O fazendeiro Hermano Prado, de 86 anos, mostra o fundo avermelhado de seu pluviômetro, que nos últimos meses tem acumulado mais poeira do que água. Desde 1994, ele usa o equipamento para medir as chuvas que caem em sua propriedade, em Paraguaçu, no Sul de Minas Gerais. Por hobby, anota em uma pilha de papel sulfites os dias que choveram e o volume da chuva. O gráfico desenha o panorama dramático da estiagem na região, que já dura quase dois anos.
A situação começou a piorar em janeiro deste ano, afirma o fazendeiro. Até meados de setembro, choveu só um terço da média dos últimos 19 anos na cidade. As consequências da seca, que segundo os meteorologistas é uma das mais severas que já atingiu o Sudeste, são evidentes na baixa produção na fazenda de Hermano e também em uma das paisagens emblemáticas da região – o lago de Furnas, conhecido como "Mar de Minas", onde empresários veem a renda desaparecer junto com a água. Segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Entorno do Lago de Furnas (CBH Furnas), na piscicultura os prejuízos alcançam R$ 15 milhões, e no turismo, quase R$ 20 milhões nestes dois anos de estiagem.
Os gráficos de Hermano, que anota o volume de chuva em milímetros por metro quadrado, mostram que em pleno verão, época de chuvas, houve dias seguidos sem que uma gota de água caísse do céu. Quando chovia, eram registrados volumes bem abaixo da média para a época do ano. O fazendeiro percebe a chuva diminuindo ano após ano. Em 2012, foi registrado o primeiro período de estiagem prolongada no Sul de Minas, quando o pluviômetro marcou volume anual de 1.084,50 milímetros por metro quadrado – marca quase idêntica à de 1999 (1.081,50), que resultou na crise energética que o país enfrentou em 2001.
Com sua produção concentrada no café e no leite – uma típica fazenda mineira –, Hermano afirma que a colheita caiu para menos da metade na safra deste ano em relação ao ano passado. E não há previsão de melhora.
“O café já era para estar iniciando uma boa florada para o ano que vem, mas os pés ainda nem deram flor”, diz. Caso não chova o esperado neste verão, ele calcula uma redução de 20% da produção para a próxima safra. O custo com a criação de animais deve aumentar, porque alimentos como o milho tendem a ter safras menores, o que encarece o produto. A estiagem já afetou as minas de água da região, obrigando o produtor a construir uma estrutura para buscar água mais longe.
Vista sem lago
Há quase dois anos, os moradores do Sul de Minas acompanham a seca gradual do lago de Furnas, criado em 1963, quando 1.440 quilômetros quadrados de terra foram inundados para formar o reservatório da usina hidrelétrica. O enorme lago mudou a paisagem e a vida da população de 34 municípios da região. Agora, com a água cada vez mais distante da margem, o passado está vindo à tona com o ressurgimento de cidades que haviam sido inundadas.
Construído no médio Rio Grande, em São José da Barra, o lago evitou o colapso energético do país na década de 1960 e foi considerado um marco do progresso à época. Apesar de, num primeiro momento, ter inundado terrenos de milhares de produtores rurais, com o tempo o lago trouxe desenvolvimento para a região e se tornou fonte de renda pelo turismo e pela piscicultura. “A população já não consegue viver sem o lago, tanto em termos de paisagem como de economia”, afirma Fausto Costa, presidente do CBH Furnas.
A seca fez Furnas tomar medidas para manter o funcionamento da hidrelétrica diante da escassez de chuvas. Uma delas é o fechamento do vertedouro para acúmulo de água, o que fez o lago se afastar quilômetros das margens nas cidades mais distantes da usina.
Há 20 anos, com o exuberante lago de Furnas em seu nível quase máximo, Simone Santana Silva Moisés construía com o marido a Pousada Pontal do Lago, às margens da Rodovia MG-184, em Carmo do Rio Claro. O atrativo era o mesmo da maioria das pousadas do entorno: a prática de pesca esportiva, esportes náuticos, passeios de barco ou simplesmente um momento relaxante com a vista paradisíaca do imenso reservatório.
Simone ainda tem viva na memória a seca do início dos anos 2000, quando foram três anos sem o lago. Pouco mais de dez anos depois, a situação volta a assombrar a proprietária da pousada, que calcula uma queda de 35% a 40% no movimento desde o final de 2012.
A vista do lago deu lugar a um pasto de mato alto que se mistura à água barrenta. Ela mostra o barco da propriedade atolado há meses na terra seca e nem sabe se ele voltará a funcionar caso as águas retornem ao nível normal.
