Sem a possibilidade de frequentar a escola desde que o Talibã reassumiu o poder, há sete meses, adolescentes afegãs retornaram nesta quarta-feira (23) às aulas após o regime fundamentalista ter anunciado a abertura dos colégios do ensino médio para meninas.
Poucas horas depois do reinício das aulas, porém, as jovens foram obrigadas a voltar para casa, em uma mudança política repentina que provocou decepção e revolta entre as estudantes. O Ministério da Educação não deu uma explicação clara para ter desistido da reabertura —ou adiado o processo.
"No Afeganistão, especialmente nas aldeias, as mentalidades não estão prontas", disse o porta-voz da pasta, Aziz Ahmad Rayan. "Temos algumas restrições culturais, mas os principais porta-vozes do Emirado Islâmico vão oferecer mais esclarecimentos."
De acordo com uma fonte talibã entrevistada pela agência de notícias AFP, a decisão teria sido tomada após uma reunião de altos dirigentes realizada na noite de terça (22) em Kandahar, berço do movimento fundamentalista. No colégio Zarghona, um dos maiores de Cabul, um professor ordenou que as alunas retornassem para casa. Abatidas, as estudantes reuniram seu material, às lágrimas, e deixaram o local.
"Vejo minhas estudantes chorando e relutantes em deixar as aulas", afirmou Palwasha, professora da escola feminina Omra Khan, de Cabul. "É muito doloroso." Quando os talibãs retomaram o poder, em agosto de 2021, as escolas estavam fechadas devido à pandemia de Covid-19, e dois meses depois apenas os meninos e as meninas que cursavam o ensino básico foram autorizados a retornar às aulas.
Os talibãs alegaram que precisavam de tempo para garantir que as jovens com idades entre 12 e 19 anos permaneceriam separadas dos homens e que os centros de ensino fossem administrados de acordo com os princípios islâmicos. "Não abrimos as escolas para agradar à comunidade internacional ou para obter o reconhecimento do mundo", disse Ahmad Rayan. "Fazemos isso como parte da nossa responsabilidade de fornecer educação e estruturas educacionais a nossas alunas."
Muitas estudantes estavam ansiosas para voltar às aulas, apesar dos códigos de vestimenta rigorosos que as obrigavam a cobrir quase todo o corpo. "Já estamos atrasadas em nossos estudos", disse Raihana Azizi, 17. Algumas famílias, porém, desconfiavam do regime e tinham medo de permitir a saída de suas filhas ou não viam sentido na educação delas diante de um futuro sombrio para o trabalho das jovens.
Em sete meses no poder, os talibãs determinaram várias restrições às mulheres, que foram excluídas dos empregos públicos, enfrentam controles em sua forma de vestir e são impedidas de viajar sozinhas para fora de sua cidade. Várias ativistas pelos direitos femininos foram presas.
"Por que você e sua família fariam enormes sacrifícios para estudar se nunca poderá ter a carreira com que sonha?", questionou Sahar Fetrat, pesquisadora-assistente da ONG Human Rights Watch.
Devido à pobreza ou ao conflito que devastou o país, os estudantes afegãos perderam grandes períodos dos anos letivos. O país também enfrenta escassez de professores, após muitos fugirem ao lado de dezenas de milhares de afegãos devido à tomada de poder pelos talibãs.
A comunidade internacional considera o acesso das mulheres às escolas um ponto fundamental nas negociações de ajuda e reconhecimento do regime islamita, que em seu período anterior no poder (1996-2001) proibiu a educação para as mulheres.
Reações
"A promessa de um retorno à escola para milhões de alunas do ensino médio foi quebrada no Afeganistão. É um retrocesso enorme. O acesso à educação é um direito fundamental", disse no Twitter a chefe da Unesco, Audrey Azoulay. "As mulheres devem ser autorizadas a voltar à escola sem prazos adicionais."
Os EUA também condenaram a decisão do Talibã. "Nós nos juntamos a milhões de famílias afegãs hoje para expressar a nossa profunda decepção e condenação com a decisão de não permitir que mulheres e meninas voltem à escola após a sexta série", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.
A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, afirmou em comunicado que "compartilha a profunda frustração e decepção das estudantes afegãs". Ela considerou a "incapacidade das autoridades de respeitar seu compromisso" como algo "profundamente prejudicial" ao Afeganistão.
A paquistanesa Malala Yousafzai, prêmio Nobel da Paz e ativista de longa data pela educação das mulheres, também expressou indignação. O Talibã "continuará a encontrar desculpas para impedir que as meninas aprendam porque tem medo de meninas educadas e mulheres autogovernadas", disse.
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