Por Vivian Souza, g1


Veja como a guerra na Ucrânia pode afetar os preços no Brasil

Veja como a guerra na Ucrânia pode afetar os preços no Brasil

Após dias de tensão, a Rússia invadiu a Ucrânia nesta quinta-feira (24). O conflito entre os dois países pode trazer consequências indiretas para outras nações, inclusive o Brasil.

No agronegócio brasileiro, o Brasil depende de fertilizantes importados e a Rússia é a maior fornecedora do insumo. Além disso, o país europeu compra commodities e carnes do Brasil. Na visão somente de produtos agropecuários, a Rússia ficou na 22ª posição dentre os maiores importadores, com US $1,27 bilhão adquiridos em 2021 (participação de 1,06%), segundo o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.

A Ucrânia, por sua vez, é líder na produção de milho. Uma possível retirada do país do mercado internacional, diminuiria a oferta do cultivo, provocando uma alta no preço do grão, que é muito usado como ração, aumentando, assim, os custos de produção na pecuária e das carnes nas prateleiras.

Ambos os países se destacam na produção de trigo, produto que já apresentava alta nesta quinta-feira de mais de 5% na bolsa de Chicago. A eventual menor oferta ocasionada pela guerra pode afetar a comercialização mundial do produto, incluindo o Brasil, que compra o cereal da Argentina, que pode ter um aumento da demanda.

Veja a seguir as possíveis consequências do conflito entre os dois países no agronegócio brasileiro.

Crise de fertilizantes

Os fertilizantes químicos funcionam como um tipo de adubo, usados para preparar e estimular a terra para o plantio. Antes mesmo do conflito, o mundo já enfrentava uma crise no setor, com encarecimento dos preços e escassez no mercado.

Os principais motivos eram problemas energéticos em países fornecedores da matéria-prima para esses produtos, como China, Rússia e Índia, e problemas logísticos por causa da falta de contêineres e navios..

Agora isso pode se estender ou até mesmo piorar. Isso porque, no mercado mundial, a Rússia domina 10% dos nitrogenados, 7% dos fosfatados e 20% dos potássicos, aponta Fábio Mizumoto, coordenador do MBA de agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Considerando o Brasil, das mais 41 milhões de toneladas do produto importadas em 2021, o país foi a origem de 23%, segundo levantamento do Comex Stat.

De acordo com dados do Itaú BBA, considerando as matérias-primas para os fertilizantes, do total comprado pelo Brasil, vieram da Rússia:

  • 20% dos nitrogenados;
  • 28% do potássicos;
  • 15% dos fosfatados.

A soja, por exemplo, principal commodity do Brasil, depende muito do fósforo e do potássio. Em possível impacto desses produtos, até as rações para a pecuária seriam afetadas, por sua vez, elevando o custo de produção das carnes e o valor para o consumidor, diz Mizumoto.

"Porque a gente não consegue uma fonte alternativa que facilmente substitua a Rússia como fornecedora. Existem outros potenciais supridores? Sim, mas essa substituição não é nem perfeita e nem barata", explica o professor.

Já o milho depende dos nitrogenados, que não possuem tantos outros fornecedores, explica.

"Talvez um cidadão comum urbano tenha uma imagem de que é só plantar, que tudo dá no Brasil. Isso não é verdade. Os nossos solos são, em grande parte, pobres em nutrição e a gente precisa corrigir a capacidade nutricional para ter produtividade", diz Mizumoto.

O professor afirma que a logística da Rússia já está sendo afetada, causando dificuldades para prever a importação destes insumos e o envio de commodities, por causa das possíveis problemáticas da produção.

Além disso, após o produto chegar ao Brasil, ele também precisa de tempo para o caminho até o agricultor, o que também pode atrasar os cultivos.

Há ainda a incerteza da disponibilidade dos fertilizantes, o que pode fazer os seus preços subirem, aponta Cesar de Castro, especialista de agronegócio do Itaú BBA.

