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Por André Catto, g1


'A gente sabe que há um problema fiscal', diz Daniel Sousa sobre alta do dólar

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O dólar disparou em relação ao real, mais uma vez. A moeda norte-americana saltou dos R$ 5,67 registrados em 6 de novembro para a cotação recorde de R$ 6,09 nesta terça-feira (17), uma alta de 7,40% no curto período de um mês.

E nesta quarta-feira (18) a moeda voltou a abrir em alta. Logo nos primeiros minutos do pregão, por volta das 09h20, era negociada a R$ 6,12.

Desde que atingiu o inédito patamar de R$ 6 no fim de novembro, o dólar tem se mantido forte e sem sinais de alívio.

Nas máximas do pregão desta terça, a cotação passou dos R$ 6,20, e só melhorou depois de dois leilões de venda de dólares pelo Banco Central e após o indicativo de que o pacote de corte de gastos ia começar a ser apreciado pelo Congresso Nacional. (saiba mais abaixo)

Em 2023, a moeda norte-americana recuou 8,06% no ano, um marco positivo do início da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que havia apresentado uma nova regra de contenção dos gastos públicos e a reforma tributária. O dólar em queda foi fundamental para o controle da inflação e o início do ciclo de corte de juros.

Em 2024, o caminho se inverteu. O dólar acumula alta de 25,62% sobre o real, impulsionado pelos receios sobre a inflação, enquanto as expectativas têm piorado. Com isso, os juros do país inverteram a direção e estão em rota de aumento. E o arcabouço fiscal apresentado no ano anterior passou a ser questionado.

Não bastassem os desafios internos, entraram na conta fatores relacionados aos Estados Unidos, em que a vitória do republicano Donald Trump traz consigo uma agenda de mais barreiras comerciais ao comércio exterior e renúncias de arrecadação de impostos. As medidas têm potencial de piorar a inflação americana, de aumentar os juros por lá e dar mais força ao dólar.

Entenda melhor o cenário nos tópicos abaixo, em ordem cronológica:

A eleição de Donald Trump

Em 6 de novembro, logo após a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, os juros futuros americanos tiveram um aumento expressivo.

Essas taxas indicam a expectativa do mercado financeiro para os juros básicos do país, definidos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). São referência para o rendimento das Treasuries, os títulos públicos norte-americanos.

Esses ativos são considerados os produtos de investimento mais seguros do mundo. Quando estão em alta, portanto, atraem mais investidores estrangeiros. Em outra perspectiva: quanto maior a expectativa de juros altos nos EUA, mais o dólar se fortalece em relação a moedas emergentes, como o real.

O pano de fundo desse cenário é justamente a agenda econômica de Trump, que prometeu um forte protecionismo para a indústria nacional, com elevação de tarifas para produtos importados.

A medida, acompanhada de uma guerra comercial declarada contra a China, tem potencial para elevar a inflação no país. O resultado é uma pressão sobre banco central dos EUA, que tende a elevar as taxas de juros.

Já aliado à crescente preocupação com as contas públicas aqui no Brasil, a moeda norte-americana saltou de R$ 5,67, em 5 de novembro, para R$ 5,80, em 26 de novembro.

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A frustração com o pacote fiscal do governo

Já sofrendo com um dólar mais forte, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou no dia 27 de novembro o novo pacote de corte de gastos do governo federal.

A proposta confirmou a expectativa de uma contenção de gastos estimada em R$ 70 bilhões para os próximos dois anos — e de R$ 375 bilhões até 2030.

Mas houve muitas críticas ao anúncio de renúncia de receitas para isentar os trabalhadores com salário de até R$ 5 mil do Imposto de Renda (IR), uma promessa de campanha do presidente Lula.

O governo precisa reduzir os gastos porque tem uma meta de zerar o déficit público pelos próximos dois anos — ou seja, gastar o mesmo tanto que arrecada em 2024 e 2025. São as regras definidas pelo arcabouço fiscal, o conjunto de normas para controle das contas públicas.

O arcabouço também estipula que o governo deve começar a arrecadar mais do que gasta a partir de 2026, para controlar o endividamento público. Mas os investidores já não acreditam que as medidas tomadas pelo governo até aqui tenham o potencial para conter o avanço da dívida no longo prazo.

A expectativa do mercado financeiro era de que o governo mexesse em gastos estruturais nesse pacote de corte de gastos — como a Previdência, benefícios reajustados pelo salário mínimo e os pisos de investimento em saúde e educação. Mas isso não aconteceu.

