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seg, 10/03/14
por Dodô Azevedo |
categoria Sem categoria

Olá, o endereço do Blog do Dodô mudou. As novas postagens estarão em https://g1.globo.com/pop-arte/blog/dodo-azevedo/

Noite de Oscar

sex, 28/02/14
por Dodô Azevedo |
categoria Cinema, Cultura, Você

Cena do filme Ela, de Spike Jonze, que concorre ao Oscar de melhor roteiro original

 

QUERIDO LEITOR, ATUALIZE A PÁGINA COM FREQUÊNCIA PARA CARREGAR COMENTÁRIOS NOVOS.

 

Aqui, neste post, a partir das 20h, este blog passa a comentar tudo sobre a noite dos Oscars.

Sabe papo de quem tá ali do teu lado com um balde de pipoca na mão?

A ideia é que juntos, ainda que pela tela do computador, tudo fica mais divertido.

 

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POSTADO às 02:09

E a grande vitoriosa da noite foi Ellen Degeneres. Revolucionou tudo com a ação de marketing que deu no selfie mais compartilhado da história, conduziu o espetáculo de modo a passar mais rapido do que nos anos anteriores. Contrato garantido no ano que vem.

MUITO obrigado a você que acompanhou aqui estas três, quatro horas de comentários aqui. Eu adorei.

Próxima parada, Cannes.

Você vem comigo, né?

 

 

POSTADO às 02:00

Deu 12 anos de escravidão. Ganhou mas não levou. Gravidade foi o grande vencedor da noite. Brad Pitt, branco, constrangedor em sua participação no filme, foi o primeiro a falar, antes de McQueen, o diretor negro. Óbvio. No fundo, e na superfície, é tudo negócio. E o Lobo de Wall Street é uma ópera que explica isso maravilhosamente. O filme do ano. Que explica tudo o que você viu comigo hoje.

POSTADO às 01:55

Matthew McConaughey. Mesma coisa da Lupita. Papel fácil prum ator. Leonardo Di Caprio não sair com estatueta é caso para o parlamento da Ucrânia.

POSTADO às 01:50

A impressão que se tem é se Leonardo Di Caprio nao ganhar a platéia levanta e vai embora.

POSTADO às 01:47

Meio mundo agora de olho na conta de twitter da @MiaFarrow .

POSTADO às 01:46

Estendo o tira-teima: Quero ver a Cate Blanchet fazendo uma escrava preta chicoteada

POSTADO às 01:36

Virou o jogo. Gravidade virou todo o tom da noite, preparada para consagrar 12 anos de escravidão. Alfonso Cuarón, o primeiro latino-americano a vencer melhor direção, sendo o menos latino americano que um diretor pode ser.

POSTADO às 01:35

Roteiraço, o de Ela. Inacreditavel Spike Jonze ter vencido. E conseguiu o que queria: empatou com a ex-esposa, Sofia Coppola, num filme que é clara resposta a Encontros e Desencontros, que explana a relação dos dois quando eram um casal e deu a ela também o Oscar de melhor roteiro original.

POSTADO às 01:33

O primeiro job de John Ridley, roteirista de 12 anos de escravidão, foi roterista do Fresh Prince of Bel Air. Pode ser que 12 anos fique com os prêmios principais e poucos, e Gravidade com o resto.

POSTADO às 01:18

Nos livramos do discurso do Bono.

POSTADO às 01:16

Trilhas muito fracas este ano. Todas. Mas é o sexto Oscar de Gravidade, o primeiro favorito ao Oscar, lembram?

 

POSTADO às 01:02

Momento máximo.

 

Viva Coutinho!

 

POSTADO às 00:55

Porque  que ficamos tão comovidos na hora do obituário? Porque nos enfiam na cabeça, o tempo todo, que são imortais.

 

POSTADO às 00:54

Agora, a homenagem a Eduardo Coutinho. Pera…

POSTADO às 00:39

Tira-teima definivo? Ver a Meryl Streep fazendo o papel da escrava negra chicoteada pelo homem branco.

POSTADO às 00:32

Melhor montagem sem Thelma Schoonmaker, ainda mais em Lobo de Wall Street, é campeonato de basquete sem o time americano. Mas é bacana o Oscar de montagem ir para o diretor do filme. Ah, gosto do trabalho de montagem de Alan Baumgarten, editor de A Trapaça, em Zombiland. Só.

POSTADO às 00:28

O fofógrafo do Terence Malick finalmente ganhou uma. E Roger Deakins, um dos melhores fotógrafos do mundo, bate o próprio recorde de derrotas.

POSTADO às 00:16

O prêmio pra Lupita é o primeiro sinal de que o vencedor da noite será mesmo 12 anos… – o papel e a atuação em si não são extraordinários não. É o tipo de papel bem fácil de atuar na verdade. Já vimos em novelas da Globo.

POSTADO às 00:13

Sally Hawkins, a irmã de Blue Jasmine: descobri-a no incrivel Happy-go-Lucky, do Mike Leigh. Dica de filme pra este fim de carnaval.

POSTADO às 00:09

Skip Lievsay é o soundmixer dos filmes dos irmãos Coen. Faz um trabalho incrivel em gravidade. Pouca gente reparou, mas metade do filme de Cuarón deve-se ao som.

 

POSTADO às 00:07

Tudo bem de novo.

 

Selfie Epic Win

 

POSTADO às 00:01

U2, melhor não comentar.

 

POSTADO às 23:54

E a Amy Adams tuitando na platéia?

POSTADO às 23:51

Outro que pouco barulho fez em Cannes foi A Grande Beleza. Mas o filme cresceu, acontece. Este blog trocaria todos os indicados este ano por Azul é a cor mais quente, vencedor da palma em 2o13.

POSTADO às 23:41

Estão ligados que esta que levantou o público com a cantoria é a esposa do Sargento Murtaugh de Máquina Mortífera, né? Sério.

POSTADO às 23:36

Kate Hudson nunca deixa nada em casa. Traz tudo o que tem.

POSTADO às 23:26

Karen O e sua canção de comercial de plano de saúde.

POSTADO às 23:21

Este clipe com os heróis do cinema (é o tema dos Oscars de hoje), tira todas as possibilidades de O Lobo de Wall Street, não?

POSTADO às 23:15

Frozen atingiu neste domingo um bilhão de bilheteria, tornando-se o segundo filme a faze-lo desde toy story 3. Merecido.

POSTADO às 23:12

Kim Novak no palco. Um corpo que cai, maior filme da história do cinema, foi indicado, na época, apenas para som e direção de arte.