Se a chuva não vier nos próximos meses, Simone diz que precisará investir em outros atrativos para a pousada, mudando o foco para turismo de negócios e adaptando o local para receber eventos empresariais.
Ela só não sabe ainda de onde vai tirar dinheiro para esse investimento. “Hoje a situação está muito complicada, o movimento foi lá embaixo, e não tem como fazer investimento. Eu estou tentando não dispensar funcionários, mas está difícil, porque os clientes não aparecem”, desabafa. (Assista acima ao depoimento completo da empresária)
Com a mesma angústia o piscicultor Denilson Gomes enumera os prejuízos que já teve em sua propriedade em Alfenas desde que a estiagem atingiu a região. Dos 50 tanques-rede que tem, 30 estão fora d’água. Nos dois anos de estiagem, a produção de Gomes caiu de 30 mil para 10 mil quilos de tilápia. A renda anual com a venda dos peixes, antes de R$ 150 mil a R$ 200 mil, agora varia entre R$ 50 mil a R$ 60 mil. O desespero toma conta do piscicultor. “Se não chover, não tem condições [de continuar]”, afirma.
Na margem, hoje de terra seca, é possível contar vários tanques sem peixes. Gomes explica que um dos principais problemas com a baixa do lago são as doenças que atacam os alevinos nos tanques. Soma-se a isso a falta de oxigenação da água, que retarda o desenvolvimento dos peixes, e o fato de os tanques não poderem tocar no barro, matando a produção sob essas condições. Gomes já chegou a perder 10 mil quilos de peixes e, ao olhar para o lago se afastando, não consegue enxergar uma solução.
Ele reclama ainda que Furnas não avisa quando a água do reservatório ficará retida. “Aí a gente fica sem saber se põe o peixe na água, já que ninguém fala nada.” (Assista ao lado ao depoimento completo do piscicultor).
Em 29 de outubro, a represa de Furnas estava com nível em 753,89 metros – equivalente a 13,80% de volume útil – e apenas 3,89 metros acima do nível mínimo para operação (750 metros). Apesar de a estiagem deste ano ser considerada atípica e preocupante, o menor nível histórico registrado por Furnas foi em dezembro de 1999, quando o reservatório atingiu 751,90 metros ou 6,28% de volume útil, 1,90 metro acima do nível mínimo – o que não chegou a comprometer o fornecimento de energia, afirma a empresa.
O Operador Nacional do Sistema (ONS) diz que não há perspectiva de problemas no fornecimento de energia, mesmo diante da estiagem que atinge o Sul de Minas, e que termelétricas foram ativadas para manter o fornecimento com a baixa do lago. Afirma, ainda, que a comunicação aos produtores sobre o fechamento do vertedouro de Furnas deve ser feita pelas associações locais.
Previsão pessimista
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a tendência é que sejam cada vez mais frequentes fenômenos raros como a seca prolongada que atingiu o Sudeste neste ano. Especialistas do Inpe explicam que uma "intensa, persistente e anômala" área de alta pressão atmosférica se estabeleceu sobre o Oceano Atlântico, próximo à região, impedindo a formação de nuvens de chuva, dissipando a nebulosidade e aumentando a temperatura. O verão seco de 2014 pode ter sido uma das mais severas anomalias registradas pelo instituto nesta área desde o início do monitoramento, em 1961, segundo o Inpe.
Além disso, é raro, pois esse tipo de bloqueio atmosférico é mais comum no Oceano Pacífico e dura entre 8 e 10 dias, no máximo. Não há como prever o fenômeno com mais de 10 dias de antecedência, o mesmo valendo para seu fim. Segundo o instituto, os verões entre 2011 e 2014 têm registrado chuvas abaixo da média em todo o Sudeste, e que essa provavelmente foi a maior sequência de verões com distribuição irregular de chuvas nos últimos anos.
Se por um lado, as previsões do instituto não indicam que possa haver uma primavera mais seca, também não há indícios de chuvas acima do normal para o período.
O desflorestamento tropical em larga escala e o consumo de combustíveis fósseis são alguns dos principais responsáveis pelas alterações climáticas, segundo o Inpe. Não há chuva sem árvores. “A população tem que se conscientizar e economizar energia e água. Por que até quando isso vai durar? Mesmo que chova, as minas [de água] demoram a se recuperar. E [a seca] não pode perdurar”, diz Hermano, pensando em seus mais de 60 anos de produção agrícola que tanto dependem do perfeito equilíbrio das estações. “Tem que rezar e pedir a Deus para ajudar, porque o negócio não está bom não”, finaliza.