Além dos ruídos — que incluem as dúvidas sobre a efetividade do pacote fiscal para conter a crescente dívida bruta do país —, cresceram os receios em relação à própria aprovação das medidas, que precisam contar com o aval do Congresso Nacional.

O mercado teme que o governo não tenha apoio suficiente para aprovar os projetos ainda este ano. Não só isso: há receios de que, mesmo confirmadas, as medidas sejam desidratadas e não gerem a economia prevista.

Esse cenário de piora das expectativas, com projeções mais pessimistas sobre a elevação da dívida bruta do país, fez o dólar subir ainda mais nas últimas semanas.

Veja as principais variações:

  • Em 27 de novembro, antes mesmo do pronunciamento de Haddad em rede nacional, o dólar saltou 1,80%, para R$ 5,91. No dia anterior, tinha fechado a R$ 5,80. A alta, nesse caso, ocorreu após notícias de que o governo anunciaria isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil.
  • Em 9 de dezembro, a moeda norte-americana subiu ao recorde de R$ 6,08, com receios do mercado de que o pacote de corte de gastos poderia enfrentar maior resistência no Congresso Nacional. No dia anterior, tinha encerrado a R$ 6,07.
  • Em 16 de dezembro, o dólar avançou a R$ 6,09, um novo recorde, com investidores ainda insatisfeitos com a política fiscal do governo e receosos em relação ao pacote de corte de gastos. No dia anterior, havia fechado a R$ 6,03.

Em termos simples, os receios do mercado financeiro em relação às contas públicas se refletem no dólar da seguinte forma:

  1. Sem cortar gastos, o país tem uma perspectiva menor de controle da dívida pública;
  2. Um país mais endividado tem uma probabilidade maior de não cumprir com seus compromissos financeiros, e se torna mais arriscado;
  3. Um país mais arriscado só se torna atrativo se pagar juros mais altos pelos títulos;
  4. Com países mais seguros pagando juros mais altos no exterior, o Brasil fica menos atrativo;
  5. Se o Brasil está pouco atrativo, os investidores tiram dólares do país, enfraquecendo o real.

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O tom do Banco Central

O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu em 11 de dezembro elevar a taxa Selic de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano. Com o aumento de 1 ponto percentual (p.p.) na taxa básica de juros, o Banco Central passou a adotar uma dose mais forte para combater a inflação.

Junto ao anúncio, o BC afirmou que fará dois novos aumentos de 1 ponto percentual na Selic: um na reunião de janeiro e outro, de março. Destacou ainda que enxerga um cenário econômico "menos incerto e mais adverso", o que alimentou o mau humor dos investidores.

“Em função da materialização de riscos, o Comitê avalia que o cenário se mostra menos incerto e mais adverso do que na reunião anterior. Persiste, no entanto, uma assimetria altista no balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação", informou o Copom, em comunicado.

O BC sempre apresenta um balanço de riscos, que são os fatores que tem levado em conta para suas decisões de juros. O reforço ao fato de que foram confirmadas as pioras nas expectativas foi considerado uma das importantes novidades do último comunicado.

Na ocasião, a instituição também ressaltou que o país segue com mais riscos de alta que de baixa de juros, o que explica não só a aceleração do aumento das taxas, mas também a repetição de novos aumentos pela frente.

E o tom foi reforçado nesta terça. Em sua ata após a decisão, o BC avaliou que a disparada do dólar — em conjunto com a percepção dos agentes econômicos sobre o anúncio do pacote fiscal — "afetou, de forma relevante, os preços de ativos" (como a moeda norte-americana e os juros futuros).

Disse ainda que o repasse de um dólar mais alto para os preços dos produtos e serviços é perigoso para a inflação. "Desse modo, o Comitê deve acompanhar de forma mais detida como se dará a transmissão da taxa de câmbio e das condições financeiras para preços e atividade", avaliou o BC.

Desde o fim da semana passada, o BC voltou ser mais ativo para tentar conter o forte avanço do dólar, e passou a intervir na taxa de câmbio com a realização de leilões de venda de dólar.

Desde então, foram cerca de US$ 12 bilhões injetados no mercado, entre os leilões de linha (em que o BC recompra esses dólares para mantê-los nas reservas internacionais) e à vista (em que a moeda é apenas vendida, e não retorna). Ainda assim, a moeda persistiu em alta.

Dólar vive disparada nos últimos dias — Foto: Cris Faga/Dragonfly/Estadão Conteúdo

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