POSTADO às 23:03

Uma verdade dita agora no palco: A garotada não sabe o que é a AIDS. Por isso, Clube de Compras Dallas vale.

 

POSTADO às 22:58

Michael Wilkison, figurinista de A trapaça, trabalhou com Walter Salles em Água Negra. Era o favorito e perdeu. Tô dizendo que trapaça vai ser o grande perdedor desta noite.

POSTADO às 22:53

Insistindo nesse chapéu e nesse gestual, o onipresente Pharell  reduz-se a a um Jamiroquai reboot. A música é bem boa, porém. Inofensiva, mas boa.

 

 

POSTADO às 22:46

Ponto pra Jared Leto. Valeu também pela primeira menção à política. Sóbria, embora o “estamos de olho”, dirigido à Venezuela e Ucrânia tenha soado, no fim das contas um tanto imperialista.

 

POSTADO às 22:43

Trapaça perdeu a primeira. Jared Leto superestimado. Filme superestimando. Mas tudo esperado.

POSTADO às 22:40

Ellen, de banho tomado, fazendo um dos melhores monolólogos de abertura dos últimos anos. Primeiro acerto da noite. Golaço.

 

POSTADO às 22:25

Assisto a esse povo todo bem vestido no tapete vermelho e penso que falta o peladão que invadiu o palco ao vivo durante a cerimônia 1974, lembram? Google aí: David Niven + Oscar + The Streaker.

 

POSTADO às 22:19

Gravidade deveria concorrer a melhor desenho animado, não filme. Apenas os rostos de Sandra Bullock e George Clooney são de carne e osso. O resto é animação renderizada em gigabytes. Tudo o que ganhar será por seus primeiros 15 minutos de filme. Tudo o que perder será por seus contrangedores 15 minutos finais de filme

 

POSTADO às 22:04

E o Jonah Hill, que levou a Iídiche Mama para a cerimônia do Oscar? Hollywood é judia, todo mundo sabe, mas essa safra desencanada, maconheira, cujo padrinho é o Judd Appatow (diretor de Ligeiramente Grávidos e Virgem de 40 anos) e o mentor é o Harold Hamis (de Feitiço do Tempo) falecido semana passada, ah essa geração é um grande barato.

 

POSTADO às 21:59

Este blog, fã de Steeve Coogan, torce pra qualquer coisa que Philomena belisque.

 

POSTADO às 21:33

O importante aqui é relaxar, curtir a festa, porque o que sai das urnas é historicamente coisa de maluco. Exemplos?

- Taxi driver não ganhou nenhum Oscar. Scorsese sequer foi nomeado para melhor diretor, que naquele ano foi para John Avildsen, de… Rocky, um lutador.

- A grande ilusao, de Renoir, foi o primeiro filme estrangeiro a ser indicado para melhor filme. Perdeu para You Can’t Take it With You, do Capra.

- Spike Lee perdeu o roteiro original de Faça a Coisa Certa para Tom Schulman, de Sociedade dos poetas mortos.

- Stanley Kubrick foi indicado a melhor diretor por Laranja Mecânica… E PERDEU William Friedkin, de Operação França.

- Art Carney, ganhou, por Harry and Tonto (!), de Al Pacino em O Poderoso Chefão II e de Jack Nicholson em Chinatown.

- Cantando na chuva foi indicado apenas para melhor trilha a atriz coadjuvante. E PERDEU nas duas.

 

 

POSTADO às 21:22

Vi Nebraska em Cannes 2013. Não me pegou, não. Nem a ninguém na Croisette.

 

POSTADO às 21:12

David O. Russel conhecido no metiêr como péssimo caráter. Pitis onde ele humilha atores estão pelo youtube, só achar. Artisticamente, não tem personalidade alguma. Trapaça imita Scorsese – ele diz que homenagem e todo mundo finge que acredita. Porém, em Três Reis, ótimo filme, engendrou uma das cenas de abertura mais sensacionais da história do cinema. Mark Whalberg, caracterizado de soldado americano, no meio do deserto do Iraque, perguntando “Are we shooting?” é um ponto alto da história do cinema. Um dia vão ter que dar um Oscar póstumo a O. Russel por isso. Tomara que não hoje.

 

POSTADO às 21:06

E a grande tragédia deste Oscar são as indicações por Trapaça. Um dos piores filmes já indicadados para melhor filme em 84 anos de Oscar. Como o hype em torno dele já passou, deve ser o grande perdedor da noite.

 

POSTADO às 21:03

Her/Ela, o favorito particular do blogueiro. É, na minha opinião, um filme… otimista. Toda forma de amor vale à pena. Monogamia e amor romântico é atributo humano. Amar demais, amor difuso, coisa de máquinas. E sim, uma escancarada resposta de Spike Jonze a Sofia Copola, que expôs o relacionamento dos dois, quando casados, no filme Encontros e Desencontros.

 

POSTADO às 21:00

Já O Lobo de Wall Street é um triunfo do cinema. Há mais valor técnico ali (montagem, edição de som, fotografia), que o técnico Gravidade. Scorsese filmando com tesão de um estudante de cinema de 18 anos. Ou como um velhinho de 71 cheirado. É o favorito deste blog.

 

POSTADO às 20:58

Em Los Angeles, há cartazes publicitários a favor de 12 Anos de Escravidão que apelam para o que elegeu Obama: “Chegou a hora de um negro ganhar o Oscar” etc. O maior triunfo do filme é ser britânico. O maior defeito é ser britânico. Há uma mão pesada e formal e na verdade não nos conectamos com os personagens emocionalmente, e sim fisicamente. Não sentimos a dor da mãe que é separada de seus filhos. Sentimos é as chibatadas que elas levam. Culpa do diretor. Uma única cena genial, que valeria uma estatueta: A que o personagem principal para o filme, e chocado, olha para a câmera. Mas é uma só.

 

POSTADO às 20:52

Vencedores de melhor ator que NÃO eram brancos: José Ferrer, Sidney Poitier, Ben Kingsley, F. Murray Abraham, Denzel Washington, Jamie Foxx, Forest Whitaker. Em 85 anos. Por isso também, a noite deve ser de 12 anos de Escravidão.

POSTADO às 20:51

Nos últimos 10 anos, nenhum ator latino, asiático ou descendente de indio ganhou Oscar.

POSTADO às 20:50

Dos votantes da Academia, 94% são brancos, 77% são homens.

