Se em 2012 a falta de chuvas começou a assustar os moradores do Sul de Minas, em 2014 este temor se tornou realidade. O ano foi marcado na região por imagens que refletiram a seca e suas consequências por todo o país. O Lago de Furnas, o famoso ‘Mar de Minas’, se tornou pasto na maioria das cidades de seu entorno. Faltou água em uma região que sempre contou com fartura de recursos hídricos. Setores que dependem diretamente das chuvas, rios e lagos, como a agropecuária, a piscicultura e o turismo, calculam prejuízos irrecuperáveis a curto prazo.
Para falar sobre a crise que atinge a região desde janeiro, o G1 entrevistou o presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Entorno do Reservatório de Furnas (CBH Furnas) e secretário executivo da Associação dos Municípios do Entorno do Lago de Furnas (Alago), Fausto Costa. Neste final de ano, o comitê calcula prejuízos de quase R$ 80 milhões nos setores influenciados direta e indiretamente pelo Reservatório de Furnas.
A previsão é de que o lago possa ser recuperado de três a cinco anos, mas somente caso as chuvas venham em abundância neste período. “Os índices meteorológicos não estão tão animadores assim”, acrescentou Costa sobre a crise. "Eu acho que uma lição muito importante [que fica é] a conscientização, da preservação, da conservação. Você deve conservar hoje pra ter amanhã", conclui Costa.
Fausto Costa é o quarto a ser ouvido em uma série de entrevistas que autoridades da região concederam ao G1 neste fim de ano. No sábado, dia 3 de janeiro, o G1 Sul de Minas apresenta a entrevista com o governador eleito de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que fala sobre os planos do novo governo para a região.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista de Fausto Costa.
A pior seca dos últimos tempos
No início de janeiro de 2014, o volume de chuvas começou a cair drasticamente na região, mas desde 2012 a escassez de chuvas já ‘assombrava’ moradores e produtores no Sul de Minas. Somando três anos de estiagens prolongadas, o Lago de Furnas deu lugar a paisagens assustadoras: a água virou pasto em cidades como Alfenas, Carmo do Rio Claro e Areado. Em Guapé, a parte antiga cidade que havia sido alagada em 1963 voltou à tona e da superfície ‘não mais saiu’. Em Varginha, o Rio Verde (que faz parte da represa de Furnas) secou e fez surgir o paredão de uma usina construída há 100 anos.
aparecem com estiagem no Lago de Furnas
(Foto: Samantha Silva / G1)
Para Costa, este período de seca foi o mais dramático para a região registrado nas últimas décadas. “Nós tivemos aí três anos muito ruins de chuvas e isso afetou diretamente o nível do lago. Ele chegou a baixar 15 metros, ou seja, 15 metros na vertical dá uma sensação muito ruim, a água afasta muito dos estabelecimentos comerciais, das pousadas, dos restaurantes, dos clubes. Nós tivemos várias cidades na região do Lago de Furnas que sofreram racionamento, que não foi tão divulgado assim, mas tivemos cidades sem água por vários dias. Uma delas fechou as escolas públicas por falta de água. Olha a gravidade que nós chegamos! A nossa região, região Sudeste do país, falar-se de fechar escola por falta de água. Então é muito preocupante. O Nordeste já é acostumado com a seca, mas a nossa região, nunca tínhamos passado por situações assim.” afirma.
Prejuízos
A baixa do lago, que fez a água se afastar quilômetros das margens, trouxe consequências dramáticas para os setores da economia que dependem diretamente do reservatório. Somente nos setores da piscicultura e turismo, afetados mais diretamente, os prejuízos chegaram a mais de R$ 35 milhões. Somando os que são afetados indiretamente, o valor chega a dobrar.
Lago de Furnas em Alfenas, MG
(Foto: Samantha Silva / G1)
“Nós fizemos alguns estudos junto com outros institutos parceiros que estudam a região do Lago de Furnas, e nesta estiagem de 2012, 2013 e 2014, nós estamos levantando aí uma estimativa de R$ 70 milhões a R$ 80 milhões [de prejuízos] nos vários segmentos da economia que trabalham em função das águas do Lago de Furnas, sejam essas atividades ligadas diretamente ou indiretamente ao lago. Só o setor da piscicultura, [afetado diretamente pela seca], teve aí uma queda de aproximadamente 50%, 60% na produção de pescado. Isso aí representa mais de R$ 20 milhões [somente] para o segmento”, afirma Costa.
Além dos clubes náuticos e hotéis, afetados diretamente, o secretário da Alago considera supermercados, açougues, farmácias, segmentos da pecuária e da agricultura, afetados indiretamente. “Quando nós falamos em segmentos da economia que dependem do Lago de Furnas, nós estamos abrangendo aí um leque muito grande, que chega a ultrapassar 30, 40 segmentos. Nós temos todo esse sistema que é vinculado à questão da água, e depende da água para sua manutenção”, completa.
