O mosquito Aedes aegypti tem sido visto como o grande vilão da temporada. Se ele já era temido por transmitir a dengue, recentemente passou a ser o culpado pela disseminação de outros dois vírus no Brasil: chikungunya, transmitido pela primeira vez no país em setembro de 2014, e zika, identificado no país em abril.
Mas mosquitos Aedes modificados podem desempenhar um papel positivo na saúde pública, ajudando a combater em larga escala essas doenças no futuro. Atualmente, eles já são usados em bairros localizados em vários pontos do Brasil, mas sempre dentro de projetos de pesquisa. Conheça os Aedes aegypti “do bem”:
AEDES AEGYPTI GENETICAMENTE MODIFICADOS
Mosquitos geneticamente modificados, ou transgênicos, produzidos pela empresa britânica Oxitec já foram liberados no Brasil em dois bairros da cidade de Juazeiro – Ituberaba e Mandacaru – e em um bairro da cidade de Jacobina, ambas na Bahia. Nessas áreas, o projeto foi liderado pela Universidade de São Paulo e pela organização Moscamed, com apoio da Oxitec. Em março, o mosquito também passou a ser liberado em Piracicaba.
“Em todas as regiões, temos alcançado uma supressão do mosquito selvagem acima de 90%”, afirma Glen Slade, diretor de desenvolvimento de negócios da Oxitec.
Como funciona?
A tecnologia funciona da seguinte maneira: no laboratório, ovos dos Aedes aegypti recebem uma microinjeção de DNA com dois genes, um para produzir uma proteína que impede seus descendentes de chegarem à fase adulta na natureza, chamado de tTA, e outro para identificá-los sob uma luz específica.
Só os machos são liberados na natureza. Eles procriam com as fêmeas selvagens –responsáveis pela incubação e transmissão dos vírus da dengue, chikungunya e zika. Elas vão gerar descendentes que morrem antes de chegarem à vida adulta, reduzindo a população total.
Os machos liberados na natureza só conseguem sobreviver até a vida adulta e procriar porque recebem, dentro do laboratório, um antibiótico chamado tetraciclina. Como essa substância não existe na natureza, seus descendentes morrerão.
Pronto para uso em larga escala?
“Estamos preparados e ansiosos para ir em frente cada vez mais rápido. O que estamos fazendo hoje pode ser feito em qualquer escala e de forma cada vez mais eficiente”, diz Slade. "Num país do tamanho do Brasil, não vamos eliminar, mas talvez em cidades isoladas poderá haver uma redução tão grande que será quase uma eliminação."
Até o momento, os mosquitos transgênicos não têm registro na Anvisa, apenas aprovações para uso em projetos de pesquisa. Para Slade, porém, isso não impede que a estratégia seja usada de forma cada vez mais ampla. “A Anvisa está analisando nossa situação. Trata-se do primeiro mosquito geneticamente modificado, o que levanta perguntas novas, é uma situação nova. Não vejo um grande obstáculo em nossa situação atual em termos de darmos os próximos passos. Próximos projetos com caráter de pesquisa podem ser cada vez maiores”
Em nota, a Anvisa afirma que está analisando o material apresentado pela empresa em caráter prioritário, inclusive com consultas a outras agências reguladoras internacionais que estão tratando de questões semelhantes. “A análise envolve, inicialmente, a decisão sobre se um ‘mosquito transgênico’ é efetivamente um produto a ser regulamentado pela Anvisa”, afirmou a agência em nota ao G1.
MOSQUITO COM BACTÉRIA WOLBACHIA
Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também estão trabalhando no uso de “mosquitos do bem” para combater a transmissão de doenças pelo Aedes aegypti. A estratégia não envolve modificação genética, mas o uso da bactéria Wolbachia, que impede os mosquitos de transmitir o vírus da dengue. Assim como o projeto da Oxitec, o da Fiocruz – chamado “Eliminar a Dengue: Desafio Brasil” – também tem caráter de estudo científico.
Nesta etapa do estudo, participam os bairros de Tubiacanga, na Ilha do Governador, na cidade do Rio, e de Jurujuba, em Niterói, segundo o pesquisador Luciano Moreira, coordenador do projeto. Há liberação do mosquito adulto e também liberação de ovos.
O que está sendo avaliado atualmente é a capacidade de os mosquitos Aedes aegypti com Wolbachia se estabelecerem em situações reais. “Isso quer dizer que pretendemos observar a capacidade de os mosquitos com Wolbachia serem liberados naquele bairro, encontrar parceiros para reprodução (que já existiam no bairro) e gerar filhotes que já nascem com a Wolbachia, já que o método é baseado na autossustentabilidade decorrente da característica de transmissão vertical da bactéria (da mãe para os filhotes)”, diz Moreira.
Segundo ele, a longo prazo, o programa tem potencial de fornecer uma alternativa complementar de controle da dengue. Porém, a pesquisa ainda está na etapa inicial.
Se inicialmente o projeto era focado na eliminação da dengue, estudos feitos em laboratório comprovaram que a bactéria Wolbachia é capaz de reduzir a transmissão do vírus da febre amarela, do chikungunya e também atua sobre o vírus zika.
O objetivo é substituir toda a população de mosquitos da região para reduzir os casos de infecção pelos vírus. A bactéria Wolbachia não traz nenhum risco às pessoas, segundo os pesquisadores. Moreira explica que as pessoas já estão expostas a ela no dia a dia: 70% dos pernilongos, por exemplo, têm essa bactéria no organismo.