POSTADO às 20:48

Acho que foi hoje, inclusive, que  a Julie Delply, cujo “Antes da Meia Noite” concorre a roteiro adaptado (por causa de uma lógica maluca que diz que continuação é roteiro adaptado) deu uma descascada Academia, dizendo à Vanity Fair que não se pode esperar muito de um corpo de votantes composto de velhinhos de mais de 70 que estão mais interessados nos presentinhos distribuidos durante a campanha dos filmes.

POSTADO às 20:42

Estas limusines todas chegando e o primeiro a dar as caras no tapete vermelho é justamente um ex-motorista de limusine. O somali Barkhad Abdi, em seu primeiro trabalho como ator, indicado para coadjuvante por Capitão Philips. Difícil os velhinhos da academia, todos lotados de culpa, não curtirem premiar o africano.

 

 

POSTADO às 19:52

Repórter para Ellen Degeneres, faltando duas horas para começar a cerimônia dos Oscars, que ela vai apresentar.

- E aí? Nervosa? Conta pra gente o teu ritual antes de subir ao palco, principalmente numa noite tão importante!

- Gosto de tomar banho, me vestir e pentear o cabelo.

A noite promete.

 

 

Carnaval em casa

qua, 26/02/14
por Dodô Azevedo |
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São muitos os sentidos da palavra liberdade. Para os ucranianos que passaram o último mês ocupando a praça em Kiev, liberdade é uma coisa. Para os presidiários do Maranhão, outra. Para quem nunca teve grana pra comprar uma TV de LED, comprar uma TV de LED.

Ser livre pode ser, então, questão de poder agir – liberdade física. Ou de poder pensar – liberdade intelectual.

Porém, liberdade de querer é, de longe, a mais difícil de conservar. Afinal somos livres para querer o que queremos?

Chama-se a liberdade do querer liberdade metafísica. Ou liberdade sobrenatural, ensinam Platão, Russeau e Kant.

Para os cariocas, liberdade é querer passar o carnaval em casa.

Repare: faz uns quatro anos que o carioca deixou o carnaval de rua, revitalizado no início do século 21 e já três vezes o tamanho do carnaval da Bahia, para os turistas.

Carioca que é carioca curte o carnaval  nos cada vez mais antecipados fins de semana que o antecedem.

Durante os feriados do carnaval propriamente dito, o  carioca, já cansado da folia do pré-carnaval (já desfilou o Pérola da Guanabara em Paquetá, o Gigantes da Lira em Laranjeiras, o Timoneiros da Viola em Oswaldo Cruz, o Monobloco só na semana que vem) quer é distância.

E a distância mais barata entre o carioca e o vamos chamar de carnaval oficial – seu trânsito imprevisível, suas ruas fedendo a mijo sob um sol pusilânime e os brasileiros meio riquinhos com pele cor de palmito que a cada ano invadem em maior número a cidade – é a sua casa.

Quem nunca experimentou passar o carnaval em casa não sabe nada de metafísica.

Afinal, a gente vive reclamando que não tem tempo de visitar a casa dos amigos. Ou de curtir a própria casa.

Na verdade, o carioca trabalha tanto que o conceito de casa já é algo muito, digamos, intelectivo neste momento.

Pois o carnaval – que a cada ano expulsa mais cariocas das ruas – está aí pra isso.

Pra ficar em casa.

Mas ficar em casa fazendo o quê? Ah, a liberdade física.

Pra começar, esquece o preconceito dos outros. Olha-se para quem passa o carnaval em casa como quem sofre de dengue.

Liga não, é dengo de quem queria te ver na rua ali agregando valor ao camarote.

Segundo passo: deixar dietas para lá. Aliás, quanta gente faz dieta, malha e acorda cedo em dias de carnaval, já repararam? Meu avô me ensinou que exatamente o contrário que se faz em feriados.

Deixar as dietas: é carnaval dentro de você também. Brigadeiro de colher, Cheetos, Baconzitos, ovinhos de amendoim, essa nova Pringle’s sabor asa de frango frito e apimentado, pacotes de Bis, mortadela com limão servida no prato com palitos de madeira.

Esquece copo – menos coisa pra lavar. Tudo em lata. O refri, o suco, a vodca, a cerva. Arroto está liberado. Afinal, só amigo muito íntimo tem a manha de frequentar sua casa no carnaval.

TV. Prato cheio. Mesmo raciocínio de deixar a dieta e o preconceito para lá: veja TV aberta, que vai desde a manhã, acompanhando o carnaval de rua ao vivo do nordeste, passando pela cobertura de bailes decadentes e camarotes na Sapucaí cheio de celebridades pagando mico com camisa de cervejaria.

Rir de coisas ridículas – o feriado que seu espírito precisa.

Rebata com algum filme em preto em branco. Lubitsch ou alguma chanchada funcionam como um Engov para a alma. Tudo o que precisa num sábado de carnaval para recuperar o fôlego é assistir a, por exemplo, “Carnaval em Marte”, de 1995, com Ansemo Duarte.

Domingo é dia da cerimônia do Oscar. Já viu todos os indicados a melhor filme no cinema, reclamando feliz do frio do ar-condicionado? Tem até domingo para fazê-lo.

Se estamos falando aqui de um casal, convém alertar para um preconceito ainda mais feroz. Ah, Fulano não veio ao bloco este ano porque tá casado.

Já repararam nos casais em blocos? Bebendo para esquecer a tensão de encontrar com o ex, ou do outro encontrar com o ex. Se se perdem por 15 minutos, pronto: DR no meio da rua.

Já repararam nos solteiros em blocos? Todos solitários, no fundo sorrindo pra não chorar. No carnaval o folião baixa suas expectativas românticas como se no século 21 o romance já não sofresse tanto preconceito quanto… ficar em casa no carnaval.

O máximo que vão conseguir é um beijo ou um amasso descompromissado de cinco minutos, na melhor das hipóteses. No fundo, ninguém quer nada fundo contigo, pierrô, nem contigo, colombina. Bora beber pra esquecer.

Repare, metade das marchinhas são sobre tristezas, perdas, saudades e desencontros. Não só as marchinhas. No carnaval, metade do povo sai por aí acusando que você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão.

Enquanto nas ruas bebe-se para esquecer que se está sozinho, em casa bebe-se para celebrar a bela companhia que pode no caso ser até você mesmo.

E não se preocupe em perder nada do que se passa nas ruas. Você vai acompanhar o carnaval de todo mundo, e em tempo real, não se preocupe. Instagram, Whatsapp, o Tumblr onçinha cadê você, i hate flash, tá todo mundo aí pronto para expor, em todos os sentidos, suas fantasias.

