BC cita disparada do dólar e anúncio do pacote fiscal para choque de juros
O Banco Central (BC) avaliou nesta terça-feira (17) que a disparada do dólar, com cotação acima de R$ 6 nas últimas semanas, em conjunto com a percepção dos agentes econômicos sobre o anúncio do pacote fiscal, que "afetou, de forma relevante, os preços de ativos" (como dólar e juros futuros) foram determinantes para a puxada na taxa de juros.
A informação consta na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), colegiado responsável pela definição da taxa básica de juros.
- O encontro, que ocorreu na semana passada, resultou na elevação da taxa Selic pela terceira vez seguida, agora para 12,25% ao ano.
- A alta foi de um ponto percentual. O BC também indicou dois novos aumentos da mesma magnitude no começo de 2025 — algo que se caracteriza como um choque de juros na economia.
"Lembrou-se que o repasse do câmbio para os preços aumenta quando a demanda está mais forte, as expectativas [de inflação] estão desancoradas [acima das metas] ou o movimento cambial é considerado mais persistente. Desse modo, o Comitê deve acompanhar de forma mais detida como se dará a transmissão da taxa de câmbio e das condições financeiras para preços e atividade", avaliou o Banco Central.
Mercado financeiro reverbera decisão do Copom de acelerar alta da selic
Nesta segunda (16), o Banco Central decidiu ser mais ativo e interveio duas vezes para tentar conter a alta da taxa de câmbio, por meio de vendas de dólares no mercado à vista (US$ 1,6 bilhão) e com leilão de linha (US$ 3 bilhões), este último um tipo de empréstimo de dólares. Mesmo assim, a taxa de câmbio fechou em R$ 6,09, novo recorde.
Sobre a proposta de pacote fiscal anunciada pelo governo, que gerou tensão no mercado financeiro, o BC avaliou que a "percepção dos agentes econômicos afetou, de forma relevante, os preços de ativos, assim como as expectativas especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio".
"De fato, as expectativas de inflação, medidas por diferentes instrumentos e obtidas de diferentes grupos de agentes, elevaram-se em todos os prazos [após a divulgação do pacote], indicando 'desancoragem' adicional. Nota-se que tanto o prêmio de inflação extraído dos instrumentos financeiros quanto as expectativas de inflação se elevaram no período, tornando o cenário de inflação mais adverso e requerendo uma política monetária mais contracionista [alta maior dos juros]", informou o BC.
O mercado reagiu mal ao pacote porque o governo incorporou, além dos cortes de gastos esperados pelo mercado financeiro, aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) de dois salários mínimos para até R$ 5 mil.
Segundo analistas, a ampliação da faixa de isenção favorece 32% dos trabalhadores que ganham mais, justamente aqueles que recebem acima de dois salários mínimos.
Por fim, o BC avaliou que, diante desse cenário mais adverso para a economia, "houve uma deterioração adicional no cenário de inflação, como refletido nas expectativas e projeções de inflação".
"Concluiu-se que os determinantes de prazo mais curto, como a taxa de câmbio e a inflação corrente, e os determinantes de médio prazo, como o hiato do produto e as expectativas de inflação, se deterioraram de forma relevante. Tal piora demanda uma política monetária ainda mais contracionista [alta maior dos juros]", avaliou o Banco Central.
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Previsibilidade e harmonia entre gastos e juros
O Banco Central também mandou um recado claro à equipe econômica do governo, responsável pela política de gastos públicos.
O Copom avaliou que as políticas devem ser "previsíveis [sem surpresas], críveis e anticíclicas [na contramão do aumento da demanda, por exemplo]".
E repetiu que a política para as contas públicas, conduzida pelo governo, deve ser harmoniosa com a política de juros — para evitar um aumento maior da taxa Selic.
Se os gastos aumentam muito, por exemplo, o BC tem de puxar mais os juros para cima, o que tem acontecido nos últimos meses.
"Com relação à política econômica de forma mais geral, o Comitê manteve a firme convicção de que as políticas devem ser previsíveis, críveis e anticíclicas. Em particular, desacelerações são parte essencial do processo de suavização e reequilíbrio da economia. O debate do Comitê evidenciou, novamente, a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas", informou o Copom.
O Copom também reforçou que o "esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública" têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia (exigir juros maiores), com "impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade".
Como as decisões são tomadas
Para definir a taxa básica de juros e tentar conter a alta dos preços, no sistema de metas de inflação, o Banco Central olha para o futuro, e não para a inflação corrente, ou seja, dos últimos meses.
🔎Isso ocorre porque as mudanças na taxa Selic demoram de seis a 18 meses para ter impacto pleno na economia.
Neste momento, a instituição já está mirando na meta considerando o primeiro semestre de 2026.
- A meta de inflação deste ano, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3% e será considerada cumprida se oscilar entre 1,5% e 4,5%;
- A partir de 2025, o governo mudou o regime de metas de inflação, e a meta passou a ser contínua em 3%, podendo oscilar entre 1,5% e 4,5% sem que seja descumprida;
- Na semana passada, os economistas do mercado financeiro estimaram que a inflação de 2024 somará 4,89% (acima do teto da meta anual) e, a de 2025, 4,60% (também acima do teto da meta), e de 4% em 2026.
- Na semana passada, o Banco Central estimou que as projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência estavam em 4,9% em 2024, 4,5% em 2025 e 4% em 2026.
"De fato, houve não só uma interrupção no processo desinflacionário, como uma maior pressão inflacionária nas últimas divulgações. Enfatizou-se que os vetores inflacionários se intensificaram desde a reunião anterior, como hiato do produto mais positivo, o mercado de trabalho ainda mais dinâmico, a nova depreciação cambial, a inflação corrente mais elevada e as expectativas de inflação mais desancoradas, tornando a convergência da inflação à meta mais desafiadora", informou o BC.
Outros recados do Copom
- Ambiente externo permanece "desafiador", em função, principalmente, do cenário nos Estados Unidos, o que aumenta dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do BC do país. O mercado avalia qual será o impacto de políticas protecionistas, defendidas por Donald Trump, que assume o governo em janeiro, sobre os juros do país e a taxa de câmbio.
- No cenário doméstico, os indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho seguem "apresentando dinamismo, com destaque para a divulgação do PIB do terceiro trimestre", que indicou crescimento maior do que o esperado. No entanto, para a atividade futura, há elementos que sugerem uma desaceleração, tal como o maior aperto das condições financeiras (alta dos juros).
- Em função da materialização de riscos, o BC avaliou que o cenário se mostra "menos incerto e mais adverso". "Riscos à alta da inflação, tais como a resiliência da inflação de serviços, a desancoragem das expectativas e a depreciação cambial se materializaram. Assim, um cenário que até então se mostrava bastante incerto tornou-se mais adverso", acrescentou.