Blog Pela Lente da Gente

Por Aline Midlej

Aline Midlej é apresentadora do Jornal das Dez, na GloboNews

Parecia uma semana como nos tempos (gloriosos) das Copas do Mundo de Bebeto e Romário, com hora marcada para se juntar, olhar a televisão e, antes disso, muito "zap", especulando, trocando, torcendo, imaginando, e até sonhando novos sonhos. Uma semana forjada na expectativa pelas entrevistas do "Jornal Nacional" com os presidenciáveis. Que oportunidade preciosa para o eleitor em cada realidade de Brasil pensar sobre o país onde o pedido de Ruth de Aquino ainda existe. Precisa existir. Mas até quando? Quem acompanha Ruth nisso? O pedido de perdão de Ruth de Aquino é de quem mais?

Em meio ao frisson e preparativos para a cobertura das sabatinas, minha atenção foi capturada pela sensibilidade sempre corajosa da jornalista do jornal "O Globo", em sua coluna desta semana. Ela nos lembra que o Brasil racista e indiferente ao racismo continua operando em novos roteiros perversos. Diante disso, o que faz Ruth? Como mulher branca, pede perdão a Emília, sua vizinha de bairro, que viveu uma das maiores humilhações da vida numa padaria da região. O motivo: a cor da pele. Vendo seu filho ser confundido com um "trombadinha" – nas palavras do segurança – enquanto fazia compras, ela viveu a dor de ser uma família preta em calçadas onde andar tranquilo, de chinelos e com os pés cheio de areia entre vitrines e salões, é privilégio de uma estética.

Segundo o texto de Ruth, Emília ficou solitária em sua dor, até a chegada do marido e desdobramentos na delegacia. Não houve consolo, apoio, solidariedade, apenas justificativas para o injustificável. Racismo é crime.

Se você presenciasse uma cena assim, como reagiria? Apenas imaginar isso, dói, em algum lugar? Dói em algum espaço que te compõe, como pessoa, filho, amigo, talvez mãe de alguém? Uma mãe como Emília que, depois do crescimento profissional, se mudou para o bairro "nobre" da zona sul carioca em busca de mais qualidade de vida. Aliás, há tempos tenho certo incômodo por ainda usarmos um termo tão desatualizado e desconectado dos nossos atrasos morais. Nossa nobreza é sórdida.

Dizem que nada se compara ao amor de mãe. Amor é o que nos mantêm existindo. Havia alguma mãe presenciando a dor da mãe Emília? Quando escolhemos o amor, escolhemos viver em comunidade, nos disse bell hooks. Lembro dessa grande intelectual morta em 2021 – um dos maiores nomes do feminismo negro – que defendia a construção de uma nova ética amorosa. Uma revolução composta por novas responsabilidades, em um novo modelo de relacionamentos, com a inclusão de outras perspectivas para, enfim, entendermos o nosso papel na ruptura de padrões que foram construídos com base no conforto diante da exclusão. A urgência é para criarmos, juntos, referências plurais, até que o segurança de qualquer estabelecimento e cada um de nós, enxergue pessoas e não representações distorcidas pela desigualdade desavergonhada. A cada silêncio oportuno para os nossos privilégios, nos tornamos menores, mais infelizes, mais pobres, mais reféns de uma riqueza pobre de sentido. Podre.

O episódio racista com Emília e seu filho numa padaria do Leblon deveria ser tema de aulas nas escolas ricas do mesmo Leblon, levando, finalmente, à prática de uma educação antirracista baseada em fatos reais. Penso como seria se fosse comigo. Me horroriza imaginar que poderia ser comigo. Sinto tanto. Podemos fazer muito mais. Obrigada, Ruth. Perdão, Emília.

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