A Zona Sul do Rio de Janeiro cabe todo em seu smartphone – sem o cheiro de mijo. “Não é que o mundo seja pequeno, a renda é que é má distribuída”. Se amigos foliões insistirem na sua presença, diz que você foi ao bloco fantasiado de múmia, e que quis passar incógnito, e que achou um barato. Minta. É carnaval.

Agora, se chover, caro leitor… Se por acaso o tempo fechar, ficar cinza, a temperatura cair a 18 graus e chover, ah, se isso acontecer, você para tudo o que estiver fazendo, coloca tua melhor fantasia e vai pra rua e canta todo Hino da Bandeira, emenda com o refrão de “Chuva, suor e cerveja”, passe a mão na bunda do guarda e dê cambalhotas no meio fio.

Se chover, será uma demonstração definitiva liberdade sobrenatural dos céus.

E se os céus resolverem também ir pra rua, aí sim: quem é você pra ser do contra?

PS: Saio de casa para pedir benção ao Cacique de Ramos na madrugada da Av. Rio Branco, que este ano será palco de tanta coisa política. No domingo, à partir das 21h, estarei em casa, bem acompanhado, comentando a cerimônia dos Oscars aqui neste blog. Agora que somos íntimos, está convidado.

Foto: Fernando Maia/Riotur

Estações

ter, 18/02/14
por Dodô Azevedo |

Fachada de rua do Cinema do Grupo estação - Foto por Dodô Azevedo

Sendo direto: No próximo dia 3 de abril, o Rio de Janeiro saberá se o Grupo Estação, responsável pela formação cinéfila do carioca nos últimos 30 anos, irá pedir falência definitiva.

O carioca está acostumado a perder ou ver transformadas suas coisas mais cariocas. O Palácio Monroe, o Morro do Pasmado, o Jornal Última Hora, o Tivoli Park, O Circo Voador no Arpoador, a Feira de São Cristóvão, o antigo Maracanã.

Morreram de vez ou reiventaram-se.

Em comum, um espírito imortal.

Que uma grife de cinemas, sozinha, entre para este grupo, é inédito. E diz muito sobre ela.

Quem, nas redes sociais, nos botecos e nos blocos de pré-carnaval está consternado, não é tanto o profissional de cinema, não é tanto quem trabalho no ramo ou é do meio.

Quem mais sentirá falta do Grupo Estação é tudo quanto é carioca. Aquele cujo apetite para a sala escura não se sacia com essas aventuras milionárias hollywoodianas, ou comédias brasileiras televisivas, esses filmes grandes.

Aquele que lambe o beiços é com grandes filmes.

Nas redes sociais, quem lambe os beiços com grandes filmes já se mobiliza para evitar o fim do Grupo Estação. No Facebook já existe página de apoio. No perfil de Marcelo Mendes, à frente do grupo, são muitas as manifestações de solidariedade.

Marcelo respondeu com uma proposta, algo que se pode fazer já: que cada pessoa que tem alguma história com o Grupo Estação, lembre-se, escreva, publique.

As minhãs são muitas. Fui criado nos cinemas do Grupo Estação. Minha vida daria um filme passado dentro de um dos cinemas do Estação. Eu aos 16 anos afogado nos números de Peter Greenaway, aos 18 conhecendo o cinema de preto de Spike Lee, aos 20 encontrando minhas almas gêmeas, os personagens de Jim Jarmush, tão estranhos no paraíso quanto nós que nos vestíamos de preto na cidade do sol para dançar no Cubatão, conhecendo Cassavetes e entendendo que aquilo já não é mais cinema, latindo feito um cão para um tal jovem chamado Tarantino, gritando “Lulaaaa!”, com o coração selvagem de Nicholas Cage e David Lynch, descobrindo o silêncio restaurado de Antonioni e, enfim, já no século 21, assistindo ao renascimento definitivo do cinema brasileiro.

Posso dizer, convicto: sou os filmes que vi na vida.

Em seu filme recente, “O primeiro dia de um ano qualquer”, Domingos Oliveira, há uma cena, dentre tantas, particularmente bonita. O personagem de Domingos dorme durante um filme antigo numa pequena sala de cinema. E é esquecido lá. Ao acordar, comenta algo como se existe um lugar digno para um último repouso, é o cinema.

Não quero viver numa cidade onde uma loja da Apple abre com cariocas cantando “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” e no mês seguinte cinemas fecham.

Mas morrer, bem velhinho, dentro de uma sala de cinema do Grupo Estação, assistindo a qualquer filme que esteja passando por lá, seria morrer satisfeito.

Morrer de ver, ou reinventar-se; afogar-se em números ou permanecer perto do coração selvagem; o que temos hoje, de certo, como consumado, é que a história do Grupo Estação é filme grande e um grande filme.

Fim?

Morto no centro do Brasil

ter, 11/02/14
por Dodô Azevedo |

A tática Black Bloc, que aqui no Brasil, e só no Brasil, virou grupo, movimento, com página no Face (característica também não encontrada em nenhum outro lugar do mundo), é o Riocentro, o atentado sabotador, da rapaziada, dos milhões, que em junho foram às ruas.

O Riocentro falhou. O grupo brasileiro, e só brasileiro, que autodenominou-se Black Bloc (sim, a página no Face veio antes do batismo da imprensa), não.

Haverá Copa e não haverá mais manifestações com milhões na rua nesse 2014.

O ano político, o cotidiano nas ruas neste 2014, será pontuado apenas pela ação, a partir de agora definitivamente isolada, destes grupos bem pequenos.

O que aconteceu em junho foi bonito, muito bonito, um passo à frente em nossa democracia.

Gente, afinal, indo para a rua, cobrar.

Povo que cobra, foi no que nos tornamos em 2013.

Muito bonito. Mesmo.

Mas acabou.

O atentado do Riocentro desta vez deu certo.

Em sua página no Facebook, o grupo – ratificando, grupo sim – ostenta a famosa foto da “passeata do milhão”, que lotou a Av. Presidente Vargas, no Rio, no dia 20 de junho.

Como tivessem tido alguma responsabilidade em haver reunido tanta gente ali.

Não. Não foi o grupo Black Bloc que mobilizou o povo.

Digo isso porque eu estava lá. E postei tudo para ser visto aqui.

Nem fui eu, ou o Freixo, ou a Sininho, ou o Fora do Eixo, ou a imprensa, ou qualquer partido o responsável por tanta gente na rua.

Daí a beleza daquele dia.

A turma de preto, assim como tantas outras turmas, pegou carona na mobilização espontânea do povo, e o que fez naquela ocasião foi, ao entrar em confronto com uma polícia despreparada, desmobilizar aquele milhão de pessoas que estava na rua.

