Por Bruno Marinho, g1 PE


Câmara Municipal do Recife fica no Centro da capital pernambucana — Foto: Pedro Alves/g1

A vereadora evangélica Michele Collins (PP) é alvo de um pedido de cassação por criticar e questionar a concessão do título de Cidadã do Recife à professora Dayanna Louise por ela ser uma mulher trans (saiba mais sobre ela).

O pedido foi protocolado, nesta quinta-feira (14), pelo vereador Ivan Moraes (PSOL), que considerou "transfóbico e criminoso" o discurso da parlamentar na tribuna antes da votação do Projeto de Decreto Legislativo criado por ele (entenda o caso mais abaixo).

“A Câmara não vai passar essa vergonha. [...] Eu acredito que a penalidade equivalente ao dano é a cassação do mandato e espero que a Comissão de Ética não passe pano para uma atitude como essa. [...] A Câmara tem que, simbolicamente, responsabilizar, não gosto nem de falar de punir”, disse Ivan Moraes, em entrevista ao g1.

Dos 24 votos necessários para a concessão do título ser aprovada, houve 20 favoráveis, cinco contrários e 14 abstenções na votação realizada na segunda-feira (11). De acordo com o vereador, o pedido de cassação não é uma retaliação sobre o voto contrário de Michele Colins, e sim uma busca de responsabilização por causa da transfobia durante a sessão.

“A vereadora [Michele Collins] foi bem assertiva quando ela disse que [Dayanna] não poderia ganhar o título única e exclusivamente pelo fato de ser uma pessoa trans. [...] Todo vereador tem direito de votar da forma que quiser. Eu não estou perseguindo a vereadora pelo voto que ela deu, pelo posicionamento que ela tem. [...] O negócio é que a pessoa não pode, ninguém pode no Brasil ser transfóbico”, afirmou Ivan.

Dayanna Louise Santos é professora e doutoranda em educação — Foto: Arquivo pessoal

A Câmara Municipal do Recife declarou que "recebeu o requerimento do vereador Ivan Moraes e adotará os procedimentos cabíveis em respeito ao devido processo legal". Segundo o parlamentar, o pedido só deve chegar à Comissão de Ética em 2024 por causa do trâmite que é necessário seguir e devido ao recesso parlamentar.

“A gente protocola na Presidência [da Câmara], que envia para a Procuradoria da casa, o setor jurídico-institucional, que faz um parecer sobre o pedido, devolve para presidente, que manda para a Comissão de Ética, [...] imagino que chegue no ano que vem. O trâmite é esse, mas a Comissão vai ter que se posicionar. [...] Isso não pode ser admissível, isso é ridículo, é uma violência tremenda”, afirmou Ivan Moraes.

O parlamentar disse estar confiante de que o processo vai resultar na cassação: “A gente não pode naturalizar um comportamento criminoso e transfóbico na nossa tribuna [...]. Não é sobre o voto, não é sobre posicionamento, não é sobre achar se merece ou não. [...] Não podemos achar que aqui não tem lugar para trans porque essas pessoas são fundamentais, importantes e seres humanos também”.

Dayana Louise não seria a primeira mulher trans a receber o título. Em 2022, a homenagem foi concedida à técnica em enfermagem Chopelly Santos, fundadora da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans).

Respostas

Procurada pelo g1, a professora Dayanna Louise respondeu que "o projeto político fundamentalista ancorado no discurso de de ódio, no desrespeito aos direitos humanos e na propagação do pânico moral não deve ter espaço numa casa legislativa pois fere os princípios democráticos".

O g1 também entrou em contato com a assessoria de comunicação do vereador Hélio da Guabiraba (PSB), que preside a Comissão de Ética da Casa, para obter detalhes sobre esse pedido de cassação, e também procurou Michele Colins, para saber se ela gostaria de se pronunciar sobre o requerimento, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.

Em nota divulgada na quarta-feira (13), Michele Collins afirmou não ter ofendido, desrespeitado ou desvalorizado o currículo de Dayanna Louise e tem sua conduta parlamentar pautada pelo Regimento Interno da Câmara Municipal do Recife.

Também em nota enviada no mesmo dia, a Comissão de Ética da Câmara Municipal do Recife disse que o presidente da comissão só poderia se pronunciar se tivesse acesso ao conteúdo da representação de algum dos vereadores.

Entenda o caso

Vereadora rejeita título de cidadã recifense a professora trans

Vereadora rejeita título de cidadã recifense a professora trans

Vereadores do Recife barraram em Plenário a concessão do título de Cidadã Recifense a Dayanna Louise, uma mulher trans que é professora e doutoranda em educação. A repercussão do caso aconteceu após Michele Collins (PP) subir na tribuna e dizer que o título de cidadã, no feminino, não poderia ser dado a "um homem, do sexo masculino", afirmando que haveria um "erro técnico" (veja vídeo acima).

Ao se posicionar contra o projeto no plenário, Michele Collins se referiu a Dayanna Louise como um homem trans, e não uma mulher trans, que é o caso.

Também contou que estava baseada no Regimento Interno da Câmara Municipal e votou contra o projeto na Comissão de Legislação e Justiça porque o título de cidadã seria para pessoas com sexo biológico feminino, independentemente do gênero, assim como o de cidadão seria para pessoas do sexo biológico masculino.

Ainda de acordo com a vereadora, o regimento para títulos de cidadania foi alterado em 2018 para distinguir cidadão e cidadã, pois, de acordo com ela, "há apenas dois sexos: homem e mulher".

Dayanna assistiu às declarações de Michele Collins ao vivo pela transmissão do canal da Câmara Municipal no YouTube, definiu a situação como lamentável e disse que não vê como um ataque pessoal, mas sim, como um ataque às pessoas trans. Também contou que pretende judicializar o caso com uma denúncia formal contra a vereadora.

Quem é Dayanna Louise

  • A pernambucana Dayanna Louise é natural de Carpina, na Zona da Mata do estado;
  • Ela se mudou para o Recife em 2003, para cursar teatro na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);
  • Após se formar, também concluiu a graduação em história pela Universidade de Pernambuco (UPE);
  • Atualmente, faz doutorado em educação na Universidade Federal de Sergipe (UFS);
  • É professora da rede pública há mais de 10 anos;
  • Orientou trabalhos no âmbito dos estudos de gênero e sexualidade e dos direitos humanos, que conquistaram quatro prêmios nacionais;
  • Tem atuação em inúmeros projetos para promoção dos direitos de pessoas LGBTQIA+;
  • Trabalhou como conselheira na Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco.

"Dayanna é uma militante da educação e da assistência social [....] Embora tenha nascido em Carpina, ela fez a maior parte da carreira dela no Recife. Então, mesmo morando fora, a gente entende que é bastante justo dar essa comenda para ela pelo trabalho que ela fez quando estava aqui. [...] Não faltam méritos para que ela receba o título de Cidadã [do Recife]”, afirmou Ivan Moraes.

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