22/12/2014 12h23 - Atualizado em 22/12/2014 14h26

Juíza do Caso Eliza Samudio defende importância da criação do feminicídio

Senado aprovou PL que torna morte de mulheres homicídio qualificado.
Marixa Fabiane participa de grupo de trabalho da ONU Mulheres.

Cíntia PaesG1 MG

22/04/2013 - Juíza Marixa Fabiane Rodrigues preside o terceiro júri do caso Eliza. (Foto: Maurício Vieira/G1)Juíza Marixa Fabiane, durante júri do caso
Eliza Samudio (Foto: Maurício Vieira/G1)

“A mulher não pode ser vista como objeto de posse”. A afirmação é da juíza Marixa Fabiane Rodrigues, que ficou conhecida após o julgamento do caso Eliza Samudio, que terminou com a condenação do goleiro Bruno Fernandes. Marixa foi convidada pela ONU Mulheres a participar das discussões do projeto de lei que prevê a criação do feminicídio como qualificadora de homicídio no caso de assassinatos de pessoas do gênero feminino no Brasil. Na quarta-feira (17), os senadores aprovaram o PL 292/2013, que agora segue para análise e votação na Câmara dos Deputados.

Na votação, a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), relatora do projeto de lei, falou em plenário sobre a importância da criação do feminicídio no Brasil, segundo a Rádio Senado. “Como podemos ficar impassíveis diante de tamanha barbárie? Como pode o Congresso Nacional, depois de presenciar um de seus membros [referindo-se às declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) sobre a também deputada Maria do Rosário (PT-RS)] banalizar o crime de estupro contra as mulheres na tribuna da Câmara dos Deputados, silenciar sobre o assunto? Por isso a importância da votação deste projeto. Até como uma resposta concreta deste parlamento a esta situação de barbárie que atinge as mulheres brasileiras”, defendeu a senadora.

MAPA DA VIOLÊNCIA (2012)
  UF Taxa (**) Mortes
ES 9,8 175
AL 8,3 134
PR 6,4 338
PA 6,1 230
MS 6,1 75
BA 6,1 433
PB 6 117
DF 5,8 78
GO 5,7 172
10º PE 5,5 251
11º MT 5,4 80
12º TO 5 34
13º RR 5 11
14º AC 4,9 18
15º RO 4,8 37
16º AP 4,8 16
17º RN 4,4 71
18º SE 4,2 45
19º RS 4,1 227
20º MG 4,1 405
21º RJ 4,1 339
22º CE 4 174
23º AM 3,8 66
24º MA 3,5 117
25º SC 3,5 111
26º SP 3,2 671
27º PI 2,5 40
  Brasil 4,6 4.465
* Fonte: Mapa da Violência/2010 (atualizado em 2012)
** Taxa - número de mortes por 100 mil habitantes

Segundo o estudo Mapa da Violência, publicado em 2010 e atualizado em 2012, entre 1980 e 2010, mais de 92 mil mulheres foram mortas no Brasil, sendo 43,7 mil somente na última década. De 1980 a 2010, este tipo de crime teve um aumento de 230%. No ranking internacional de 2010, o Brasil era o sétimo país em mortes de mulheres em 2012, perdendo para El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize.

No ranking nacional, o Espírito Santo é o estado com a maior taxa de morte de mulheres por 100 mil habitantes: 9,8. Em seguida, vêm Alagoas (8,3), Paraná (6,4), Pará (6,1), Mato Grosso do Sul (6,1) e Bahia (6,1). Minas Gerais aparece em 20º, com 4,1. O estado com a menor taxa é o Piauí, com 2,5.

O que é feminicídio
O feminicídio é, segundo a juíza Marixa Fabiane, a morte de pessoas do gênero feminino por causa do gênero. E neste contexto estão os crimes popularmente conhecidos como passionais, além de assassinatos em que se verifique o tratamento à vítima como objeto possível de ser descartado. E a criação da qualificadora é importante porque estes assassinatos não serão mais julgados como homicídio simples, e passam a ser homicídios qualificados, com pena entre 12 e 30 anos.

“A mulher não pode ser vista como objeto de posse. Ela não é posse. No momento em que você está vendo a mulher como objeto de posse, como seu, e você vai lá e mata, que valor você está dando pra esta pessoa? Ela é descartável. Isso é feminicídio”, definiu.

Ela explica que, apesar de se chamar feminicídio, a qualificadora poderá ser usada em alguns casos de mortes de transexuais, por exemplo, se for comprovado que a vítima estava travestida de gênero feminino e que o assassinato se deu por conta deste gênero.

