Sob pressão do Palácio do Planalto, o Exército livrou na última quinta-feira (3) o general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello de punição após ele ter participado de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro.
O processo contra Pazuello foi arquivado sob o argumento de que o evento ocorrido no Rio de Janeiro em 23 de maio não teve conotação partidária.
A decisão foi alvo de críticas nos três Poderes porque o regulamento disciplinar do Exército é claro ao prever como transgressão disciplinar a manifestação política por militar da ativa.
Veja quem são e qual foi a atuação das principais autoridades militares envolvidas no episódio.
Eduardo Pazuello
General da ativa, no topo da carreira de intendente (responsável pela logística militar) com três estrelas, Eduardo Pazuello entregou o comando da 12ª Região Militar, no Norte do país, responsável pela Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) para assumir o cargo de ministro da Saúde em 2020.
Atuou por quatro meses como interino na pasta e depois foi o titular do ministério mais longevo no decorrer da pandemia do coronavírus.
Seu período no cargo ficou marcado pela frase “Um manda, e o outro obedece”, dita por Pazuello ao lado do presidente Bolsonaro, em novembro passado, em meio à crise que levou o ministério a recuar de um anúncio de compra de 46 milhões de doses da vacina Coronavac. O fornecimento desse imunizante pelo Instituto Butantan de São Paulo é usado como bandeira política por um de seus principais opositores e possível adversário nas eleições de 2022, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Demitido do cargo no fim de março, Pazuello participou do ato no Rio dias após ter prestado depoimento na CPI da Covid no Senado.
Na comissão parlamentar, Pazuello é investigado pela suposta prática de crimes de responsabilidade em várias frentes. Uma delas é sobre a crise em Manaus, para apurar se houve falta de planejamento para organizar o sistema de saúde e omissão em relação ao envio de oxigênio.
Outro ponto importante para os parlamentares é a atuação do ex-ministro na aquisição de vacinas, principalmente sua resistência à compra da Coronavac e do imunizante produzido pela Pfizer.
Também está sob apuração o estímulo para estados e municípios usarem a hidroxicloroquina, medicamento sem comprovação científica contra a Covid-19.
Mesmo sendo alvo da CPI em andamento, Pazuello participou do ato ao lado de Bolsonaro no Rio, ambos sem máscara.
A atitude foi encarada como um desafio e uma afronta à CPI da Covid, após o ex-ministro ter declarado em depoimento que apoiava o uso de máscaras como medida para prevenir a infecção pelo coronavírus e ter pedido desculpas por ter entrado em um shopping de Manaus sem o item de proteção.
Após o evento no Rio, o ex-ministro da Saúde deixou vazar sua linha de defesa sobre o episódio entregue ao Exército. Basicamente, ele alegou que não poderia ser punido porque apoiava o cidadão Bolsonaro, não o presidente em um ato político.
Chegou a afirmar que o fato de o presidente não ser filiado a um partido despolitizaria todo o evento. O conceito foi dado pelo próprio Bolsonaro em uma live.
Pazuello não foi punido pelo Exército e ganhou um cargo no Palácio do Planalto. Ele é, desde terça-feira (1º), secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos, vinculada à Presidência da República.
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
Antes de assumir o comando do Exército, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira chefiava o Departamento de Pessoal do Exército, função que ocupou por dois anos. Antes disso, assim que foi promovido a general quatro estrelas, a mais alta patente, foi enviado a Belém, para ser comandante militar do Norte. Ele já foi adido no México e também atuou na Diretoria de Promoções do Exército.
Oliveira chegou ao cargo de comandante da Força no governo Bolsonaro em um dos desdobramentos da maior crise militar desde 1977. No episódio, ocorrido no fim de março passado, os três comandantes das Forças Armadas caíram em meio a discordâncias com o presidente da República.
Antes de completar dois meses no novo posto, Oliveira já teve que lidar com o caso da participação do general Pazuello no ato com o presidente, no Rio de Janeiro.
Dias após o episódio, Bolsonaro disse ao comandante que não queria ver o ex-ministro da Saúde punido por participar do evento. A sinalização foi dada a Oliveira durante a viagem de ambos a São Gabriel da Cachoeira (AM), onde Bolsonaro foi inaugurar uma ponte de menos de 20 metros e fazer uma visita de dois dias.
Sob pressão de Bolsonaro, o comandante decidiu na quinta-feira (3) livrar Pazuello de qualquer punição por ter participado do ato político. Em nota publicada no site da Força, de forma discreta e sem alarde, o Exército afirmou que "o comandante analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general".
"Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello. Em consequência, arquivou-se o procedimento administrativo que havia sido instaurado", afirma o comunicado.
Com a decisão, Oliveira considera estar ganhando tempo com o chefe, de acordo com aliados. Mas o episódio deixará marcas internas, para não falar no risco efetivo de anarquização da hierarquia que ele implica.
Hamilton Mourão
Vice-presidente da República e general da reserva do Exército, Antonio Hamilton Mourão formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras. Em sua carreira militar, cumpriu missão de paz em Angola, atuou como adido militar na embaixada do Brasil na Venezuela e foi Comandante Militar do Sul. Em 2018, filiou-se ao PRTB e ingressou na carreira política.
