O adiamento da votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que integra o pacote de contenção de gastos foi o desfecho de uma sequência de erros de estratégia levados a cabo ao longo da sessão da Câmara nesta quarta-feira (18), segundo a avaliação de lideranças ouvidas pela Folha.
A demora no início das votações e a inclusão de propostas alheias ao tema, que é foco de atenção do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e está no centro das preocupações do mercado financeiro, atrapalharam a tarefa de assegurar pelo menos 308 votos favoráveis —quórum mínimo para a aprovação de uma mudança constitucional.
A necessidade de suspender a votação para evitar o risco de derrota acendeu um alerta entre os líderes, que preveem dificuldades para garantir a aprovação das medidas de contenção de gastos ainda em 2024.
Além da PEC, falta votar o projeto de lei que limita o ganho real do salário mínimo e altera as regras do BPC (Benefício de Prestação Continuada). As propostas também precisam passar pelo crivo do Senado Federal.
Uma vez sacramentado o adiamento, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ligou para aliados para contar votos e analisar o resultado.
Um líder governista diz que está "preocupadíssimo" com o resultado das votações desta quarta e afirma ser necessário um empenho maior do comando das bancadas para conseguir os votos necessários. Outro obstáculo é o fato de que muitos deputados já retornaram aos seus estados.
Na manhã desta quinta (19), Lira editou ato da presidência liberando o registro biométrico presencial em plenário. Dessa forma, parlamentares que já tiverem deixado Brasília poderão votar remotamente.
Apesar disso, o líder do governo na Casa, deputado José Guimarães (PT-CE), botou panos quentes na situação e afirmou que não há por que ter receio de as votações não serem concluídas nesta quinta. Segundo ele, há "o dia todo" para apreciação dos projetos que faltam.
A sessão da Câmara foi aberta às 14h, mas a ordem do dia (quando inicia a votação das propostas previstas em pauta) só começou às 18h58, quase cinco horas depois —o primeiro dos erros de estratégia, segundo um líder do centrão ouvido pela Folha sob reserva.
Na avaliação desse interlocutor, uma votação de PEC, que exige um quórum tão alto, deveria ter começado à tarde, quando há maior garantia de presença no plenário.
Após o início tardio das votações, o primeiro item foi a aprovação da urgência de um projeto de lei. Em seguida, a Câmara concluiu a aprovação do PLP (projeto de lei complementar) que também integra o pacote de contenção de gastos —mediante a desidratação da medida que autoriza o bloqueio das emendas parlamentares.
Na sequência, ocorreu o segundo erro de estratégia, na avaliação de lideranças: Lira chamou a votação do projeto de lei do Paten (Programa de Aceleração da Transição Energética), sem relação direta com as medidas de contenção de gastos. Segundo um líder do centrão, isso "quebrou o ritmo" dos parlamentares na votação do pacote.
Uma pessoa envolvida nas negociações do pacote afirma, no entanto, que era preciso tempo para finalização dos relatórios das propostas —e a garantia de que elas teriam votos para serem aprovadas—, o que demandou diálogo entre os parlamentares e negociações ao longo do dia, atrasando o início das votações.
A PEC só foi chamada por volta das 20h50. Iniciava-se ali um longo caminho a ser vencido pelos governistas, com requerimento de retirada de pauta (derrotado com relativa facilidade) e tempo para discussões.
A votação para o encerramento dos debates fez soar o primeiro alerta. O pedido foi aprovado com o apoio de 320 deputados, entre eles os da bancada do PSOL —que já avisou que seus 13 parlamentares votarão contra o mérito da proposta. Restariam só 307 votos, insuficiente para aprovar uma PEC.
Mesmo assim, a votação teve início de fato por volta das 22h45. O primeiro passo seria aprovar, por maioria simples, um requerimento para dar preferência ao texto apresentado pelo relator, deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE). O placar materializou o risco da derrota: 294 a 172, abaixo do necessário para uma PEC avançar.
Diante do termômetro desfavorável ao governo, Lira suspendeu a votação da PEC, encerrou os trabalhos por volta de 23h30 e convocou nova sessão para a manhã desta quinta-feira (19). O parlamentar avisou que quem não votar terá desconto no salário (o chamado "efeito administrativo").
Além do erro de estratégia, há uma avaliação entre parlamentares de que a organização da oposição também contribuiu para o adiamento. O grupo contrário ao governo foi mais eficaz no uso de instrumentos de obstrução, para retardar a votação.
Opositores também discursaram na tribuna criticando pontos do projeto e responsabilizando o governo Lula pelo cenário econômico atual, a ponto de Lira pedir um "mínimo de seriedade" dos parlamentares diante do cenário econômico do país.
"Estamos tratando de um momento sério do Brasil, dólar disparado, essas questões todas", afirmou. Nesta quarta, o dólar fechou a sessão cotado a R$ 6,267, novo recorde nominal para a moeda norte-americana.
Nos momentos finais da sessão, quando já havia sinais de que faltavam votos ao governo, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) apontou as dificuldades no púlpito.
"Estou sentindo um cheiro de sangue no plenário. O governo está um pouco nervoso, o PSOL votou só o requerimento procedimental, sem compromisso de votar o mérito. Tenho visto alguns apelos à Mesa Diretora em relação à votação, em permanecer no dia de hoje. O plenário já está começando a esvaziar, o pessoal colocando pantufa e indo para casa. Não sei se o governo tem a segurança necessária para votar essa matéria", diz.
A sessão da Câmara nesta quinta-feira está convocada para as 10h.
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