Emocionado e com lágrimas nos olhos, o pequeno João Vitor, de 8 anos, lê uma carta em que, segundo ele, é direcionada à presidente Dilma Rousseff. O pedido é para que se encontre uma saída para impedir o conflito entre moradores da comunidade Posto da Mata, em Alto Boa Vista, a 1.064 quilômetros de Cuiabá, e os agentes federais envolvidos no processo de desocupação do território reconhecido como de uso tradiconal pela comunidade xavante.
"Pede para o papai do céu não deixar a polícia derrubar a minha casa", descreve a criança. Morador da comunidade Posto da Mata, João e a sua família vão ter que deixar a área em cumprimento a uma decisão judicial que obrigou os ocupantes não índios a saírem da terra Marãiwatsédé. O clima na região é de insegurança.
Moradores prometem resistir à desocupação e afirmam deixar a área só mortos. Desde que o processo de notificação dos moradores foi iniciado na última semana cresceu a tensão no local. Localizado a 30 quilômetros de Alto Boa Vista, o pequeno povoado conta com escolas, pequenos comércios, além de residências. No início de dezembro encerra o prazo conferido pela Justiça Federal de Mato Grosso para que todos os não índios deixem a localidade de forma voluntária.
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Após a data, está autorizado o uso de força policial para cumprir a determinação da Justiça. Todos os órgãos e serviços de segurança envolvidos na mega operação montaram bases na região e permanecem na área para garantir a entrega das notificações pelos ofciais de Justiça.
Moradora da comunidade há pelo menos 20 anos, a comerciante Aparecida Emboaba de Souza diz correr o risco de perder tudo o que construiu ao longo de duas décadas.
As mercadorias que ainda encontram-se disponíveis no mercado da comerciante são os últimos produtos que ela ainda pode ofertar. As prateleiras estão ficando vazias, mas ainda é possível adquirir exemplares de gêneros alimentícios.
Desde que a Justiça reconheceu a área como de uso pela comunidade xavante, o movimento caiu pela metade. Os clientes sumiram, os fornecedores afastaram-se do local e as compras para reabastecer o mercado não mais foram feitas.
"Estamos falindo", desabafou a moradora ao G1. A fala, segundo ela, é uma previsão daquilo que a família vai ter que enfrentar quando sair da área. Há pelo menos 20 anos, Aparecida, o marido, os filhos e netos residem em Posto da Mata.
"Os fornecedores até chegam no povoado, mas vamos fazer um compromisso e pagar com o quê? Tudo o que temos é o mercado, um armazém e uma terra de 20 alqueires", falou Aparecida Emboaba.
Mesmo o governo federal não estimando de maneira oficial quantas famílias precisarão deixar a região, a associação que representa os moradores da área diz haver em toda a área alvo do impasse pelo menos 7 mil pessoas, número que é questionado pelas entidades e organizações sociais.
O conflito
O território Marãiwatsédé situa-se entre os municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia, respectivamente a 1.064 km, 983 km e 1.159 km de Cuiabá. De acordo com a Justiça, as famílias notificadas têm até 30 dias para deixarem a localidade de forma voluntária.
A extensão supera 165 mil hectares. De acordo com a Fundação Nacional do Índio, o povo xavante ocupa a área Marãiwatsédé desde a década de 1960. Nesta época, a Agropecuária Suiá-Missú instalou-se na região. Em 1967, índios foram transferidos para a Terra Indígena São Marcos, na região sul de Mato Grosso, e lá permaneceram por cerca de 40 anos, afirma a Funai.
No ano de 1980 a fazenda foi vendida para a petrolífera italiana Agip. Naquele ano, a empresa foi pressionada a devolver aos xavantes a terra durante a Conferência de Meio Ambiente no ano de 1992, à época realizada no Rio de Janeiro (Eco 92). A Funai diz que neste mesmo ano - quando iniciaram-se os estudos de delimitação e demarcação da Terra Indígena - Marãiwatsédé começa a ser ocupada por não índios.
O ano de 1998 marcou a homologação, por decreto presidencial, da Terra Indígena. No entanto, sucessivos recursos impetrados na Justiça marcam a divisão de lados entre os produtores e indígenas. A Funai diz que atualmente os índios ocupam uma área que representa "apenas 10% do território a que têm direito".
A área está registrado em cartório na forma de propriedade da União Federal, conforme legislação em vigor, e seu processo de regularização é amparado pelo Artigo 231 da Constituição Federal, a Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio) e o Decreto 1.775/96, pontua a Funai.
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