto muito de seu trab. Abraços Pilantropo!

  9. 30
    jaao:

    faaça um post sobree os seriados lost..heroes..one tree hill e lost porfavorr
    abraaço zecaa

  10. 29
    Daniel Paiva:

    Gostaria de sugerir que olhasse o blog de uma estudante de jornalismo, acredito que tem futuro e que vale a pena avaliar. O blog é https://www.praticasdacomunicacao.blogspot.com/ .

    Abraços,

    Daniel

  11. 28
    JC Salles:

    Ainda bem que você não ia postar sobre os Rebeldes mexicanos que circundam as mentes deslumbradas pela imaturidade. Você estava falando de rebeldes, que não se preocupam em divulgar tão somente um modismo, mas de mostrar verdades que ficam muitas vezes por baixo dos panos. Homens (mas também existem mulheres, e que até onde li, por que eu não li tudo, não foram citadas) que modificaram conciências e maneiras de se interepretar o mundo. Parabéns por esse magnífico texto – e que eu vou ler sim completamente, mas quando tiver mais tempo.

  12. 27
    Fábio Ricardo:

    Não sou fã de nenhum dos artistas supra citados. Mas todos eles merecem – e recebem! – o meu mais digno respeito.
    As comparações (tanto de Eminem quanto de Racionais) são novas para mim, e não sei se realmente fazem algum sentido além de um pequeno exagero comparativo.
    Mas o rap nacional tem muita qualdade, apesar de ter também muito lixo. Pérolas encontramos em todos os lugares. Basta procurar bem e não se deixar levar por preconceitos.

  13. 26
    Elania Delmiro:

    Esse post poeria ter 10 partes… Com esses textos então, 20…rsrsr.

    Adoro Vc!!!

    Bjo Grande!!!

    Elania. Maceio-AL

  14. 25
    Anônimo:

    Provocar é sempre bom! Dylan e os Racionais fazem isto com dignidade e maestria! Até mais…

  15. 24
    Fernando Fiusa:

    É engraçado, posso me sentir ignorante, atual ou futurista ao percorrer apenas um dos seus posts, mesmo que seja só a 1ª parte.

    Espero que tenham 4 partes… rs!

    Sugestão? Quem sabe, futuramente, um Post sobre os seus Posts.

    Abraços!

  16. 23
    Sabrina:

    Olá, Zeca!

    Nossa! Eu nem sabia que vc tinha um blog. Ainda bem que descobri em tempo de ler seus textos “quase” em tempo real. e não 10 anos depois, né!! (rsrs)

    Bom, quero dizerque sou uma grande admiradora do seu trabalho na TV e que agora estarei te acompanhando por aqui. Portanto, continue escrevendo, que eu tô A-DO-RAN-DO!!

    Bjs e Sucesso!

    Ah! Certamente vou ler “What is The What” . Já estou à procura… ahahah=0)

  17. 22
    Anônimo:

    Tenho 44 anos e, como não poderia deixar de ser, sou mais um Dylanmaníaco. Curto muito as músicas de apelo social, que te chamam a pensar e refletir sobre os problemas e as possíveis soluções (na maioria utópicas) para este nosso mundo. Bob Dylan revolucionou todo o pensamento da sua geração. E continua influenciando até hoje. Um abração.

  18. 21
    edna:

    Fiquei curiosa com o post da Ju, vou ver o teatro mágico na sexta, estou curiosíssima .
    Dizem que eles arrasam !!!
    e vc Zeca já ouviu falar deles????
    bjssssssss

  19. 20
    Anônimo:

    Zeca, Odetta fez nascer o caldo cultural ou fazia parte dele? Sem dúvidas, ela era uma referência forte, e eu continuo implicante…
    Que tolinha… eu achava meus emails longos… 3 partes, é? Vai ser bom de ler.
    Beijo grande.

  20. 19
    Roger:

    Escreve muito bem e tem uma visão clara das coisas, mas escorregou em falar e elogiar os Racionais e suas letras, na minha opinião, é claro. Quando falou em rebeldes, veio à minha mente o Cazuza, o rock dos anos 80, e não um grupo que cria diversas apologias que não necessito no meu dia-a-dia.
    Quanto ao Dylan, show de bola! :)

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