Na última eleição presidencial, aliou-se a Bolsonaro e concorreu como vice.
Em razão de vários episódios de desgaste com Bolsonaro desde o início do atual mandato, Mourão não deve compor uma nova chapa com o mandatário, em uma eventual corrida pela reeleição.
Após o ato político no Rio com a participação de Pazuello, o vice-presidente indicou a tendência de punição ao ex-ministro em mais de uma oportunidade.
Na primeira delas, no dia seguinte ao ato, afirmou que Pazuello poderia pedir transferência para a reserva para atenuar o problema.
"É provável que seja [punido], é uma questão interna do Exército. Ele também pode pedir transferência para a reserva e aí atenuar o problema", disse Mourão na ocasião.
"O regulamento disciplinar do Exército, no seu anexo 1, tem uma série de transgressões, entre elas, pode ser aí enquadrada essa presença do general Pazuello nessa manifestação, uma manifestação de cunho político", completou.
Posteriormente, Mourão declarou que uma eventual penalidade de Pazuello teria por objetivo “evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças Armadas”.
“Assim como tem gente que é simpática ao governo, tem gente que não é", disse na ocasião.
À Folha, após a decisão do comandante do Exército de livrar Pazuello de punição, Mourão afirmou que por "questão de disciplina intelectual" não iria comentar a decisão do Exército.
Em 2015, Mourão perdeu o comando militar do Sul por criticar a presidente Dilma Rousseff. Também perdeu um posto na cúpula do Exército após defender a possibilidade de intervenção militar em 2017.
Alto-Comando do Exército
O Alto-Comando do Exército é composto por 15 oficiais de quatro estrelas, topo da hierarquia militar.
Embora a eventual punição a Pazuello fosse atribuição do comandante Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ele fez consulta ao Alto-Comando.
O Alto-Comando havia sugerido, em sua maioria, punição ao ex-ministro da Saúde. Muitos defenderam a cadeia de 30 dias ou uma suspensão ao general, enquanto outros sugeriram penas mais brandas como advertência por escrito ou verbal.
Nesse caso, disseram conhecidos de Oliveira, a renúncia do comandante seria inevitável. Ou Bolsonaro anularia seu ato ou tornaria sua presença desconfortável, levando à segunda troca de comando na Força em dois meses.
A segunda opção, o salvo-conduto ao transgressor, ao aceitar os argumentos inconvincentes apresentados por ele para estar no ato com Bolsonaro, seria péssima para a instituição, mas evitaria uma nova crise com o Planalto.
Assim, quando o Alto-Comando e Oliveira se reuniram virtualmente na quarta (2), a decisão já estava tomada desde domingo (30).
Braga Netto
O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, é general da reserva e foi coordenador-geral de Defesa de Área da Olimpíada de 2016 e interventor federal no Rio de Janeiro em 2018.
Em março, quando trocou a Casa Civil do governo Jair Bolsonaro pelo Ministério da Defesa, Braga Netto aproximou a pasta da política. Além de acompanhar atividades extraoficiais do presidente, passou a fazer discursos a militantes.
O novo comportamento surpreendeu ex-ministros de governos anteriores que conviveram com ele e, nos bastidores, tem despertado uma divergência geracional sobre como integrantes das Forças Armadas enxergam a proximidade entre militares e política, tema que voltou a ganhar destaque por causa do episódio da participação de Pazuello no ato político ao lado de Bolsonaro.
O fato de o ministro da Defesa ter secundado a posição de Bolsonaro no caso teve peso central no desfecho favorável ao ex-ministro da Saúde.
Luiz Eduardo Ramos
O chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, já esteve à frente do Comando Militar do Sudeste e chefiou a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) de 2011 a 2012. Também já foi vice-chefe de Estado-Maior do Exército e comandou a 11ª Região Militar, em Brasília, e a 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro. Foi para a reserva somente quando já era ministro da Secretaria de Governo da gestão Bolsonaro, antes de assumir a Casa Civil.
Na quinta (3), diversos oficiais-generais da três Forças lamentavam o desfecho do caso Pazuello, dizendo que a hierarquia do Exército havia sido desafiada e derrotada. Na mão contrária, havia o grupo restrito de militares que orbita o Palácio do Planalto, mais precisamente a Casa Civil chefiada por Ramos.
Visto amplamente como o artífice da queda do seu ex-chefe Fernando Azevedo da Defesa em abril, Ramos questionou internamente as críticas a Pazuello feitas pelo vice-presidente Mourão, um general de quatro estrelas da reserva como ele.
Ramos tem sido criticado no serviço ativo, que o vê como uma espécie de Raspútin de Bolsonaro, em alusão ao monge místico que influenciava de forma nefasta as decisões do último czar, Nicolau 2º.
No ano passado, o presidente chegou a cogitar a ida do auxiliar, seu mais antigo amigo da caserna, para o comando do Exército. Ramos teve de negar o episódio, tamanha foi a irritação que a sugestão criou, como a Folha mostrou à época.
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