Aquele milhão, vocês lembram, o povo, vestia branco, inclusive.

E foi, e é até hoje, hostilizado por quem veste preto.

Por isso, sumiram das ruas.

Não é o fim do mundo, como os apocalípticos gralham nas ruas e nas redes sociais, morrendo de calor.

O Brasil está longe, muito longe, no bom sentido, de ser a Síria. De ser o Afeganistão. De ser a Nigéria. De ser a Ucrânia.

Policiais fizeram perícia no local onde o cinegrafista foi atingido (Foto: Marcos Arcoverde/Estadão Conteúdo)

Principalmente na contagem de mortos em confrontos políticos.

Nesta semana morreram 17 num ônibus no oriente médio.

Também morreu trabalhador que obrava no estádio da Copa em Manaus. Ontem morreu outro trabalhador. Estava a serviço no Rio de Janeiro, na Central do Brasil, Centro do Rio, Riocentro.

Aqui na terra tão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock’n'roll, uns dias chove, noutros dias bate sol, mas o que eu quero lhe dizer é que a coisa aqui não tá preta.

Tá 50 tons de cinza.

Preta mesmo estava em 1964.

E para os amigos e familiares do colega Santiago vai aqui um abraço do tamanho da cidade, porque a gente vai se amando – também, sem um carinho ninguém segura esse, aquele, qualquer rojão.

O Fim e o Princípio

seg, 03/02/14
por Dodô Azevedo |
categoria Cinema

No filme “O Fim e o Princípio”, filmado no sertão da Paraíba, Eduardo Coutinho observa e entrevista pessoas idosas, terminando o papo com a seguinte pergunta. “Você tem medo de morrer?”

Como resposta, ouviu, de primeira: “Eu tenho, você não?”

Também ouviu dos velhinhos sertanejos definições sobre a existência como:

- E quem é o mundo, somos nós?

Ou:

- Só existe o que aconteceu. O que não aconteceu não existe não.

Eduardo Coutinho era o maior cineasta brasileiro em atividade.

Em 2012, a exibição em Cannes da cópia restaurada da obra-prima “Cabra Marcado Para Morrer”, de 1985, com a presença da então ministra da Cultura, Ana de Hollanda, e de cineastas do mundo inteiro, subscreveu essa constatação.

Eduardo Coutinho não compareceu ao festival. Estava internado com pneumonia. Na plateia, nos bastidores, falava-se com preocupação à respeito da possibilidade de um dia Eduardo Coutinho vir a morrer.

Era a preocupação dos que entendem que Coutinho era o mestre definitivo de uma arte humanista. Era a preocupação dos que entendem que só o humanismo radical pode salvar o mundo.

Sim, o mundo: neste domingo, tudo o que se viu nas redes sociais e nos comentários das trágicas notícias publicadas ontem nos portais brasileiros comentavam – “O que está acontecendo com o mundo?”, “Este mundo está perdido!”

Não. Não está perdido. Tragédias acontecem desde que o mundo é mundo. Se existisse internet na época da Idade Média, os portais de notícia teriam atrocidades inomináveis diárias para noticiar.

É que a vida moderna, com seus ares-condicionados e antibióticos, nos transformou em sujeitos muito medrosos. Quem, ao ler as notícias do dia-a-dia, hoje, não sente medo, um medo de tudo, de sair na rua, de não sair na rua, de conhecer pessoas novas, de ficar sozinho, de ir para a passeata, de não ir para a passeata, ou medo do que quer a rapaziada do rolezinho em nossos shoppings centers seguros, medo da atitude suspeita daquela pessoa geralmente de pele escura que vem vindo da esquina em sua direção… Medo: essa é a nossa doença moderna.

Nossa real esquizofrenia.

Se um meteoro cai na Rússia, isso nos deixa com agonia, repercute mais dentro de nós. Mais do que se tua saúde vai bem, ou se tem um vizinho solitário precisa de uma palavra amiga, ou se um mendigo na esquina necessita de um prato de comida.

Temos coisas mais importantes com o que nos preocupar, como a queda do PIB na Argentina ou o coma do Michael Schumacher.

Os gregos, lá atrás, entendiam que a tragédia é cotidiana, humana, e que infalivelmente, acontece na vida. A dramaturgia da Grécia é trágica.

Ao contrário de nós, Eduardo Coutinho e os gregos clássicos não tinham medo do que é trágico. Porque não tinham medo do que era humano.

Nem tinham medo, como nós temos, do mistério. Do invisível.

Os filmes de Eduardo Coutinho estão cheios de melodramas e tragédias inexplicáveis vividas pelas pessoas invisíveis a nós, os verdadeiros esquizofrênicos.

Essas pessoas que a gente passa na rua e não vê, não registra, porque se vestem e se comportam como “pobres sem educação”. Ou as pessoas que moram em quitinete mínimos, como em “Edifício Master”, em favelas, como em “Santo Forte e Babilônia 2000″, ou no sertão da Paraíba, como em “O Fim e o Princípio”.

Esses brasileiros que nos interessa fingir que não existem.

E que por serem incapazes de retribuir a indelicadeza, são mais humanos que nós.

Desumanizados, amendrotados, incapazes de ver os outros, costumamos, nessas horas, comentar: “Este mundo está perdido”.

Tudo o que Eduardo Coutinho fez enquanto viveu foi encontrar o mundo para nós. Fazendo o que, hoje, é a coisa mais difícil para nós, desumanizados: sem julgamentos.

Se o fim da vida de Eduardo Coutinho deixou a arte brasileira com clima de juízo final é nossa responsabilidade: desumanizados, julgamos tudo.

Basta ver os comentários nas notícias dos portais de internet.

Mas Coutinho nunca foi de comentar.

Eduardo Coutinho era de documentar.

Este sempre foi o seu objetivo.

Seu fim.

E sua convicção.

Seu princípio.

Tentar nos salvar foi o fim e o princípio de Eduardo Coutinho.

Foto: Felipe Rau/Estadão Conteúdo

Matrimônio

sex, 31/01/14
por Dodô Azevedo |
categoria Comportamento, Rio

A tradução literal do filme “500 dias com ela”, lembram dele?,  seria 500 dias de verão.

A mensagem do filme é que nessa vida tudo passa.

Para o carioca não. O carioca vive 500 dias de verão.