Queda na compensação financeira
Os municípios que tiveram terras alagadas pelo reservatório na década de 1960 passaram a receber uma compensação financeira do governo federal, que é calculada de acordo com a geração de energia. Outra consequência da seca foi o prejuízo que os 34 municípios tiveram com a redução da geração de energia.
“Os municípios perderam de maio a outubro [de 2014] cerca de 70% de sua arrecadação pela compensação financeira. Os royalties, por ser de origem da Itaipu Binacional, vieram para os municípios no mesmo valor, eles sofreram uma oscilação em torno de 10% a menos, mas não teve tanto impacto. Mas a compensação financeira pela geração de recursos hídricos, que é calculada em função da geração de energia no Sistema Rio Grande, esse sim sofreu 70% de queda”, afirmou Costa.
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Prevenção para não remediar
Com a chuva que não veio, produtores tiveram que encontrar meios de contornar a situação sem deixar de vez seus negócios. Costa afirma que muitos piscicultores conseguiram mudar seus tanques-rede para mais próximos dos rios e continuar a criação, mas outros em que as terras não permitiam essa mudança acabaram abandonando a atividade.
Além disso, muitos que haviam financiado a criação de peixes tiveram os prejuízos dobrados e as instituições tiveram que ser flexíveis para que a situação não ficasse muito crítica. “A gente tem acompanhado que as instituições financeiras estão refinanciando, fazendo uma repactuação, desde que tenha ficado comprovado que o prejuízo ocorreu por causa da seca”, explica Costa.
Outras áreas também tiveram que alterar seus negócios e propriedades, aumentando os custos, para que a situação não ficasse pior. “O pessoal da agricultura irrigada teve que gastar um pouco mais, ele teve que estender a sua captação [de água], e o pessoal do turismo buscou formas alternativas de atrair o turista, ou melhor, não deixar que o turista fugisse totalmente”, completa.
Mas para o secretário da Alago, para que a escassez imprevisível de chuvas tivesse tido menos consequências, seria necessário que os governos pensassem em formas de prevenção para não remediar. “Nós temos aí vários projetos de recuperação de nascentes, nós temos uma região com muitas nascentes e cursos d’água que alimentam os nossos grandes rios, isso tem que ser preservado, a população tem que ser consciente, tem que pensar muito no futuro, porque nós estamos sofrendo no presente”, afirma. “Nós temos que levar agora aos governos que vão iniciar esse próximo [período], tentar buscar recursos financeiros para aplicar na região voltados para a questão da conscientização e pra manutenção da quantidade e qualidade de água no entorno do reservatório de Furnas”.
em Alfenas, MG (Foto: Samantha Silva / G1)
Costa cita alguns projetos já em andamento que funcionaram na região para essa prevenção. Em muitas cidades do Sul de Minas, já estão em andamento projetos que tratam o esgoto antes despejados no Lago de Furnas. “Vários municípios, 27 da região, receberam projetos executivos para tratamento de esgoto. Outros municípios estão com as obras em fase de licenciamento e deverão ter início logo no ano que vem. Então isso aí foi um passo muito adiante, foi uma conquista muito grande dessas instituições envolvidas e da população, que vai ter o esgoto tratado de vários municípios que são lançados diretamente nos cursos d’água e por consequência no Lago de Furnas”.
Além disso, Costa cita projetos de tratamento de resíduos sólidos e o plano diretor de recursos hídricos já em andamento na região.
A lição aprendida
Para Costa, a lição que fica é que falta de recursos naturais não é uma questão a ser enfrentada num futuro distante, mas que já é uma realidade do presente. “Falava-se há alguns anos que em 30, 40 ou 50 anos iríamos ter discussões por falta de água. Nós já estamos tendo isso agora, então daqui a esse período de anos, de 10 a 40 anos, nós vamos ter realmente vários problemas sérios por falta de água, porque água é um bem dotado de valor econômico, mas é finito”, completa.
Para ele, não existe outra solução a não ser a consciência de que é preciso preservar para não faltar. “A gente vê muito desperdício, vemos aí, em todas as cidades, pessoas lavando calçadas com água, usando a força da água para tirar sujeira. Isso aí tem que acabar. Eu acho que uma lição muito importante [que fica é] a conscientização, da preservação, da conservação. Você deve conservar hoje pra ter amanhã. Você deve preservar hoje para desfrutar amanhã. Então nós temos que cuidar bem dessa água para termos condições de ter uma vida saudável ao longo dos anos, para as futuras gerações, é claro. Cuidar agora para que os futuros habitantes da Terra tenham condições de ter uma vida saudável como a da atual população”, finaliza.