Ele explica que o encarecimento já acontece desde o ano passado e muitos produtores aguardavam que eles caíssem para comprar os insumos, contudo os valores continuam crescendo.

Estes impactos devem ser sentidos pelo consumidor, principalmente, na safra de 2023, que é plantada no segundo semestre deste ano. Os cultivos que estão na lavoura agora já foram plantados e seus insumos já foram comprados em 2021.

Entenda:

Efeito dominó

Apesar de a Ucrânia não ser grande fornecedora ou cliente do agronegócio brasileiro, uma crise afetaria o Brasil diretamente. Isso porque o país europeu é o 3° maior produtor de milho mundial, aponta Castro.

Caso o país diminua a produção, no primeiro momento, com a menor oferta de milho, os preços subiriam ainda mais, diz.

Mesmo favorecendo o agricultor que trabalha com o cultivo, seria mais uma causa para subir o preço da ração, deste modo encarecendo as carnes nos supermercados, analisa o especialista.

Em paralelo, em países, como os Estados Unidos, a soja concorre com o milho por espaço no campo. Com o maior preço, os agricultores focariam em produzir o milho, diminuindo também a oferta de soja, afetando, de mesmo modo que o milho, a pecuária, afirma Castro.

Além do milho, ambos países se destacam no cultivo do trigo, comenta. A Rússia é o maior exportador de trigo do mundo e a Ucrânia, o quinto.

Apesar de o Brasil completar o consumo interno com o cereal da Argentina, a menor oferta do produto causaria encarecimento mundial devido à maior demanda que os fornecedores disponíveis receberiam.

Tudo isso afetaria também o consumidor, por causa de uma alta do preço dos alimentos.

Tudo isso aconteceria em um cenário em que os estoques mundiais de grãos já estão apertados, relata o especialista.

Para completar o cenário problemático, a Rússia é compradora importante de carnes brasileiras - importando mais de mais de US$ 167 milhões em 2021, ocupando o 12° lugar no ranking, segundo o Comex Stat.

O país também é destino de commodities. Em relação a soja, por exemplo, a Rússia adquiriu o valor superior a US$ 300 milhões no ano passado, ocupando a 12° posição em importadora brasileira do produto, aponta o Comex Stat.

Por isso, se a relação comercial com a Rússia for abalada, o Brasil pode ter perdas econômicas, prevê o professor da FGV.

Produtos mais exportados do Brasil para a Rússia*

Soja, mesmo triturada, exceto para semeadura 343.286.654,00
Pedaços e miudezas, comestíveis de galos/galinhas, congelados 167.164.904,00
Café não torrado, não descafeinado, em grão 132.723.847,00
Amendoins descascados, mesmo triturados 129.731.662,00
Outros açúcares de cana 124.262.859,00
*Dados de 2021, em dólares

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Escassez de frango

O Brasil pode esperar também um aumento da demanda pela carne de frango - o que pode encarecer o produto. Isso porque a Ucrânia é um país exportador líquido do alimento, da ordem de 300 mil toneladas, diz Castro do Itaú BBA.

"Caso este fluxo seja interrompido, o Brasil pode vir a capturar oportunidades de exportação na proteína avícola, por exemplo, na Arábia Saudita onde cerca de 10% das importações de carne de frango vêm da Ucrânia", explica.

O consumidor vai pagar?

Para os especialistas, sim, o preço vai subir nas gôndolas dos supermercados. Contudo isso levaria um tempo, acredita Mizumoto. Isso porque o custo de produção ficaria maior na safra de verão 22/23, o que seria repassado ao consumidor final.

"Todos os sinais são de que se os preços não subirem, também não cairão", afirma Castro do Itaú BBA.

Além do conflito entre a Ucrânia e a Rússia, as safras podem ser prejudicadas pelas questões climáticas, o que diminuiria ainda mais a oferta e subiria os preços no segundo semestre.

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