A diferença é que, quando chega a estação propriamente dita, tudo passa mais rápido, tudo fica mais ofegante, abafado, a vírgula substitui o ponto, o ponto substitui o parágrafo e, no caso deste texto, papel e lápis substituem o notebook, que esquenta demais para ficar no colo nesta noite de 30 graus, para ser suporte de ideias de uma cabeça quente e desorganizada pronta para um choque de ordem, porque no verão tudo precisa de um choque de ordem, sejam flertes que querem virar romances, seja o que fazer com o 13º ou com o coração em final de Campeonato Brasileiro, com o fígado em véspera de carnaval, com as resoluções de Ano Novo, pois como um bloco de sujos numa quarta-feira de cinzas e, quando o prefeito nos chama de bloco de sujos, nós tocamos o bumbo solitário de quem paga imposto mas fica sem luz no Leblon, sem luz na Tijuca e, exigimos em troca um choque de ordem nas instituições que são sustentadas por nós, mas esquecemos os nós que somos nós e o quanto sós estamos nós, que desatar e reunir faria do nosso verão uma estação ainda melhor, ainda que um verão carioca de verdade e, que talvez o próprio carioca, se chocado e ordenado, seja menos carioca e isso é lindo e péssimo, porque o calor que inspira os compositores de marchinhas é o mesmo que queima as obras de Helio Oiticica, que nos faz procurar as “comfort parties”, festas caras no meio da semana, sem filas e sem pegação, mas que nos deixa sem paciência para fazer coleta seletiva do lixo ou tomar conta da água parada nos vasos de plantas, o que esconde uma ainda mais grave visão superficial do que seja meio ambiente, como tenho discutido com meus alunos de ensino fundamental e médio, quando fazemos uma limpeza geral na sala de aula antes da aula começar, porque a sala de aula é um ambiente a ser respeitado e temos que ter uma melhor relação ambiental com esses ambientes pouco lembrados, a sala de aula, a rua onde se mora, o bairro onde se vive, a praia que se frequenta, o ônibus da segunda-feira, o outro, sim, o outro consiste em um ambiente a ser cuidado com doçura e respeito e, principalmente, a si próprio, esse ambiente esquecido, a mente, a saúde do corpo, a pele da mocinha que neste momento dorme ao meu lado, com um poema do Leminski tatuado nas costas. “A noite me pinga uma estrela no olho e passa”, que de vez em quando vai à academia para se manter bela e lê Ana Cristina Cesar na varanda para ocupar a mente, ou o pelo, sem circunflexo, abre parêntese, a língua é o ambiente que mais sofre com o impacto das ações do homem, fecha parêntese, pelo da gata vira-lata que dorme de barriga pra cima no pé da cama e agradece o calor, pois gatos gostam de calor e são exemplarmente organizados e, por isso cariocas deveriam ser as tais gatas extraordinárias que andam no meio onde fluem e, que evoluem e que incluem a todos, simples assim, então nosso prefeito, satisfeito, poderia ocupar-se de impor choque de ordem em outras áreas urgentes e, então haveria o equilíbrio entre os bons selvagens cariocas que somos e os cidadãos de Estocolmo que pretendem que sejamos, então haveria afinal equilíbrio ambiental, o altinho liberado na beira da praia, a pipa dibicando no alto do morro da mangueira imortalizando Oiticica, a piscina de plástico na laje de casa, o pisca-pisca sincretista das luzes de natal misturadas ao néon dos inferninhos de Copa, os blocos de sujos, esses nós do verão e nós no verão.

Ufa.

O texto acima foi escrito em 2010, quando a revista de domingo do jornal O Globo me convidou para escrever uma coluna que resumisse o verão.

Quatro anos depois, o que mudou? Sabemos mais sobre gás lacrimogêneo, preços altos, mau humor com turistas. Nas ruas, não se vê a comoção coletiva quando fomos escolhidos sede da Copa do Mundo. Nenhuma rua decorada de verde e amarelo.

John Turturro está em Paquetá filmando um dos episódios de “Rio, eu te amo”, filme no qual cineastas do mundo inteiro celebrarão a Cidade Maravilhosa.

Turturro foi um dos protagonistas de Faça a Coisa Certa, obra prima de Spike Lee, que se passa no dia mais quente do ano em Nova York e observa as tensões entre seus habitantes e a inexorável fricção entre cidadão e cidade.

Um filme sobre nós: eu, você e aquilo que fazemos com uma corda quando queremos amarrar algo.

O Rio de Janeiro está certamente mais bonito do que em 2010.

Porque num casamento de verdade, uma mulher é sempre mais bonita de manhã quando acorda do que maquiada.

A cidade está mais bonita porque terminaram finalmente os séculos de namoro entre o Rio de Janeiro e os que aqui vivem.

Começou o casamento.

Todos que trataram a cidade como fosse um amor de verão, destes que a gente aproveita só o romance e cai fora quando as coisas começam a dar nó, agora tem que casar. Dormir e acordar, junto, aguentar o bafo, respeitar os espaços, encarar as mudanças de humor, eventuais traições, desencantos, dispor-se a trabalhar duro para resolver crises.

Por isso, toda vez que você ouvir gente que mora aqui reclamando da cidade, não se impressione tanto: é só DR. Briga de casal. Tentativa de desatar nós em um ambiente de 500 dias de verão.

 

São Sebastião do Rio de Janeiro $urreal

ter, 21/01/14
por Dodô Azevedo |
categoria Comportamento, Rio

Poucos dias depois da criação da página do Facebook “Rio $urreal – NÃO PAGUE”, 100 mil pessoas aderiram à ideia de que:

1) Os preços praticados na Zona Sul da cidade estão impraticáveis;
2) Deve-se fazer algo à respeito como, por exemplo, boicotar comerciantes que abusam do preço.

Historicamente, o brasileiro é daqueles que espera que o Estado resolva seus problemas. Se não o Estado, alguma marca de refrigerante ou companhia telefônica que patrocine soluções.

É desconcertante observar cidadãos Brasileiros decidirem serem cidadãos por contra própria. O bom senso diz que daqui a 700 anos o país estará a mesma coisa. Mas se a moda da iniciativa independente, sem partido (ouvimos em 2013 isso em algum lugar), pega, ótimo: não se sabe onde esse país pode parar.

Já ponderei aqui no blog o fato de que para a dona Judith, dona de um barraco que valia 2 mil reais em 1980 e hoje 100 mil na comunidade de Santa Marta, quanto mais caro o Rio estiver, melhor.

Nas eleições, dona Judith votará em quem fez o Rio ficar caro. Quanto mais caro, melhor pra ela. Róbson, dono de uma barraca na praia, morador de Vilar dos Teles, e que está abusando do preço da água de coco na areia, também. E os próprios moradores de Vilar dos Teles, onde a empada, a cerveja, o pão, o refrigerante e a água, que não viram esse tal aumento de preços no Rio de Janeiro.

