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Por André Catto, g1


Cartão de crédito — Foto: Reuters

As buscas por alternativas para substituir o rotativo do cartão de crédito têm mobilizado os setores público e privado. Entre eles, o governo federal, o Banco Central (BC), instituições financeiras, empresas de maquininhas de cartão e o Congresso Nacional.

O tema tem sido alvo de debate frequente desde o começo do ano. Em abril, por exemplo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), já havia afirmado que o desenho da modalidade prejudicava a população de baixa renda e sinalizou que já tinha dado início a uma negociação com as instituições financeiras para reduzir os juros cobrados na linha.

Em agosto, o assunto voltou à tona após o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmar publicamente que a instituição avalia alternativas para reduzir a inadimplência nas operações com o rotativo do cartão de crédito.

O rotativo é uma modalidade de crédito ativada automaticamente quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão até a data do vencimento. Essa é a categoria mais cara do país, com juros que, em julho, chegaram a 445,7% ao ano.

Para especialistas ouvidos pelo g1, as mudanças discutidas em torno do rotativo podem ajudar a dar mais transparência aos clientes e a reduzir juros, mas não necessariamente vão resolver o problema de descontrole de gastos — questão atrelada à educação financeira (entenda mais abaixo).

Quais as principais alternativas discutidas?

Campos Neto chegou a citar algumas das possibilidades analisadas:

  • Extinguir o rotativo do cartão e, no lugar, enviar o devedor diretamente para um parcelamento desse saldo — com juros mais baixos;
  • Criar algum tipo de "tarifa" para desincentivar a compra desenfreada de crédito em uma quantidade muito grande de parcelas;
  • Limitar os juros cobrados no rotativo do cartão.

Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei propõe a criação de um limite de 100% para os juros do rotativo do cartão de crédito — ou seja, até o dobro do valor devido — caso o setor não apresente uma proposta de redução da taxa atual, de 445,7% ao ano.

A proposta inclui também o Desenrola, programa de renegociação de dívidas. O texto vai dar um prazo de 90 dias para as emissoras de cartão de crédito apresentarem uma proposta de regulamentação, a ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

As eventuais mudanças podem ajudar no controle de gastos?

Especialistas reforçam que redução de juros é bem-vinda para o bolso do consumidor. Contudo, o controle das contas pessoais e a consequente redução da inadimplência dependem de outro fator: a educação financeira.

Segundo dados do Banco Central, a inadimplência atingiu 49,5% das operações dessa modalidade em julho deste ano. São R$ 76 bilhões em dívidas no país, de acordo com a instituição.

"O fim do rotativo não é uma medida efetiva para melhorar o controle das contas. A maior parte das pessoas se descontrola no cartão porque consome em excesso, porque usou o cartão como extensão de renda e não como um instrumento de pagamento", alerta o professor Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro.

Já para a professora de Finanças da FAAP Virginia Prestes, extinguir o rotativo ou deixar explícito o juro embutido em parcelamentos são medidas que podem, sim, aumentar a atenção da população sobre taxas e prazos de pagamento — ampliando, dessa forma, o contato com a educação financeira.

"São passos que o mercado brasileiro está dando para auxiliar nessa disciplina. O ideal é termos uma população com maior maturidade sobre o tema e que possa tomar decisões mais embasadas", diz.

Virginia explica que um dos principais motivos de entrada no rotativo é o descuidado ao se deixar levar pelas baixas parcelas nas compras a prazo. "As pessoas vão se endividando sem ter consciência do valor total devido. E, no final, acabam no rotativo. Isso acontece bastante."

"Muitas vezes, a pessoa paga o mínimo da fatura, entra no rotativo e não tem consciência da bola de neve que isso se torna", continua.

A professora de Economia e finanças pessoais da ESPM Paula Sauer também defende que haja maior transparência no mercado de crédito. Segundo ela, a comunicação entre o sistema financeiro e o público não especializado "já melhorou muito, mas ainda há muito espaço para aprimoramento".

"Somos um país de dimensões continentais, com imensas desigualdades sociais e desconcertante assimetria de informação. Quem vende o produto entende muito mais do que quem está comprando. Essa diferença coloca o cidadão em uma situação de extrema vulnerabilidade", afirma.

Possibilidades e entraves

A professora Paula Sauer explica que o Brasil adota um modelo de parcelamento semelhante ao dos Estados Unidos. O problema, entretanto, está nas altas taxas de juros da economia brasileira, que acabam dificultando a situação daqueles que caem no rotativo.

Nesse contexto, os emissores de cartão têm tentado negociar com o varejo uma diminuição de riscos e novas regras para o parcelamento das compras — uma discussão nada simples, diz a professora.

"Isso porque 75% das compras feitas no Brasil estão enquadradas na modalidade crédito, com parcelamento de compras sem juros, o que é bastante tentador. O consumidor olha o valor reduzido daquela parcela e não vê motivo para adiar o consumo, uma vez que aquela parcela cabe no bolso."

Ainda segundo a especialista, independentemente da mudança, se não houver um trabalho efetivo e com uma linguagem que ajude o consumidor a entender os mecanismos de crédito, o risco é que "o tiro saia pela culatra" ao invés de colaborar com a diminuição do endividamento.

Já Mauro Calil, da Academia do Dinheiro, acredita ser "impossível" limitar os juros do rotativo, por se tratar de uma questão de oferta e demanda.

"É a mesma coisa que você querer tabelar o preço do arroz ou de um helicóptero — tanto faz qual seja o item. O juro é um produto financeiro e se refere a oferta e demanda. Então, essa tentativa de tabelamento ou extinção restringiria o tipo de produto financeiro", diz.

Vale reforçar que os juros do rotativo são muito altos por se tratar de uma linha de crédito com enorme taxa de inadimplência (quase 50%). Além disso, a modalidade é considerada emergencial e não possui uma garantia — ou seja, o banco corre risco de levar calote —, fazendo as taxas dispararem.

O tema ainda esbarra no debate sobre o consumo. A ideia é que as possíveis alterações na linha sejam assertivas e não desincentivem a ida dos brasileiros às compras — o que poderia esfriar a economia do país.

O ministro Fernando Haddad já manifestou preocupação sobre o assunto ao afirmar, neste mês, que uma eventual mudança não pode comprometer as vendas no varejo.

"Estamos há uns meses discutindo com os bancos, mas não podemos perder o varejo. Não pode mexer nisso aí. Tem que proteger quem está no rotativo, mas se for comprometer o sistema de vendas que é o padrão hoje...", declarou Haddad.

Dicas para equilibrar as contas

Segundo os especialistas, independentemente das mudanças no rotativo, continuarão valendo as mesmas dicas de sempre para um uso controlado do cartão de crédito.

"Essa modalidade pode ser uma grande aliada se usada da maneira correta. Hoje, sabemos que há programas de milhas e de cashback, por exemplo — que têm crescido bastante. E são alternativas que também podem ser usadas com inteligência", conclui Virginia Prestes, da FAAP.

Veja as principais dicas dos especialistas:

  • possuir poucos cartões de crédito;
  • manter um uso disciplinado;
  • ter o limite disponível no cartão de no máximo 50% do total da sua renda;
  • pagar a fatura sempre em dia (nunca optar pelo pagamento mínimo);
  • optar, se possível, por cartões com programas de pontos;
  • observar sempre o valor total das compras, seja ele parcelado ou não;
  • não cair na armadilha de muitos parcelamentos pequenos;
  • lembrar que cartão de crédito é meio de pagamento, e não complemento de renda;
  • jamais emprestar seu cartão para outras pessoas.

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