Outros exemplos que ela dá são casos de grande repercussão atualmente, como o suspeito que confessou ter matado dezenas de mulheres no Rio de Janeiro e o serial killer de Goiânia. Relembrando casos de grande comoção, exemplificam o feminicídio a morte de Eliza Samudio [ex-namorada do goleiro Bruno Fernandes. O atleta foi condenado como mandante do crime, além de outras pessoas também condenadas pela participação no crime], o assassinato da advogada Mércia Nakashima em Guarulhos (SP) [seu ex-namorado Mizael Bispo foi condenado pela morte, mas recorreu da sentença], e a morte da atriz Daniela Perez [filha da autora Glória Perez, morta pelo ator Guilherme de Pádua e por sua mulher, Paula Thomaz, em 1992].

“Isso é crime de ódio. E essa discussão é que vai ser colocada a partir do momento que se tipificar a conduta do feminicídio. Vai provocar uma reflexão em toda população. Vai provocar um debate amplo em torno da morte de mulheres. Então, esse debate vai ser o principal fruto da qualificação do crime. Os acadêmicos de direito vão estudar, vai começar a ter o debate doutrinário, porque os juristas vão se debruçar sobre o tipo penal, ou para criticar, ou para elogiar. (...) Que se fale que está bom, que está ruim, isso é o debate. Que se discuta. O que não pode é fingir que está tudo normal”, disse a juíza.

Não estamos falando mais de crimes passionais, mas da desigualdade de uma estrutura de poder, que afeta de maneira desproporcional as mulheres"
Wânia Pasinato, coordenadora na ONU Mulheres

Grupos de trabalho sobre feminicídio
A juíza Marixa Fabiane contou ao G1, em entrevista exclusiva, que recebeu com surpresa o convite da ONU Mulheres, organismo das Nações Unidas voltado para a promoção da igualdade entre os gêneros e para o empoderamento das mulheres. O destaque que a juíza conquistou com a condenação de seis pessoas pelo sequestro e morte da jovem Eliza Samudio e pelo cárcere privado de seu filho foram fundamentais para esta escolha. Além do goleiro Bruno, estão entre os condenados o amigo Luís Henrique Romão - o Macarrão, e o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos - o Bola.

Marixa integra dois grupos de trabalho que têm se reunido em Brasília a respeito do PL 292/2013. Um deles é o grupo que trabalha na adaptação às leis brasileiras de um protocolo internacional de investigação de mortes violentas de mulheres. Este protocolo, existente no México, será adaptado à realidade brasileira e servirá como apoio para investigações e delegados da Polícia Civil na apuração deste tipo de crime, além de auxiliar também promotores no oferecimento de denúncia à Justiça a respeito destas mortes. O outro é formado por magistrados e juristas para a elaboração do artigo a ser incluído no Código Penal, caso seja aprovado pelos deputados e sancionado pela presidente Dilma Rousseff.

Grupo de trabalho coordenado pela ONU Mulheres para adaptação do protocolo de investigação do feminicídio (Foto: Marixa Fabiane Rodrigues/Arquivo pessoal)Grupo de trabalho coordenado pela ONU Mulheres
para adaptação do protocolo internacional de
investigação do feminicídio
(Foto: Marixa Fabiane Rodrigues/Arquivo pessoal)

A juíza explica que, atualmente, 14 países latino-americanos já têm o feminicídio como crime previsto em seus códigos penais. E que o Brasil vem sofrendo uma pressão internacional para a tipificação do crime. Mas, aqui, o PL 292/2013 propõe a criação do feminicídio como qualificadora de homicídio, e não um tipo de crime isolado. “Esse nosso Congresso é bem conservador, bem machista. Então, a gente acredita que a proposta do PL 292/2013, que prevê a criação do feminicídio como uma qualificadora, vai ter mais força”, explicou.

A coordenadora do grupo de trabalho para a adaptação do protocolo e consultora da ONU Mulheres para acesso à Justiça, Wânia Pasinato, disse que a aprovação do projeto de lei no Senado é uma vitória para as lutas no Brasil e para o enfrentamento das mortes de mulheres. “Não estamos falando mais de crimes passionais, mas da desigualdade de uma estrutura de poder, que afeta de maneira desproporcional as mulheres”, ilustrou a consultora.

Segundo a consultora, a criação da qualificadora de feminicídio no Código Penal vai significar “um compromisso que o Estado Brasileiro assume e tem assumido diante da comunidade internacional dos direitos humanos”.

Agora, o Projeto de Lei 292/2013 vai para votação na Câmara dos Deputados, onde ainda pode sofrer alterações. Se isso acontecer, ele volta para última análise dos senadores. Se for aprovado, o texto segue para sanção da presidente Dilma Rousseff.

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