Por isso, sempre toma-se um susto com o resultado das eleições, e escutamos aquele papo de que brasileiro não sabe votar, brasileiro pobre tem os votos comprados etc.

Não causa espanto que estas 100 mil pessoas que aderiram à página “Rio $urreal” nunca tenham se mobilizado para tentar resolver o problema atual da favela de Para Pedro, no Irajá, que sofre com uma guerra entre o Comando Vermelho e o Terceiro Comando desde dezembro.

É que vivemos, não só na Zona Sul do Rio, mas em todo planeta que chamamos de terra – embora não façamos a menor ideia do que terra, essa palavra, realmente signifique – a era, delicadamente construída, da “farinha pouca, meu pirão primeiro”. O cidadão século XXI não está – ainda – preocupado com o coletivo. Preocupa-se com os habitantes da comunidade de Para Pedro, mas não ao ponto de fazer uma página no Facebook e pedir adesões. Quer saber é onde dói em seu bolso particular.

Por enquanto e ainda, o preço da cerveja de garrafa da mureta da Urca, do salgadinho em Ipanema, do aluguel em Laranjeiras nos dói mais do que a morte de um garoto de 11 anos por bala perdida no Irajá.

Mas é um primeiro e um muito belo passo. Na hora certa. Um entendimento de que o processo de valorização de preços, que aconteceu nos anos 80 em Nova York por exemplo, expulsando os boêmios do East Village para o Brooklyn e depois Queens – e levou entorno de Manhattan a  passar a conter o endereço dos lugares mais bacanas da cidade – só aconteceu com os bens oferecidos, não com os serviços.

A essa hora, pela lógica de ocupação de todas as metrópoles importantes do mundo, era para que a Zona Sul do Rio fosse um lugar brega, habitado pelos tais turistas e milionários tão recentemente odiados pelos cariocas e que as pessoas mais descoladas da cidade morassem em Vilar dos Teles, no Irajá, numa boa. Porque Irajá e Vilar dos Teles seriam bairros tão bem cuidados pela prefeitura quanto Barra, Ipanema e Leblon.

Então grita uma das diferenças entre o Brasil que há e o Brasil que o morador da Urca acha que vive: o transporte público aqui não funciona, por uma mistura de corrupção, má-fé, incompetência administrativa e necessidade de que os cariocas do lado de lá, invisíveis, que nunca viram o tal do Rio $urreal, entre em contato com o Rio de cá, o olímpico.

Os participantes da página Rio $urreal estão de parabéns. Já se mobilizaram para, na própria página, indicar os lugares programas baratos que existem nessa cidade, que ainda é uma das mais baratas de se viver – pergunte a quem no fim de semana se divertiu a valer com 20 reais no Karaokê da Feira de São Cristóvão, ou a quem com 15 se acabou de dançar debaixo do viaduto de Madureira, ou fez um piquenique na Lagoa, ou quem se fartou com o ensaio da Orquestra Voadora no Aterro do Flamengo.

Com o tempo e amadurecimento, pode cair a ficha de que agir, ao invés de esperar ações institucionais é a única coisa (tirando revolução com muito sangue e morte, como nos ensina Stendhal) que pode salvar o Brasil de um destino oracular, escrito há milhares de anos.

Com sorte, esta ficha pode cair dos dois lados: tanto o do Rio de Janeiro majoritário, o da periferia, o que manda nas urnas, que nunca se mobiliza pra nada (rolezinho não é mobilização, rolezinho é desejo), quanto para o Rio zona sul, minoritário mas articulado, cheio de voz no Facebook mas que não tem peso nas urnas.

Ontem foi dia de São Sebastião. No ano de 286 ele foi executado por Diocleciano, imperador de Roma, na base do espancamento até a morte. Depois de morto, seu corpo foi jogado nos esgotos da cidade.

Hoje, a cidade do Rio de Janeiro é um (belo) cadáver, espancada até a morte e jogada nos esgotos. Não há instituição que reverta este quadro. Só quem pode, é o carioca.

E sua habilidade com fichas.

* Crédito: Káthia Mello/G1 Rio

 

Tatá Orixá

qui, 16/01/14
por Dodô Azevedo |
categoria Sem categoria

Abelardo Barbosa dizia que seu programa de TV, o Cassino do Chacrinha, tinha algo de cerimônia de candomblé.

Ontem, Tatá Werneck entrou às 23h na casa do BBB e com a força dos incorporados, dos bolados em santo, ficou no personagem, criando muitas das falas em improviso, ao vivo, e o fez durante ininterruptas 12 horas.

Tudo com a conivência dos participantes, que entenderam a brincadeira (para a surpresa dos que julgam participantes de reality shows de serem necessariamente acéfalos) e receberam Valdirene como filhas de santo recebem a incorporação de um ‘Erê’.

Assisti até às 7 da manhã. Tatá Werneck, como todas as mulheres muito baixinhas, de Pina Baush a Bia Lessa, é uma força da natureza. Ou uma força espiritual de macumba.

Que essa demonstração de força artística (provavelmente um recorde mundial de atuação em alto nível sem interrupção) tenha acontecido ao vivo, num programa popular, no Brasil, é uma beleza.

Que um talento sofisticado como o de Tatá, a quem não conheço pessoalmente, esteja a serviço do popular e que dê a ela o reconhecimento de um orixá, muito importante para nossa formação cultural.

Foto: Reprodução/TV Globo

A vitória da internet

qui, 16/01/14
por Dodô Azevedo |
categoria Cinema, Cultura

Um dia para entrar na história da indústria cinematográfica. Embora o anúncio dos filmes que irão concorrer ao Oscar aconteça todo ano, desta vez algo bastante diferente e silencioso ocorreu.

A escolha de um filme que não foi exibido em salas de cinema. A escolha de um filme que foi exibido na internet.

“A praça”, documentário da egípcia Jehane Noujaim, conta a história do epicentro da Primavera Árabe, a Praça Tahir, no Cairo.

Após ser premiado em Sundance e Toronto no ano passado, foi comprado pela Netflix.

“Deixa que eu exibo esse filme” – disse a companhia.

“Oba. Agora sim muita gente vai ver o filme. Agora temos chances no universo político financeiro dos Oscars” – reagiram diretora e produtores do filme.

Não que a academia já esteja abraçando a internet. Para ela, filme é o que passa em salas de cinema. E para qualificar-se ao Oscar, “A praça” ficou uma semaninha em cartaz num cineminha poeira em Los Angeles.

Enquanto milhões assistiam ao filme pela internet.

Há, em todos indicados ao Oscar neste ano, uma coisa em comum: a vontade de dar uma sacudida, de comportar-se de um modo diferente.

Mesmo que haja um mais do mesmo. “Gravidade”, uma quase refilmagem de “Náufrago”, aquele em que Tom Hanks fica amigo de uma bola de vôlei numa ilha deserta, traz uma vontade de visualmente ser alguma coisa diferente. E sua última e constrangedora meia hora, um melodrama trash, pode dar estatuetas para o filme.

Há, também, o-filme-onde-o-ator-emagrece-e-fica-quase-irreconhecível-para-interpretar-um-doente-terminal-numa-história-edificante – por isso, Matthew McConaughey pode levar por “Clube de compras Dallas.”

Há o “A Lista de Schindler” de 2014 também. “12 anos de escravidão” é um filme sério e só por querer dizer: “Antes de pensarmos em dramas passados no espaço vamos primeiro resolver nossos problemas na terra, aqui na América, falar a sério sobre os anos de escravidão?” – merece prêmios. Não perca o trabalho de figurino da grande mestra Patricia Norris, também indicada este ano.

Há o-filme-com-uma-grande-dama-da-dramaturgia-de-língua-inglesa – “Philomena” está lá. A trilha de Alexande Desplat, compositor que concorre pela 6ª vez ao Oscar, vale o filme.

Há a tradicional nominação de Oscar de roteiro original para Woody Allen, recordista na matéria, e talvez seja ele e Lars Von Trier, provável indicado no ano que vem por “Ninfomaníaca”, os maiores escritores vivos – posto que tudo: textos teatrais, romances e roteiros de cinema, seja literatura.

Há, também, o Scorsese original versus o Scorsese genérico-hipster. “Trapaça”, o filme de David O. Russel é bacana, mas o diretor deveria ter sido premiado quando ainda era uma novidade, com o soberbo “Três Reis”, ambientado na guerra do Iraque e que tem uma das aberturas mais engenhosas. “Are we shooting?” – pergunta o fuzileiro naval ao seu capitão, e ao mesmo tempo ao diretor atrás das câmeras. Shooting, em inglês, significa tanto ‘atirar’ quanto ‘filmar’.

“O Lobo de Wall Street”, do Scorsese orginal, é, no fundo, sobre a relação que o diretor manteve com a cocaína durante décadas. Cheiradaço, o filme tem um corte original de 5 horas. Por questões de mercado, a versão que chegou aos cinemas tem 3.

O filme entra para a história oficial como o roteiro com a maior quantidade de palavras ‘fuck’ a ser indicado a um Oscar.

522 vezes a palavra é dita em “O Lobo de Wall Street”. O filme tem 180 minutos.

Filme estrangeiro. Temos, como favoritos, “A Caça” e “A Grande Beleza” os filmes que, em Cannes de 2013, comentávamos serem bons filmes, mas mais com cara de Oscar de filme estrangeiro do que de Palma de Ouro. Se, no ano passado, o Oscar premiou “Amor”, justamente o vencedor do prêmio máximo em Cannes, era porque o filme de Michael Hanake era mais ‘vendível’, no pega para capar que é o processo de sedução dos acadêmicos americanos.

Se “A grande beleza” ganhar o Oscar, o cinema italiano empatará com o cinema francês em número de prêmios. França tem 13, Itália 12 Oscars de melhor filme estrangeiro.

Não se enganem pela ausência do Brasil na lista. O cinema brasileiro de arte nunca esteve tão bem lá fora. Toronto, Roterdã e Berlim estão com o melhor de nossa produção recente e o estupendo “O Som ao Redor” teve uma cópia recentemente comprada pelo MOMA, em Nova York. Para os curadores do MOMA, “O Som ao Redor” já é, e tão cedo, um dos filmes indispensáveis da história do cinema mundial.

Há na lista de hoje, acintes imperdoáveis.
1) Robert Redford, ex-queridinho da academia, favorito até anteontem para melhor ator por “Tudo está perdido”, simplesmente fora da lista? Ciúmes de seu cada vez mais prestigiado Festival de Sundance?
2) James Gandolfini, o Tony Soprano em seu último papel, ele mesmo um delicioso… sopro, em “Enough Said”, desconsiderado? Ciúmes do sucesso de Gandolfini e dos Sopranos na tevê?
3) “Inside Llewyn Davis”, a nova obra prima dos irmãos Coen, fora de tudo, melhor filme, roteiro e direção? A academia resolveu até não fazer o que fez com Jennifer Hudson e deixar consagrar Justin Timberlake, o mais querido do momento?
4) A Pixar fora da competição em melhor animação?!
5) Thelma Schoonmaker, a melhor montadora do mundo, fora da competição por “O Lobo..”?
6) E finalmente, Paul Greengrass, o diretor que hoje todos imitam, e Spike Jonze fora da lista?!

“Her”, de Spike Jonze, é o grande filme desta lista toda. A história de um homem que se apaixona por um sistema operacional programado para ter voz e personalidade femininas é sim o que estão dizendo por aí: o filme definitivo sobre a Singularidade Tecnológica, denominação dada ao momento em que, no futuro, a inteligência artificial terá superado a inteligência humana. Scarlett Johansson empresta sua voz rouca ao sistema operacional, e por isso mereceria um Oscar – compor um personagem complexo usando apenas a voz é um esforço maior que viver um doente terminal ou alguém com paralisia cerebral no cinema. É de uma beleza assustadora quando a mulher/sistema operacional informa que o amor acabou porque chegou a hora dela se reproduzir, sozinha, para uma existência mais evoluída.

Seguimos, portanto, aguardando o dia em que os indicados e premiados ao Oscar serão escolhidos por inteligências artificiais, certamente menos artificiais do que as humanas que hoje fazem suas escolhas.

Quando isso acontecer, num futuro qualquer, o dia de hoje será lembrado como o dia em que um diretor poderá dizer, por exemplo, a uma atriz consagrada: “Vem filmar comigo. Se não conseguimos distribuidora e salas de cinema para exibi-lo, colocamos ele na internet. E você pode ganhar um Oscar por isso.”

Há uma discreta revolução no ar.

Apenas o tempo dirá se ela é legitima ou artificial.

Imagem: O ator Chris Hemsworth e a presidente da Academia de Hollywood, Cheryl Boone Isaacs, anunciam os indicados ao Oscar 2014 (Vince Bucci/Invision/AP)



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